Reportagem

A Trajectória de uma jovem mulher no mundo da Matemática

Alexa Sonhi

Jornalista

Desde a adolescência, Cláudia Matoso despertou o gosto por disciplinas práticas, como Matemática, Física e Química. Aos 15 anos de idade, recebeu dos tios, com quem vivia em casa da avó materna, no distrito urbano do Rangel, em Luanda, a missão de ajudar os primos nas tarefas da escola.

02/03/2021  Última atualização 07H40
© Fotografia por: Eduardo Pedro | Edições Novembro
O empenho como explicadora ficou evidente com os resultados que os primos obtinham nos exames escolares. Assim, nascia um sonho: ser professora de Matemática. Com foco e determinação, Cláudia conseguiu, em 2008, realizar esse sonho, quando obteve a licenciatura em Matemática Aplicada pela Faculdade de Ciências da Universidade Agostinho Neto.  "Profissionalmente, não me vejo a fazer outra coisa, que não seja transmitir conhecimento nessa área", conta.

Até concluir a formação superior, a vida de Cláudia Matoso passou por várias fases. Desde muito jovem, perdeu os pais. órfã, ela e mais cinco irmãos chegaram à Luanda fugidos da guerra na província do Uíge. Passou fome e usou o mesmo par de sapatos durante um ano lectivo. O saco de plástico serviu de pasta para os cadernos escolares.
Longe de qualquer ilusão e ciente da sua condição, Cláudia manteve o foco nos estudos. Revela que se formar em Matemática não era a primeira opção. Inicialmente, sonhava ser engenheira de Telecomunicações, por isso, fez o curso no Instituto Médio de Telecomunicações de Luanda (ITEL).

"Tão logo terminei o curso médio, além da Faculdade de Ciências, decidi testar também na Faculdade de Engenharia da Universidade Agostinho Neto, onde aprovei, mas condicionada, ou seja, tinha de fazer o primeiro ano sem deixar cadeiras em atraso, caso contrário tinha de repetir tudo no ano seguinte", recorda.

Por uma questão de segurança, decidiu abandonar o curso de engenharia e apostar em Matemática. Aos 36 anos, ela se impôs e conquistou o seu lugar numa profissão exercida maioritariamente por homens. Hoje, é mestre em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto e uma das poucas professoras que lecciona as disciplinas de Geometria Analítica, Álgebra Linear e Cálculos Numéricos no Instituto Superior Politécnico de Tecnologias e Ciências (ISPTEC).
Ainda no ISPTEC, a professora é coordenadora das actividades extracurriculares dos estudantes finalistas e a única mulher no Departamento de Geociências da referida instituição do ensino superior.


"Mamã Cláudia"

Competente no desempenho das suas funções, Cláudia Matoso alia isso à qualidades como simpatia, humildade, paciência e bondade, principalmente, na sala de aulas, onde, ao invês de professora, é chamada de "mamã Cláudia" pelos estudantes.
No âmbito dessa relação maternal com os alunos, em caso de um tirar nota negativa na prova, a professora, com paciência, procura saber os motivos que estiveram na base do resultado e, de modo bondoso, dá conselhos que permitam ao estudante terminar a formação com excelentes notas.

"Tenho uma relação de mãe e filhos com os meus alunos. Na sala de aulas não ensino apenas Matemática, mas também dou conselhos de vida. Faço-os perceber que a Matemática não é um bicho de sete cabeças e que ela não é apenas aqueles números no quadro. Pode ser aplicada em qualquer esfera da vida", diz.
A seu jeito, conta, transformou a Matemática, até então considerada difícil de  aprender, na disciplina predilecta dos seus estudantes. À propósito, lembra o caso de um estudante que não gostava de Matemática, porque, segundo ele, nunca tinha encontrado um professor que lhe ensinasse a disciplina de uma forma fácil e simples.

Cláudia Matoso revela que, com paciência e compreensão, conseguiu influenciar aquele estudante a gostar de Matemática e o tornou num dos melhores desta disciplina na turma do segundo ano do curso de Engenharia de Produção Industrial.
"Por causa disso, esse aluno disse que nunca esquecerá de mim, nem que um dia fosse Presidente da República. Chorei de emoção ao ouvir isso. Por este reconhecimento, guardo esse aluno no meu coração, porque é animador saber que os meus estudantes reconhecem todo o esforço que faço para gostarem de Matemática", sublinha a professora.

Segundo Cláudia Matoso, a sua forma de ser e estar como docente despertou numa aluna, de 21 anos de idade, com quem trabalhou durante dois anos, o desejo de ser também professora de uma disciplina prática e granjear o mesmo respeito e consideração no seio dos alunos.

"Estou no ISPTEC por mérito próprio"

Desde 2014 a leccionar no ISPTEC, Cláudia Matoso afirma que ingressou naquela instituição do ensino superior por "mérito próprio", através de um concurso público de recrutamento de professores realizado naquele ano.
"O meu esposo avisou-me do concurso e, naquela altura, eu trabalhava num banco comercial, onde me sentia como um peixe fora da água. Estar ali não era o que eu queria, porque sempre gostei de ensinar. Sem pensar duas vezes, comprei a edição do Jornal de Angola, onde estava o anúncio e me inscrevi. Fiz todos os testes e fui seleccionada. E cá estou já lá vão sete anos", realça.  

O seu percurso como professora de Matemática no ISPTEC não foi um "mar de rosas". Devido à idade (tinha menos de 30 anos na altura), os estudantes, principalmente, os homens mais adultos, questionavam a sua competência e autoridade como docente da disciplina.
"Quando entrasse na sala de aula, eles recusavam-se a levantar. Tentavam intimidar-me. Eram mal comportados e faziam perguntas para testar os meus conhecimentos em Matemática, Álgebra Linear e Cálculos Numéricos, porque não acreditavam que uma mulher, com menos de 30 anos, seria capaz de ensinar-lhes algo que muitos considera(va)m um quebra-cabeça”, recorda. 

Cláudia conta que, com respeito, paciência e muita competência, conquistou a admiração dos estudantes. Hoje, sua capacidade profissional é reconhecida por outros professores e pela direcção da instituição.
Em relação aos seus colegas, assegura que a convivência é "muito boa”, pois nunca se sentiu discriminada por ser mulher. "Os colegas, muitas vezes, até esquecem que existe uma mulher no Departamento de Geociências do ISPTEC. o tratamento é igual para todos os docentes”, garante.


 A vida doméstica

Casada e mãe de três filhos menores, Cláudia Matoso tenta conciliar a vida profissional com os deveres domésticos. Por isso, tem a casa sempre organizada, esposo e filhos bem cuidados. Muitas vezes, é vista com a filha caçula às costas a preparar as aulas do dia seguinte. A ideia, segundo ela, é evitar chegar ao local de trabalho com desculpas de que não daria aulas naquele dia por causa da filha.  

"É uma situação que tento evitar ao maximo, para que as pessoas não tenham a justificação de deixarem de apostar em mim em detrimento dos homens, pelos simples facto de eu ser mãe", diz.
Como professora, verifica minuciosamente os cadernos dos filhos, quando regressam da escola, e ajuda-os a resolver as tarefas. Quando encontra algum exercício mal passado pelo professor do filho, Cláudia conta que se dirige à escola para reclamar e, se possível, ajuda o colega de profissão fazer as tarefas da forma certa. Cláudia Matoso reconhece que o mercado de trabalho está cada vez mais competitivo e, qualquer um que queira sobressair deve estar devidamente capacitado.  "Por isso, apelo às mulheres a trabalharem afincadamente para atingirem os seus objetivos. Precisamos ter foco e muita determinação para conseguirmos conquistar o nosso lugar.  Não basta gostar fazer, é preciso acreditar que somos capazes de fazer, porque se não acreditarmos em nós mesmas, as outras pessoas nunca irão acreditar", disse.



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