Sociedade

Académico pede valorização das danças de origem bantu

A valorização das danças bantu e pré-bantu passa por uma investigação mais profunda do actual património imaterial, defendeu, ontem, em Benguela, o académico Gociante Patissa, para quem é fundamental enaltecer a profundidade identitária destas.

09/05/2021  Última atualização 11H08
As melodias reflectem geralmente as dificuldades sociais que os cidadãos enfrentam no dia-a-dia © Fotografia por: DR
Actualmente, criticou, os jovens criadores se têm limitado a criar grupos da cidade, que replicam algumas das danças do interior da província em eventos festivos, inaugurações ou no Carnaval. "A questão da dança e da cultura popular, como tal, demanda políticas de Estado, no sentido não só da recolha mas também da compreensão antropológica da maioria destas”, defendeu.

Para o académico, é importante valorizar o mosaico etnolinguístico nacional, considerando como tal todas as sensibilidades culturais. "Temos de saber entre os Khoisans, por exemplo, quais são as manifestações culturais mais usadas em certos actos, como forma de evitar o desaparecimento de uma parte fundamental do vasto mosaico cultural angolano”, apelou.

Outro exemplo apontado por Gociante Patissa são os vahanya, povos que habitam a região de Catengue até Chongorói, incluindo o Cubal, Caimbambo e parte da Ganda, cujas danças de maior relevo são vistas em certas ocasiões, como no ritual de circuncisão, no nascimento de gémeos, ou quando evocam os deuses para que chova. "O essencial agora é estudar, a partir da raiz, com os anciãos que ainda existem, as aspirações e provérbios subjacentes à maioria destas danças”.

Iniciativas como o Festival Nacional de Cultura (Fenacult) precisam de ser mais valorizadas, para o académico, assim como considera importante a criação de políticas de incentivo, tipo bolsas de investigação cultural, aos pesquisadores residentes, de forma que estes estudem os instrumentos, as coreografias e os ensinem no sistema de ensino e as novas gerações possam se identificar com outras formas de cultura, "não apenas a de massas, como o kuduro, ou a kizomba”.
"As danças, no contexto matricial, não se dissociam da forma de ser e de estar de um todo. O risco que se corre não investindo na investigação para estudar a História e o contributo da dança na preservação de valores e até nos processos de libertação pode ter consequências internacionais no futuro”, frisou, apontando como exemplo deste fenómeno de usurpação a capoeira, que hoje é universal sob a bandeira brasileira, "quando afinal é originária de Angola e levado a outros países pelo tráfico de escravos”.


Variedades
A província de Benguela, contou Gociante Patissa, tem uma variedade de danças folclóricas locais, dentre as quais o destaque vai para olundongo, onyaco, ocipwete e ukongo. Muitas delas, disse, acabam por ser pouco valorizadas.
"É no campo da dança que as políticas culturais menos têm conseguido acertar, mantendo sobre elas um olhar de meras manifestações de animação de eventos, como no passado, na visão exótica colonial”, lamentou. 

Atento ao fenómeno cultural, Gociante Patissa adiantou que as danças folclóricas representam um conjunto de actos sociais, peculiares de cada região e em Benguela era usada em antigos rituais mágicos e religiosos.
"As danças consideradas folclóricas, um conceito discutível e para muitos académicos pejorativo, em virtude de estabelecer uma linha divisória entre o que é moderno (e oficializado) e o que é popular (no sentido de antiquado), representam na verdade uma forma de expressão e conexão espiritual de muitas sociedades africanas com os antepassados, a natureza e a projecção do universo”, explicou.

Anos 80
Para o narrador cultural Manuel Matias, a dança em Benguela atingiu o expoente máximo nos anos 80, com o surgimento de vários grupos e estilos, como tchipuete, ekoia, lundungo, sendeka, buluganga e chilombonde.
Na altura, contou, haviam palcos, também, para as músicas europeias e americanas. "Naquela época, com interesse de massificar e preservar a arte da dança, a direcção da Cultura da província muito apoiou e acompanhou os grupos, capacitando-os por via do trabalho de alguns activistas e dinamizadores da dança”, destacou.

Gigante
Entre os grupos de grande referência da província, os Bismas das Acácias são um dos gigantes locais adormecidos, que já efectuou digressões pela África e Europa, onde mostrou a grandeza do folclore nacional. Com um vasto repertório demonstraram, pelo talento e técnica de actuação ritmada com cânticos folclóricos, o valor da cultura angolana. Com a Covid-19, as exibições do grupo ficaram muito restritas, assim como dos 121 grupos de danças folclóricas e 33 modernos registados na província.


CUNENE
Desaparecimento de grupos preocupa direcção da Cultura

O resgate e preservação das danças folclóricas dos povos do Cunene foi defendida, ontem, em Ondjiva, pelo director provincial da Cultura, Juventude e Desportos, como parte fundamental do processo de valorização da identidade local, numa altura em que o desaparecimento de parte dos grupos de dança continua a ser muito acentuado.
Marcelino dos Santos informou que, dos 33 grupos de dança, na maioria tradicionais, registados nos últimos anos, hoje existem apenas menos de dez, dos quais se destacam o elalakano, edipo e ovatekulo vohamba, do município de Namacunde, o Ombembwa, de Ombadja, e o Ileni Mutale, de Ondjiva, onde predominam os estilos de dança elumba, efundula e  ondjando.

A diversificação e preservação das danças tradicionais, explicou, é um passo decisivo no processo de recuperação e valorização desta arte a nível local. "Em relação ao folclore estamos bem, em termos qualitativos, mas do ponto de vista quantitativo temos estado a registar uma redução acentuada, mais agravada ainda pela pandemia”, lamentou.
Actualmente, disse, está em curso um levantamento nos municípios sobre a real situação dos grupos de dança que ainda existem, tendo em atenção a realização da primeira edição do Festival Provincial de Dança Tradicional, entre os meses de Junho e Julho deste ano.

O festival, contou, tem categorias de adultos e infantis e vai ser realizado em duas fases, sendo a primeira municipal e a segunda provincial. Os grupos existentes, disse, têm estado a representar a província em várias actividades culturais nacionais e regionais.
Os grupos de dança de Ondjiva, revelou, têm se debatido com dificuldades de falta de recintos de espectáculos para as exibições, o que tem limitado de certo modo a afirmação no mercado local.
Domingos Calucipa | Ondjiva

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