Opinião

A ética como palavra de ordem

Filipe Zau |*

Músico e Compositor

Nos primeiros anos do século XX, Durkheim, fundador da primeira cátedra de Educação e Sociologia da Sorbonne, ao escrever para a sociedade do seu tempo, definia a educação como sendo um processo unilinear de preparação das novas gerações pelas mais antigas para o exercício de papéis sociais: “uma acção exercida pelas gerações adultas sobre as que ainda não se encontram amadurecidas para a vida social.

19/05/2021  Última atualização 06H15
 Ela tem por objectivo suscitar e desenvolver na criança um certo número de condições físicas, intelectuais e morais que dela reclamam, seja a sociedade política, no seu conjunto, seja o meio especial a que ela se destina particularmente”. A propósito desta definição de Durkheim, o sociólogo Hermano Carmo chama a atenção para o facto de a mesma excluir as faixas etárias adultas dos grupos de aprendentes, bem como as que normalmente são abrangidas pelo ensino superior. Mas, nas sociedades africanas, o respeito que é exigido às gerações mais jovens em relação às gerações mais idosas, enquadra-se, perfeitamente, nesta definição do sociólogo francês, Èmile Durkheim.

As sociedades encontram-se estruturadas em função de códigos sociais e interagem em função dos seus membros a partir de costumes, princípios, regras, formas de ser, que podem estar ou não fixadas em leis escritas. Por conseguinte, não há, nem pode haver, uma "educação universal”, que sirva para toda e qualquer pessoa, independentemente do contexto sócio-cultural em que ela estiver inserida. O que existe de universal, é a ética do ser humano, inseparável da prática educativa e que foi assim explicitada por Paulo Freire, na sua obra «Pedagogia da Autonomia»:

" (…) [a] ética que condena a exploração da força de trabalho do ser humano, que condena acusar por ouvir dizer, afirmar que alguém falou A sabendo que foi dito B, falsear a verdade, iludir o incauto, golpear o fraco e indefeso, soterrar o sonho e a utopia, prometer sabendo que não cumprirá a promessa, testemunhar mentirosamente, falar mal dos outros pelo gosto de falar mal. A ética de que falo é a que se sabe traída e negada nos comportamentos grosseiramente imorais como na perversão hipócrita da ‘pureza’ em ‘puritanismo’. A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de género, de classe. É por essa ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com adultos, que deveremos lutar. E a melhor maneira de por ela lutar é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, aos educandos em nossas relações com eles”.

Curiosamente, preocupações de natureza ética foram recentemente referidas pelo deputado David Mendes, na TV Zimbo, que, dentre outros aspectos, referiu, de forma corajosa e com a autoridade de "mais velho”, o seguinte: "(…) Temos ódio aos competentes e aos que tentam trabalhar. Se algum líder, mesmo do nível comunal, começar a mostrar trabalho, começam as críticas, as lutas e o desgaste psicológico. Tanto os chefes hierárquicos, como os subordinados, não gostam de líderes competentes porque estes procuram pôr ordem, afastam os parasitas, não promovem medíocres e não querem ter gente ‘oca’ por perto. Logo, são combatidos, alguns até à morte (…)”. 

O modo como os homens se organizam para produzir os bens de que necessitam; a ordem social que constroem para conviver; a forma como estruturam a sua própria sociedade…; resulta do reportório de ideias e do conjunto de normas, que fazem com que uma determinada sociedade se possa reger de acordo com a sua própria dinâmica. Mas sem ética, sem urbanidade, sem deontologia, sem respeito, com golpes baixos, traiçoeiros e dissimulados, alguns deles resultantes de problemas pessoais mal resolvidos..., com este tipo de comportamentos deploráveis acaba-se por se perder o norte e, depois, como diria Sèneca, "não há ventos favoráveis quando não se conhecem os rumos”.

Há um texto, de um autor anónimo, que nas minhas aulas e em algumas conferências gosto de apresentar, dado o seu efeito reflexivo e motivador, que diz o seguinte: "A diferença entre os países pobres e ricos não está na idade dos mesmos. Há países como a Índia e o Egipto que têm mais de 2000 anos e são pobres. No entanto, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, que há 150 anos eram inexpressivos, hoje são países desenvolvidos e ricos. A diferença entre países pobres e ricos não reside também nos recursos disponíveis. O Japão possui um território limitado em recursos naturais, é 80% montanhoso, inadequado para a agricultura e para a criação de gado, mas é a segunda economia mundial. Este país assemelha-se a uma grande fábrica flutuante, importando matéria-prima de todo o mundo e exportando produtos manufacturados. Outro exemplo é a Suíça, que não planta cacau, mas tem o melhor chocolate do mundo. No seu pequeno território criam-se animais e cultiva-se o solo durante apenas quatro meses ao ano. Não obstante, lá fabricam-se lacticínios da melhor qualidade. É realmente um país pequeno, mas passa uma imagem de segurança, ordem e trabalho, que a transformou na caixa forte do Mundo. A diferença também não está na inteligência dos países ricos, já que estudantes dos países pobres que emigram para estes países conseguem resultados excelentes na sua formação. Por outro lado, executivos de países ricos que se relacionam com os seus pares dos países pobres, mostram que não há diferença intelectual significativa. A "raça” ou a cor da pele também não são importantes. Imigrantes rotulados de preguiçosos nos seus países de origem são força produtiva em países europeus ricos. Onde está afinal a diferença? A diferença está na atitude das pessoas, moldada durante anos pela educação e pela cultura.


 Ao analisarmos a conduta das pessoas nos países ricos e desenvolvidos, constatamos que a grande maioria segue os seguintes princípios de vida: a moral como princípio básico; a integridade; a responsabilidade; o respeito às leis e regulamentos; o respeito pelos demais cidadãos; o amor ao trabalho; o esforço pela poupança e pelo investimento; o desejo de superação permanente; a assiduidade e a pontualidade; a ordem e a limpeza. Nos países pobres apenas uma minoria na sua vida diária, segue esses princípios básicos. Logo, [nós africanos] não somos pobres porque nos faltam recursos naturais ou porque a natureza foi cruel connosco. Somos pobres porque nos falta atitude. Falta-nos vontade para cumprir e ensinar esses princípios de funcionamento das sociedades desenvolvidas (…). Reflicta sobre isso e se possível aja!”
* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais

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