Opinião

A menina do Sekele que “satirou” de um prédio abaixo e morreu

José Luís Mendonça

Há umas bolachas de água e sal tão saborosas e baratas que só os mamadus é que as vendem. Não digo aqui a marca, para não atrair as moscas. Essa bolacha quadrada é tão apetitosa que quando você começa lhe comer, acaba todo o pacote. Viciam. E são baratas, agora que um pacote de bolacha Maria chega a custar quase dois mil kwanzas.

10/04/2021  Última atualização 06H05
Ora, se a bolacha vicia um adulto, como não vicia na boca de uma criança? As crianças adoram comer bolachas. Você dá um pedaço de bolacha a um petiz de seis, sete meses, e é ver o candengue a chupar o que tem na mão com tal sofreguidão que você esquece a recomendação médica de não dar farináceos aos bebés.Estou aqui a puxar-vos conversa através da bolacha por uma simples razão. Estou a comer a tal bolacha saborosa, enquanto escrevo. E quero dizer-vos, através da bolacha, as coisas que as crianças mais gostam:1- Comer bolacha Maria ou água e sal;2 - Brincar em baloiços, escorregas, subir aos cajueiros e mangueiras quando a fruta está bem docinha, jogar zero-zero, semalha, bola, corridas, eu sei lá, brincar, brincar, brincar. Aprendi que as crianças nasceram para brincar;3 - Rir até mais não;4 - Tomar banho na chuva ou em qualquer concavidade natural onde se acumula água;5 - Receber abraços, beijos, roupa nova e calçado fixe;6 - Sentar em qualquer sítio e falar com os pais ou educadores lá em casa.Me dirão, ó Mendonça, não incluíste a escola. Atenção, a criança não nasce já gostando da escola, como gosta de brincar. Quando Deus criou o homem onde é que o pôs? A estudar? A trabalhar? Não. Pôs-nos no enorme jardim do Éden com muita fruta e animais que não nos mordiam. Só fomos de lá expulsos, por causa de uma cobra. E foi então que nos vimos até hoje a estudar, a cavar, a construir máquinas, a fazer um montão de produtos de consumo que agora nos estão a levar ao fim do planeta Terra. Não era melhor termos ficado ali sentadinhos debaixo da árvore do conhecimento do bem e do mal (a escola) sem lhe comer o fruto proibido. Ao comermos o fruto do conhecimento, criamos a ciência e estamos a incendiar a natureza (o jardim do Éden).Bom, vamos ao que nos trouxe aqui: as bolachas. Estou a comer bolachas de água e sal, quando me entra uma notícia pelo Facebook, o nosso jornal repentino à mão de semear: "Menina de 14 anos atira-se do sétimo andar de edifício no Sekele. Tem morte instantânea.” Depois leio que a menina, antes da extrema decisão infantil, teve uma altercação com a mãe.Porque é que essa mãe não sentou, não abraçou a menina, não conversou com ela? Tudo seria tão natural. Ela obedecer-lhe-ia sem makas. Mas não. Ralhamos com os nossos filhos.Criança gosta de carinho, abraço, sorriso. Criança obedece, quando recebe amor. E, queridas mães, não é só a menina que tem de lavar panelas e pratos, cozinhar, engomar, acender o carvão, limpar o chão, ir às compras. O rapaz, o irmão lá em casa, pode e deve fazer todos esses trabalhos. Há que repartir os trabalhos de termos sido expulsos do jardim do Éden (o útero materno).Paro de comer as bolachas. Estas bolachas deviam ser comidas por essa menina de 14 anos. Pego no pacote e quando sair de casa vou oferecê-lo àquele miúdo que me espera sempre no portão, pensando que eu sou boss e me chama, boss, boss, dá só comida, tenho fome.Porque aquela menina de 14 anos que "satirou” do prédio no Sekele já não pode comer bolachas.

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