Opinião

A educação sexual da criança

José Luís Mendonça

Quarta-feira, dia 11 de Maio, a TV Zimbo passou no Fala Angola o triste acontecimento de uma adolescente de 14 anos, estuprada pelo próprio tio e queimada com um ferro de engomar pela própria tia.

15/05/2021  Última atualização 08H40
A menina já está grávida de alguns meses. Apesar de a tia a ter levado a um consultório informal, para tentar arrancar a semente do útero da sobrinha, o médico recusou o pedido porque poria em risco a vida da criança.

Da criança pouco mais se sabe, se estuda ou não, quais os seus sonhos e esperanças. Pela voz da adolescente, sentimos que é uma menina espantada com a vida. Nunca esperou que lhe acontecesse tal barbaridade. Ser engravidada pelo próprio tio, o pretenso segundo pai, e depois ser queimada como uma escrava do tempo colonial, com um ferro em brasa na barriga onde guarda o feto e no braço, deixando-lhe uma marca, um estigma para a vida. Ficámos com a sensação de que aquela menina de 14 anos não sabe nada sobre o aparelho reprodutor, não sabe nada sobre como se defender em caso de aliciamento sexual da parte de um adulto. Nunca ninguém lhe ensinou estas matérias essenciais para a vida. A mãe ensinou-a a lavar pratos e panelas, esfregar o chão, lavar e estender roupa, preparar refeições e tomar conta de crianças mais novas. Em casa, ensinaram-na a respeitar os mais velhos, aquilo que em direito da família se designa autoridade parental. É preciso rever este instituto. Esta autoridade tem de ter limites. E temos de ensinar esses limites às crianças.

Foi com a missão de tomar conta de crianças menores que a mãe dela a enviou à casa da tia. Hoje, a mãe está chateadíssima, está arrependidíssima de a ter mandado para casa da irmã. Mas já é tarde. Agora, o assunto é um caso de polícia. Agora, o assunto é um caso de vida. Uma vida feminina com um incidente gravíssimo pelo meio, na idade dos sonhos, a idade da escola e do aprendizado para a vida.

Toda essa desgraça aconteceu na vida daquela menina de 14 anos, por culpa única e exclusiva do tio. Mas os segundos culpados são os pais da menina. Na nossa tradição familiar, as adolescentes não são consideradas aptas a receber educação sobre o sexo. É tabu absoluto. Na cultura bacongo, as raparigas são introduzidas nesse género de educação aos 18, 20 anos. No geral, falar de sexo é pecado.

O resultado é que as nossas meninas e também os meninos andam à deriva no que toca ao conhecimento do próprio corpo. Muitas gravidezes precoces resultam do vazio de conhecimento sexual que meninas e rapazes carregam.

O ministério da Família poderia criar nos órgãos de informação um programa sobre educação sexual da criança. É urgente. É necessário. É urgente que os mais velhos, pais e encarregados de educação saibam dizer aos menores, pelas palavras do dicionário e da biologia, o que é a puberdade, para que serve o pénis e a vagina, para além da expulsão da urina, enfim, dizer claramente que, quando a menina menstrua pode ficar grávida se tiver relações livres ou forçadas e, quando o rapaz começa a ejacular esperma, pode originar um bebé no útero de uma rapariga fértil.

Depois dessas primeiras lições, devemos explicar às meninas como distinguir o simples afecto familiar e a obediência à autoridade parental, do assédio sexual. É absolutamente necessário e urgente que se eduquem as meninas nas técnicas e estratégias de fuga, de alerta aos vizinhos e familiares ou amigos, quando um tio ou padrasto começa a fazer ameaças de morte, caso ela se queixe sobre as investidas desse mais velho. Um número alternativo de contacto da polícia também seria eficaz. Em cada bairro poderia ser constituído um conselho de mais velhas indicadas para receber as queixas e denúncias de meninas assediadas sexualmente, seja por adultos ou os próprios adolescentes. E nas escolas, os professores também podem exercer esse papel.

O aumento de casos de estupro e violação de menores por familiares adultos nos lares é preocupante. O Executivo não pode ficar de olhos fechados perante este ultraje da nossa infância por parte de alguns adultos depravados, possessos do demónio até à glande. O violador sexual daquela menina deve ser levado a tribunal com urgência para servir de exemplo. São raros os casos como estes tratados pelos órgãos de justiça no nosso país. Se os violadores são o sustento da casa e não podem ser presos, então que o tribunal determine outra pena correspondente, mas não podem estes sujeitos ficar impunes. A tia que a queimou também deve ser imediatamente julgada pelo crime de ofensas corporais graves.

Temos de fazer alguma coisa pelas nossas meninas ameaçadas, violadas sexualmente, marcadas com o ferro em brasa do estigma social, desiludidas quanto ao papel da autoridade parental. Temos de travar esta vergonha nacional. Imediatamente.

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