Opinião

A importância das comissões de moradores

Archer Mangueira |*

A minha experiência mais recente de governo de proximidade, nas funções de governador provincial do Namibe, tem-me despertado ainda mais para a importância do trabalho voluntário, em particular aquele que se espera das comissões de moradores. É esta reflexão que pretendo partilhar neste artigo.

30/01/2021  Última atualização 08H10
Para uma maior simplificação, vou partir da teoria das "janelas partidas”, que nos anos 80 e 90 abriu um debate sobre políticas sociais,  de segurança pública e serviu de base a políticas de policiamento em várias cidades dos Estados Unidos, particularmente no estado de Nova Jérsia e, mais tarde, em Nova Iorque.

O que nos diz a teoria das "janelas partidas” – proposta por James Q. Wilson e George Kelling em artigo publicado na revista "The Atlantic”, em Março de 1982 – é que aos primeiros sinais de desordem, as coisas podem começar a ficar fora de controlo. Sinais como uma janela partida ou outras marcas visíveis de desordem ou decadência – podemos pensar no lixo acumulado, pichagens, vadiagem, prostituição ou consumo de drogas – podem enviar a mensagem de que um bairro não é cuidado.

Esta teoria foi, entretanto, objecto de estudo por politólogos e criminologistas, que particularizaram dois tipos de desordem. A primeira é a desordem física, caracterizada por edifícios vazios, janelas partidas, veículos abandonados e terrenos ociosos e cheios de lixo. O segundo tipo é a desordem social, que é tipificada por mendicidade agressiva, vizinhos barulhentos e grupos de jovens que vagueiam ou se reúnem nas esquinas.A sua aplicação às práticas policiais é controversa, porque a linha entre o crime e a desordem é muitas vezes desfocada e porque a repressão social não resolve, de per si, a fome e a desigualdade. É muito mais simples atacar a desordem do que atacar males sociais tão confrangedores como a pobreza e a educação inadequada.

Mas não há dúvida – quase todos os estudos desencadeados pela teoria das "janelas partidas” o demonstraram – de que os dois tipos de desordem identificados contribuem para aumentar o medo entre os cidadãos. E essa correlação entre a desordem e o medo tem consequências nefastas.De facto, o medo aumenta o desejo de uma pessoa abandonar comunidades desordenadas e de se mudar para ambientes mais hospitaleiros. Mas esta opção está disponível apenas para a classe média, que pode dar-se ao luxo de se mudar, o que é vedado aos pobres, que têm menos escolhas. Se a classe média sair e os pobres ficarem, é inevitável que o bairro fique economicamente (ainda mais) desfavorecido.É por isso que o trabalho voluntário – exercido sob diversas formas, em particular pelas  comissões de  moradores – tem uma importância tão grande, especialmente numa sociedade como a nossa, onde persistem as fracturas e necessidades de vária ordem próprias de uma economia em desenvolvimento. Isto, naturalmente, sem prejuízo do papel que cabe aos governos e às administrações.

O trabalho voluntário – que a Organização Mundial do Trabalho define como actividade sem ganho financeiro, realizada por livre-arbítrio e que gera benefícios para terceiros – é indispensável para a construção e manutenção da coesão comunitária.Assim o demonstra a experiência recente de prevenção e combate à pandemia de Covid-19, em que brigadas de voluntários, com grande mobilização dos jovens, têm levado informação e meios de protecção a todas as comunidades, incluindo as mais isoladas.

Quanto às comissões de moradores, estas podem ter um largo âmbito de acção, como está previsto e definido na Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento das  Comissões de  Moradores (Lei 7/16, de 1 de Julho) e no Decreto Presidencial n.º 158/19, de 17 de Maio, que a regulamenta.Conhecermo-nos e ajudarmo-nos mutuamente ao nível da nossa rua e do nosso bairro é meio caminho andado para zelar pela paz e pela ordem no local onde vivemos. Está nas nossas mãos aprofundar esse espírito de entreajuda no apoio aos mais velhos, à infância e aos mais carenciados, na reparação e construção de casas e na partilha do cultivo de terrenos, no cuidado dos espaços públicos, na preservação ambiental, arborização, higiene e limpeza, no apoio à escolaridade, na promoção cívica, científica e de actividades culturais.

Esse trabalho comunitário está apenas limitado pela vontade e pela imaginação de quem nele participar. É, por isso, legítimo esperar de cada Comissão de Moradores que transforme de modo muito visível e relativamente rápido o meio físico, social e económico da sua comunidade.Uma Comissão de Moradores activa e vigilante segundo estes princípios será sempre um forte aliado das administrações e das autarquias locais, até porque pode elevar o nível de exigência do trabalho que destas se deve esperar e tornar social e economicamente mais eficiente a utilização de todos os recursos existentes. * Governador Provincial do Namibe

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Opinião