Opinião

A nossa pobreza é mental

Adebayo Vunge

Jornalista

Por iniciativa da LAC, especialmente do jornalista José Rodrigues, tivemos a felicidade de acompanhar, em diversos meios de comunicação social, para além da própria rádio LAC, a série de reportagens “Andar o País”, que nos deixaram globalmente entre a esperança e o desânimo.

05/04/2021  Última atualização 08H47
A esperança porque nota-se no pulsar das gentes que muita coisa está a acontecer, especialmente ao nível da agricultura. Ao mesmo tempo, o desânimo plasmado na fotografia de uma anciã, retratada pelas lentes do nosso Quintilhano dos Santos e publicada numa edição recente do Novo Jornal. O desânimo é ainda maior porque o espectro da fome se espalha, tendo como sinal mais evidente as crianças que deambulam pelas cidades, sem esperanças e nem receios da Covid-19, na esperança de conseguir um 100 ou um pão.

Esse cenário é muito conhecido em Luanda e ganha cada dia maior visibilidade não obstante os esforços de Sérgio Luther Rescova há sensivelmente um ano quando retirou das suas ruas as pessoas vulneráveis a troco de assistência. Nas ruas de Luanda são elevados os pontos onde nos cruzamos com pessoas necessitadas, principalmente crianças, estando mais presentes as portas dos supermercados, para além dos principais cruzamentos e avenidas. Outras preferem circular por algumas zonas habitacionais batendo as portas dos moradores para apelar à sua sensibilidade e pedir um quilo de arroz, um pacote de massa, frango, peixe, carne, o que for possível para acudir a sua fome e dos seus parentes. Situação mais humilhante é dos catadores de lixo, em muitos casos crianças, que fazem o seu "repasto” algumas vezes naquele ponto, ignorando todos os riscos, apenas movidos pela ânsia de saciar a fome.

Esse espectro é também notório em outras regiões. A Igreja Católica tem vindo a reportar situações difíceis, de sofrimento especialmente no Sul de Angola onde a escassez de chuvas tem sido um verdadeiro problema. Na verdade, especialmente na Huíla e Cunene, é recorrente. Há muito tempo que falamos nela e há muito tempo que existem soluções para a região, falando-se em desvios de alguns rios, construção de barragens, entre outras, com impacto enorme na resolução ou mitigação do problema. O que não se percebe é por que não as implementamos.

Mas o que me deixa verdadeiramente preocupado é a sensação de passividade, principalmente dos municípios. Não estando em período de expansão económica, a verdade é que o Executivo central tem vindo a disponibilizar recursos para apoiar o combate à pobreza, para além de outros, e não se percebe a relação de causa e efeito da utilização destes recursos na criação de condições para atender os segmentos mais vulneráveis da população no tocante aos episódios de fome com que nos deparamos. Não são suficientes, mas não vejo centros municipais para atender os sem abrigo, dando-lhes ao menos uma sopa de feijão ou um caldo diariamente, um banho e um colchão para encostarem o corpo em descanso.

Se a estagnação económica já nos estava a criar sérios problemas, o quadro torna-se severamente pior depois dos efeitos da pandemia que gerou um arrefecimento ainda maior da actividade económica. Diante disso, é incontornável que fosse ocorrer um agravamento das desigualdades e o que é pior da pobreza. Os mais ricos não ressentem o problema, pelo contrário, os grupos populacionais que se encontram na base da pirâmide estão a pagar o ónus dessa crise, que para alguns está a gerar uma destruição da chamada classe média que estávamos a construir, independentemente do como e dos seus fundamentos.

Engraçado, o intelectual canadense Steven Pinker no seu best-seller «O iluminismo Agora» não poderia ser mais lapidar: "A desigualdade é diabolicamente difícil de analisar”, advertindo ao mesmo tempo para os riscos do que chama de "retórica distópica” que tende a atirar-se de forma falaciosa contra os mais ricos da sociedade ou contra a distribuição do bolo.

Em sociedades como a nossa, que experimenta um boom demográfico e de recursos naturais em abundância, é muito importante trabalhar o tema da confiança, do rendimento, da meritocracia e da educação como verdadeiros elevadores da mobilidade social. Mas se é verdade que no capitalismo o indivíduo sobrepõe-se ao colectivo, imagine-se o que será num sistema de capitalismo selvagem. Numa altura em que vivemos a Páscoa e para os cristãos a ressurreição de Jesus é a sua disponibilidade em servir os outros, em entregar a sua vida pelos outros.

A esfera das políticas públicas é ainda absolutamente vital na medida em que é ao nível da base que estamos a claudicar:
A formação integral do chamado homem-novo, ou seja, precisamos de prestar absoluta atenção às pessoas – no planeamento familiar e na educação sobre a sexualidade para que não tenhamos jovens com menos de 30 anos e mais de dez filhos sem ter o devido sustento; educar as pessoas sobre o valor da boa nutrição sendo que o tortulho tem tanto valor nutricional como um bife, por exemplo; educar as pessoas para que percebam que vendendo e convivendo com o lixo estão a assinar uma sentença; levar as pessoas a acreditarem no valor e o poder de uma árvore – e se tiver um fruto ainda melhor; levar as pessoas a valorizarem o potencial da inovação e do conhecimento; as pessoas a perceberem o valor do dinheiro num sistema financeiro que seja minimamente eficiente sendo que não faz mais sentido termos uma vendedora do trinta, movimentando milhões de kwanzas por ano e tudo isso fora do circuito bancário.
O que mais constrange, portanto, é que a nossa pobreza é mental!

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