Cultura

“A música paga-me muito bem”

Francisco Pedro

Jornalista

Fazer música é um exercício de muito trabalho, muitas vezes desgastante, afirmou Afrikkanitha, uma das vozes angolanas que há largos anos patenteia o seu percurso no estilo Jazz.

09/05/2021  Última atualização 14H28
Africanita © Fotografia por: DR
No mês passado, em que o mundo comemorou, a 30 de Abril, o Dia Internacional do Jazz, Afrikkanitha fez um concerto de apresentação do seu mais recente disco, "The Soul Music of Angola”, na Casa das Artes, em Talatona. Embora a apresentação do disco tenha ocorrido no mês do Jazz, trata-se de coincidência, porque a autora previa fazê-lo a 28 de Março. Ela continua a fazer do Jazz o seu género de eleição.

"A minha paixão é o Jazz, amo tanto o Jazz que me sinto obrigada a fazer Jazz”, disse a cantora dias antes do concerto de apresentação de "The Soul Music of Angola”, realçando que o artista é livre e que é salutar, num concerto de música angolana, interpretar Ella Fitzgerald ou Sara Vaughan, porque o artista tem de ser livre e "nada de condenações”.
Para a cantora, é muito rica a simbiose em palco, a fusão é uma das melhores coisas que vive enquanto intérprete, justificando ainda ao dizer que a vida está em constantes mutações.

Criticou o facto de, algumas vezes, a sociedade criticar negativamente um artista que está habituado a interpretar Soul ou Kizomba e de repente aparece a cantar outro género, ao ponto de ser aconselhado para não fazer outro género musical.
Reconheceu que os colegas que fazem Jazz estão no bom caminho, têm tido o cuidado de estudar, pesquisar, o que é bom. Já acerca do público consumidor, disse: "eu vendo os meus discos, os meus colegas também vendem”.

Em relação à nomenclatura "Afro-Jazz”, é de opinião que o termo surge na sequência de artistas africanos interpretarem Jazz ou produzirem esse género em que sobressaem instrumentos tradicionais africanos. Acrescentou que o conceito "Afro-Jazz” advém da presença de instrumentos africanos na música Jazz, porque no Jazz é permitido tudo, é o género em que ocorre maior fusão, permite fundir tudo, e lembrou os feitos do percussionista etíope Mulatu Astatke, a quem Afrikkanita admira muito.

"... mas ainda não vivo da arte”
Tem sido bem paga, enquanto artista, mas a falta de espectáculos regulares impede-a de viver da arte musical.
A música "paga-me bem, mas não vivo ainda do trabalho artístico por ser uma acção inconstante. Mesmo sendo bem paga, infelizmente não consigo viver só da música”.

Exclui todas as formas de trabalho comercial, aliás, o rótulo comercial não faz parte do seu dicionário enquanto artista, pois, no seu entender, banaliza a criatividade. A sua maior preocupação estética prende-se com a produção de obras que sirvam de documentos para estudos, pesquisas. "É assim que eu trabalho”, disse.  "Como é que eu posso acentuar a minha identidade?... aqui o artista cresce e não tem direcção, daí, o que faço hoje é, também, uma forma de prevenir os que nos irão suceder”.

Sonho
Umas das pretensões de Afrikkanitha prende-se com a elaboração dos textos para serem musicados. Sentir-se-ia mais à vontade se tivesse alguém a escrever com rigor os textos, tal como procedeu Ruy Mingas no início da sua carreira, em que musicou poemas de António Jacinto, Agostinho Neto, Ernesto Lara Filho, entre outros gigantes da poesia angolana. "Gostaria de ter alguém que escrevesse, e eu me prenderia mais em musicar e interpretar”, realçou.

O disco, de acordo com a autora, era o que faltava no seu currículo. Sobre os direitos autorais, já que as letras e composições pertencem aos músicos "kotas” que ela muito admira, disse que não foi difícil ajustar os créditos com a Sociedade Angolana dos Direitos de Autor (Sadia), que foi flexível.

Seria impensável gravar "The Soul Music of Angola” com músicos americanos, porque, argumentou Afrikkanita, é melhor os artistas "do meu país” para produzir ou acompanhar a linha melódica de uma obra essencialmente angolana.
Reconheceu os dotes do percussionista Yosmani, de nacionalidade cubana, tendo feito uma nota de realce por integrar o leque de artistas "que tocam tão bem o semba”.

"Eu não sei se os americanos sentem a nossa música tal como nós”, questionou, tendo admitido que a motivação para a produção do CD surgiu de uma dívida pessoal.
Sustentou que o disco reflecte a essência da música angolana, nada foi inventado, em que a cantora reproduz o que os seus autores produziram como o primário da cultura musical angolana, que chama de  "a nossa música”, daí a razão do título "The Soul Music of Angola”.
Afrikkanita mostrou-se satisfeita com o espectáculo ao ponto de o considerar de "maravilhoso, foi além das minhas expectativas”.

A maioria das canções são interpretadas em Kimbundu, desde "Monangambé”, letra de António Jacinto e música de Ruy Mingas, passando por "Undengue Uami”, de David Zé, "Nguxi” e "Suzana”,  ambas do agrupamento N’Gola Ritmos, na voz da emblemática Belita Palma.
Num timbre de voz longe do Jazz, Afrikkanita canta ainda "Kialumingo” de Urbano de Castro, "Belita” de Artur Adriano, "Teresa Ana” de Waldemar Bastos, "Funge de Domingo” de Teta Lando e "Maximbombo”, dos Kiezos.

Artista versátil
Quando tem pela frente um desafio artístico, a cantora assume o comando  do projecto, seja para a produção de um disco ou concerto, convida várias pessoas para assegurar o trabalho, já que não dispõe de um "manager” ou equipa permanente de produção.

Além da parte criativa, trata das questões administrativas, de divulgação e marketing, e muito mais. "Faço tudo sozinha, aqui no país, prefiro eu pôr a mão”, isso porque, na sua óptica, quase não existem profissionais angolanos cumpridores da sua palavra: "A arte é algo muito sério!”, realçou.

Afrikkanita descobriu a seriedade da arte logo desde o início, quando decidiu seguir uma carreira artística, mais exactamente no momento em que começou a produzir sozinha, aquando do lançamento do primeiro single, "Kebrando o Silêncio”.


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