Opinião

2021, o ano da Mulher de Júlio César

Rui Malaquias

Economista e Mestre em Finanças

O ano de 2021 é, sem dúvidas, para Angola e para o mundo, um ano de todos e mais alguns desafios, pois tem que ser o ano em que as economias devem conseguir inverter a tendência de desaceleração, que de forma directa impacta negativamente na criação de empregos, bem como no volume de Investimento Directo Estrangeiro (IDE) que potencialmente deveria ser atraído para Angola.

06/01/2021  Última atualização 11H20
Apesar dos efeitos positivos da vacina começarem a ser sentidos quando se imunizar 20% da população mundial e isto pode levar de seis a oito meses, entendemos que já neste primeiro semestre as economias devem começar a desconfinar, as fábricas começarem as funcionar e as trocas comerciais começarem a ganhar o formato normal. Este facto deverá fazer com que o preço de barril de petróleo suba, segundo alguns especialistas, à volta dos USD 60, o que deverá conceder uma margem de manobra financeira para Angola para poder mais facilmente arcar com as responsabilidades para com os seus credores e continuar a fazer investimentos públicos, facilitando a vida das nossas empresas, essencialmente, para os que apostaram na produção nacional.  No que respeita a duras reformas que estão a ser implementadas, para alguns pode parecer mais fácil recuar e voltar aos tempos do passado (até por razões eleitoralistas), em que o Estado ao invés de fazer uma obra duradoura, preocupava-se em tapar buracos ou arranjar soluções ad-hoc para os problemas que vão aparecendo, entendemos que é exactamente agora que devemos ter a coragem de colocar a tintura de iodo na ferida.

O ano de 2021 tem de ser o da conclusão da implementação das reformas duras que estamos a ser acometidos, hoje ganhamos menos por causa do IRT, perdemos poder de compra por causa da taxa de câmbio ser livre, os produtos ficaram mais caros para o consumidor final por causa do IVA e, certamente, vamos ver os preços agravados e o nosso poder de compra reduzido quando se removerem os subsídios a preços dos derivados do petróleo e de outros bens e serviços. Mas estas reformas, principalmente no caso do IRT, vêm para conferir mais justiça tributária e fornecer mais capacidade financeira ao Estado para construir mais e melhores estradas, caminhos-de-ferro e outras infra-estruturas, a liberalização da taxa de câmbio vem trazer a verdade sobre o preço das divisas em Angola, bem como vem propiciar a expansão das nossas exportações e o IVA vem aproximar as empresas do mercado formal, bem como vem propiciar a recuperação de recursos para as empresas, pela diferença entre o IVA a receber e do IVA a pagar.

Todas estas reformas já deveriam ter sido implementadas há mais de 25 anos. Contudo, não foram tomadas e estão a ser postas em andamento agora, em três anos e com crises económicas e crises pandémicas à mistura, e já estamos a fazer os sacrifícios que conhecemos, e se voltarmos atrás agora os sacrifícios feitos serão em vão, pois, agora ou daqui a 100 anos teremos que fazer tais reformas.

Este sentimento é partilhado pelo FMI e Banco Mundial que acompanham Angola neste esforço. No próximo ano, esperamos que estas duas instituições continuem do nosso lado, respeitando os nossos sacrifícios e as nossas necessidades, pois, os empréstimos que nos foram concedidos apenas serão reembolsados caso as medidas surtam os seus efeitos e, felizmente, o Banco Mundial e o FMI perceberam que há questões que não estão ao nosso alcance e requerem mais ajuda financeira. Contudo, não nos enganemos, só iremos continuar a ter ajuda externa e atrair Investimento Directo Estrangeiro se formos firmes na implementação das reformas, pois só desta forma é que mostraremos ao mundo que somos outro país e que rompemos definitivamente com o passado e já percebemos que um dos nossos maiores problemas sempre foi o que transparecemos para fora.

Por outro lado, este deve ser o ano da continuidade e maturação da luta contra a corrupção, pois, achamos todos que ainda há muito para se fazer. Contudo, estamos no caminho certo, porque não há preço nem tempo para rebuscar a moralização da nossa sociedade, bem como mostrar aos investidores internacionais que podem trazer para aqui o seu capital. Este é o ano em que teremos de continuar a melhorar o nosso ambiente de negócios para que se sinta, de facto, que não é tarefa impossível abrir uma empresa em Angola, bem como este deve ser o ano que se deve continuar a aproximação das empresas ao sistema financeiro, principalmente as micro, pequenas e médias empresas, pois o segredo da nossa economia está nos pequenos negócios.

Deve ser ainda o ano para se concluir a reestruturação da banca comercial, pública e privada, pois o sistema financeiro, essencialmente o sistema bancário, tem que apoiar a economia real e deixar de procurar o Estado como porto seguro para os seus recursos. Assim sendo, deve ser perseguida a fonte de financiamento estatal primariamente pela via fiscal e não pela banca comercial, pois deixa as empresas sem acesso ao financiamento.  Claramente também percebemos que vai ser o ano da provação para os nossos empresários, pois com o advento da Zona de Comércio Livre, eles terão de se superar e conseguir produzir no limite dos seus custos operacionais e "rezar” que as infra-estruturas construídas pelo Estado reduzam os custos de contexto, porque se estiverem a produzir com custos acima, relativamente aos produtos vindos dos nossos vizinhos, certamente estarão condenados à falência.

Definitivamente, este será o ano da Mulher de Júlio César – que não basta ser honesta, tem que parecer honesta – porque  temos de ser sérios e corajosos para levar a cabo as reformas urgentes e necessárias para que consigamos retomar a rota do crescimento económico, mas desta vez de forma sustentável através do sector não petrolífero, bem como temos de parecer sérios e determinados, porque os votos de confiança são dados pelos nossos actos, pelos nossos gestos, daí ser importante, mais do que ser sérios, temos também de parecer sérios e determinados.

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