Opinião

23 de Março: um feriado com todo o significado

Adebayo Vunge

Jornalista

A história da humanidade está repleta de conflitualidades. Há quem diga que o move a história são as guerras, ou melhor, as grandes batalhas. É por isso que todos estudamos batalhas tão importantes como a batalha de Waterloo, da Normandia, de Da Nang, entre outras.

29/03/2021  Última atualização 08H43
No fundo, desde os exércitos faraónicos, passando pela civilização chinesa com a edificação da grande muralha, a expansão do império romano para lá dos limites europeus, as cruzadas, as guerras de ocupação colonial e as lutas de libertação, sem deixar de parte a grande guerra mundial e os conflitos civis da era moderna em várias partes de África e América Latina, vemos que o que move a história, seja para que direcção, é a conflitualidade permanente. Alguns destes episódios, mais do que outros, têm definitivamente um efeito avassalador no curso da História.

A nossa era é fértil no sentido de introduzir um novo paradigma da conflitualidade. Tivemos a guerra fria que implodiu com a Perestroika e a queda do Muro do Berlim; a guerra do Golfo Pérsico foi um outro marco tal como os atentados do 11 de Setembro de 2001. O que é importante assinalarmos é o facto destes episódios históricos gerarem efeitos no curso da própria história.

Obviamente, a nossa história está igualmente repleta de episódios desta envergadura. Por exemplo, a batalha de Ambuíla é um marco importante de conflitualidade envolvendo ao mesmo tempo o Reino do Congo, do Ndongo, os portugueses, os holandeses e até aos espanhóis, para além de relatos da presença de portugueses-brasileiros e americanos. É um marco ainda mais violento para a desagregação do Reino do Congo, quebrando as resistências autóctenes contra a invasão com ímpeto colonialista que se lhe sucedeu algum tempo depois do monopólio do comércio de escravos.
A guerra anti-colonial é um outro marco importante da nossa história e, com tudo o que a independência nos trouxe de um ponto de vista da autodeterminação, o conflito civil angolano teve também as suas ramificações internacionais tendo como pressuposto uma geopolítica internacional muito própria da região em que nos encontrávamos e onde o regime do apartheid na África do Sul não poderia ser humanamente tolerado.

Nesta senda, o gesto e o discurso de Agostinho Neto são de um alcance assinalável: "Na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul está a continuação da nossa luta”. Assim, para além de todo o apoio logístico, político e diplomático, é de todo importante assinalarmos o impacto geopolítico da Batalha do Cuito Cuanavale assim como os seus efeitos internamente.

Longe do discurso dos vencedores no terreno, a verdade é que os nossos irmãos que estiveram naquele campo de batalha acabaram por honrar a nossa independência e a liberdade daqueles povos pois, embora, como dizem os historiadores – o se não faz parte da História – a verdade é que um desfecho negativo teria consequências desastrosas. A África do Sul solidificaria a ocupação da região sob um silêncio da comunidade internacional que não a apoiando em público, também não lhe condenava. Há uma cena muito interessante na série da Netflix The Crown que retrata isso mesmo na conduta da então Primeira Ministra Margareth Tatcher.

Por isso, é cada vez mais urgente que se promova e se massifique o ensino da nossa história, dos factos e neste particular da História da guerra angolana. Um olhar como a própria ciência histórica, sem revanchismos e eivado, tanto quanto possível, de objectividade para que não tenhamos jovens que, ao desconhecerem a história, se permitem dizer publicamente dislates como esta frase que li num grupo do WhatsApp: "o feriado do 23 de Março não faz qualquer sentido”. Pasme-se!

As rádios, as televisões, os jornais e o sistema de ensino deveriam estar a promover uma maior divulgação da história do 23 de Março como da história da nossa guerra civil cujas consequências, embora pouco estudadas, continuam no nosso seio. Muitas vezes sem ser necessário tanto formalismo podemos obter esse resultado. Os norte-americanos são experts nisso, que hoje é um instrumento do seu softpower. Peças como o documentário de Amilcar Xavier difundido no dia 23 na Tv Zimbo – e que deveria ser seguido de um debate sobre o tema e não sobre o BNA como vimos suceder – ou ainda o documentário de Ernesto Bartolomeu, premiado pela cadeia de televisão norte-americana CNN Internacional deveriam estar a ser difundidos com aulas magnas em universidades, centros sociais e culturais, nas salas de cinema ou ainda com peças de teatro à volta do tema. Assim se perpetua a memória Histórica e evitam-se os erros do passado.

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