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2020, o 15º ano consecutivo de recuo de liberdades no mundo

O ano de 2020 foi o 15º consecutivo de recuo dos direitos políticos e liberdades dos cidadãos a nível mundial, afectados pelas restrições impostas no contexto de combate à pandemia de Covid-19, segundo a Freedom House.

09/03/2021  Última atualização 10H35
Recuo dos direitos políticos e liberdades dos cidadãos a nível mundial © Fotografia por: DR
De acordo com a edição deste ano do relatório "Liberdade no Mundo”, que classifica a evolução de direitos e liberdades em 195 países, em 2020 registou-se um declínio em 73 destes, onde habita 75 por cento da população mundial.
 "Líderes em exercício cada vez mais usaram a força para esmagar opositores e acertar contas, às vezes em nome da saúde pública, enquanto activistas sitiados - à falta de apoio internacional eficaz - enfrentaram pesadas sentenças de prisão, tortura ou assassinato”, refere o relatório.

A percentagem de países definidos como "não livres” - categoria abaixo de "parcialmente livres” e "livres” - é agora a mais alta desde que se inverteu, em 2006, uma tendência de aumento de liberdades e direitos em todo o mundo.
"As respostas dos governos à pandemia de Covid-19 exacerbaram o declínio democrático global. Regimes repressivos e líderes populistas manobraram para reduzir a transparência, promover informações falsas ou enganosas e reprimir a expressão de dados desfavoráveis ou visões críticas”, adianta a Freedom House.
O relatório aponta como medidas de repressão usadas os confinamentos "por vezes excessivos”, além da brutalidade da polícia para os impor.
   
Aproveitamento
Entre os exemplos de aproveitamento da pandemia está a Hungria, onde o Primeiro-Ministro, Viktor Orbán, utilizou poderes de excepção conferidos pela situação de emergência para retirar assistência financeira aos municípios liderados por partidos da oposição.
No Sri Lanka, o Presidente Gotabaya Rajapaksa dissolveu o parlamento no início de Março de 2020 e desde então utiliza o pretexto da pandemia para não convocar eleições.

Mas, refere a Freedom House, entre os mais afectados estão não apenas Estados autoritários, como a China, Bielorrússia e Venezuela, mas também democracias "abaladas” como as da Índia e os próprios Estados Unidos.
Considerada a mais populosa democracia do mundo, a Índia foi mesmo reclassificada pela Freedom House, de "livre” para "parcialmente livre”.

Os direitos e liberdades dos indianos "vêm diminuindo desde que Narendra Modi se tornou Primeiro-Ministro, em 2014”, tendo o seu Governo nacionalista hindu "aumentado a pressão sobre organizações de direitos humanos”, além de "intimidar académicos e jornalistas”, por entre "uma onda de ataques fanáticos - incluindo linchamentos - dirigidos a muçulmanos”.
 
Casos positivos
Entre os casos positivos, a Freedom House destaca os do Malaui, onde, após uma eleição fraudulenta em meados de 2019, o poder judicial resistiu a tentativas de suborno e impôs uma repetição da votação, e de Taiwan, uma das democracias asiáticas com melhor desempenho, onde "o Governo efectivamente suprimiu o coronavírus sem recorrer a métodos abusivos”.
A postura taiwanesa, adianta, "estabeleceu um forte contraste com a  China, onde o regime apregoou a sua resposta draconiana como um modelo para o mundo”.

"Mesmo antes do vírus ter atingido o país, os eleitores taiwaneses desafiaram uma campanha de desinformação politizada e multifacetada da China e reelegeram, de forma esmagadora, um presidente que se opõe a iniciativas de unificação com o continente”, refere o relatório.


 UMA DÉCADA  DE LIBERDADES
Países africanos com maior declínio


 
Muitos são os países do mundo que registaram grande recuo nos direitos políticos e liberdades dos cidadãos ao longo da última década, indica o relatório anual da Freedom House, referindo-se ao total de 49 analisados.
O documento, intitulado "Liberdade no Mundo 2021 - Democracia sob Cerco”, indica, por exemplo, que a pontuação de Moçambique recuou 16 pontos na última década, sendo Mali, Turquia e Tanzânia os países que registaram maiores recuos, respectivamente de 39, 31 e 30 pontos.
Incluído na categoria de "parcialmente livre", Moçambique é o 16º dos 27 países que mais recuaram na listagem da Freedom House, desde o início da década de 2010. A Freedom House irá divulgar os relatórios-país de Moçambique e outros países lusófonos nas próximas semanas.

A Organização Não-Governamental (ONG) sem fins lucrativos, com sede em Washington, adianta que apenas 16% dos 49 países africanos subsaarianos têm o estatuto de "livre”, 43% o de "parcialmente livre” e 41% o de "não livre”.
Para definir o relatório, a Freedom House baseou-se em seis critérios - processo eleitoral, participação e pluralismo político, funcionamento do Governo, liberdade de expressão e de religião, direitos associativos e organizacionais, Estado de Direito e Autonomia Pessoal e Direitos Individuais.
A Freedom House, que realça a violência que se tem registado no norte de Moçambique, destaca sobretudo os acontecimentos em três Estados subsaarianos, cujo percurso deve ser acompanhado com maior atenção ao longo de 2021, como a Costa do Marfim, Etiópia e Malaui.

 
África Subsaariana

A África Subsaariana tem registado alguns ganhos "isolados” nos direitos políticos e nas liberdades civis, mas agravou os retrocessos democráticos.
Segundo o relatório, dos 12 países considerados "os piores dos piores”, a África Subsaariana inclui cinco - Eritreia (o segundo pior), Sudão do Sul (terceiro), Guiné Equatorial (quinto), Somália (sétimo) e República Centro Africana (RCA, décima) -, com um Estado norte-africano a entrar também na tabela – Líbia (12.º).

Na Costa do Marfim, o documento realça que o Presidente marfinense, Alassane Ouattara, desafiou o limite constitucional de mandatos presidenciais e conquistou um terceiro mandato como Chefe de Estado, num processo marcado por desqualificações de outros candidatos, por um boicote da oposição e por uma violência política generalizada.
Na Etiópia, prossegue-se no documento, o Governo, inicialmente reformista, respondeu à agitação política e étnica com prisões em massa e uma ofensiva militar na região de Tigray, levando a violações generalizadas e flagrantes dos direitos humanos.
No Malaui, um dos poucos destaques pela positiva, após as eleições realizadas em 2019 terem sido anuladas pelo Tribunal Constitucional, a repetição da votação decorreu sem incidentes e o Governo daí eleito tem feito, desde então, "progressos no combate à corrupção”.

Na referência a Moçambique, a Freedom House regista no relatório o aumento da violência e o deslocamento forçado de populações na província nortenha de Cabo Delgado, onde se vive uma "crescente insurgência”.
No documento, a ONG destaca também a evolução positiva no Sudão, cujas reformas em curso têm melhorado a liberdade académica, e em que foi proibida a mutilação genital feminina e revogada uma lei que restringia as viagens das mulheres ao exterior.
"No entanto, um número cada vez maior de países registou declínios devido a novos limites à liberdade de movimento, bem como a eleições violentas e fraudulentas que prolongaram os mandatos já longos dos presidentes em exercício”. O documento dá como exemplo o caso da Costa do Marfim, mas também da Tanzânia e da República Centro Africana (RCA), onde as eleições foram caracterizadas pela repressão e violência governamental.
 No Togo, a eleição presidencial foi marcada por acusações de fraude, com apenas um pequeno grupo de observadores autorizados a monitorar um processo dúbio, que deu ao Presidente Faure Gnassingbé um quarto mandato.

Acusações de fraude e o uso de restrições da pandemia de Covid-19 para impedir o registo de eleitores lançaram dúvidas sobre as eleições presidenciais na Guiné-Conacri, onde Alpha Condé garantiu um terceiro mandato, depois de planear um referendo para suspender os limites de mandato.
Os líderes democraticamente eleitos do Mali foram derrubados por um golpe militar e, como resultado, o estatuto do país caiu do "parcialmente livre” para "não livre”.
O deslocamento forçado de populações e as restrições à liberdade de movimento contribuíram para o declínio da pontuação em cinco países, incluindo a Etiópia.

Nos Camarões, o conflito entre o Governo e grupos separatistas também expulsou as pessoas das suas comunidades, com os separatistas a aplicar as suas próprias restrições de movimento e tendo como alvo alunos e professores nas regiões anglófonas.
O Burkina Faso também esteve sob ataque de insurgentes islâmicos, com a população a ter de lidar com paramilitares pró-governamentais ostensivos e também com restrições desproporcionais por causa da pandemia,
As regras de saúde pública do Ruanda foram implementadas de forma agressiva, com dezenas de pessoas presas e torturadas sob custódia.

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