Opinião

Afinal o que se passa entre a Rússia e a Ucrânia?

Faustino Henrique

Jornalista

A Rússia e Ucrânia são duas repúblicas independentes, saídas da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, com a primeira, hoje, como a herdeira dos activos, passivos e obrigações do antigo “império do mal”, como Ronald Reagan, presidente americano, se referia à ex-URSS.

24/04/2021  Última atualização 07H00
Nos últimos tempos, as relações bilaterais têm sido tensas, sobretudo por força da herança e legado da ex-URSS sobre as demais repúblicas, do Diktat russo nos últimos, do receio daquele último sobre a expansão da OTAN junto das suas fronteiras e a eventual necessidade de criação de zonas tampões.

Para a Ucrânia, uma das formas de confrontar o posicionamento musculado de Moscovo passa pela adesão urgente à União Europeia e à organização militar ocidental,  um processo que, caso se efectivasse há algum tempo, provavelmente a Rússia pensaria duas vezes antes de anexar a Crimeia, em 2014. Muitos círculos e parte significativa da sociedade civil ucraniana defendem uma maior aproximação ao Ocidente como contrapeso ao crescente Diktat russo, embora seja igualmente verdade a existência de uma porção significativa da sociedade ucraniana, sobretudo nas zonas russófonas, que prefere um alinhamento com Moscovo.

Os assuntos políticos internos da Ucrânia são muito influenciados por essa realidade dicotómica entre a aproximação ao Ocidente e a reaproximação à Rússia,  ao ponto do antigo Presidente  Victor Yanukovich ter sido deposto, por se ter recusado a assinar um acordo que levaria o país a aproximar-se à União Europeia e afastar-se da Comunidade dos Estados Independentes e da Rússia.
O actual Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, eleito em 2019, abertamente pró Ocidente, que, poucos dias após a eleição de Joe Biden como Presidente dos Estados Unidos, na primeira  das várias conversas ao telefone que o Chefe de Estado americano manteve com homólogos, o líder ucraniano questionou-lhe o seguinte: porque é que a Ucrânia não é aceite já na OTAN?

Numa altura em que os sectores pró russos na Ucrânia encontram-se agrupados nos territórios povoados com populações de expressão russa, ao longo da fronteira entre os dois países, as movimentações do país de Vladimir Putin visam criar zonas tampões ao longo da fronteira com um país que quer ingressar a todo o custo na OTAN. A anexação da Crimeia, um território ao que se sabe outrora pertença da Rússia, alegadamente entregue à Ucrânia em 1954, por Nikita Khrushchev, foi apenas um dos passos que a Rússia pode dar proporcionalmente aos desafios que uma eventual adesão completa à OTAN pode acarretar.

 Hoje, o que está em causa entre a Rússia e a Ucrânia é, por um lado, o processo de adesão da Ucrânia à OTAN, que a Rússia considera como uma espécie de linha vermelha, através da qual a Rússia sentir-se-á forçada a tomar contra-medidas. Por outro, a perspectiva da Ucrânia viver sob o espectro de invasão militar russa, da anexação de mais terras e de pressão permanente ao ponto de influenciar política, económica e militarmente, que apenas pode ser contrariada com uma adesão rápida à OTAN. Aqui o processo de adesão, tal como a pergunta levantada pelo líder da Ucrânia, quando questionou  Biden, encalha em dois factos, um  realístico e outro imaginário.

O processo de adesão à OTAN está depender mais de progressos por parte da Ucrânia, no cumprimento dos requisitos, nomeadamente democratização, sujeição dos militares a todos os níveis ao poder civil democraticamente eleito, a garantia do exercício pleno dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, sistema de justiça independente, imprensa livre. Esta realidade está longe de ser alcançada pela Ucrânia cuja marcha de adesão à OTAN anda tão lenta, provavelmente,  tanto quanto aconselha a prudência e o cálculo por parte dos decisores políticos ocidentais. 

Imaginariamente, este ponto da situação em que encalha a adesão formal da Ucrânia à OTAN está, pelo menos em termos hipotéticos, a servir como amortecedor em ambos os lados ao ponto de a Rússia refrear-se de passos mais bruscos e musculados, por um lado, e o Ocidente de gerir a actual situação em nome da paz e estabilidade na Europa.

"Que ninguém tenha a ideia de cruzar uma linha vermelha com a Rússia”, advertiu recentemente o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, para quem todas as movimentações no sentido de reforçar militarmente a Ucrânia e aprovar a adesão à OTAN poderá resvalar para um casus belli.

No fundo, e a Ucrânia precisa também de dar garantias, a herdeira da ex-URSS necessita de parar de interferir nos assuntos internos da Ucrânia, parar de pressionar aquele país independente, devolver a Crimeia à soberania ucraniana, deixar de incitar as populações russófonas da região de Donbass a rebelarem-se contra o Governo em Kyev e colocar de parte a ideia de uma zona tampão para travar a alegada expansão da OTAN a leste.

As garantias da Ucrânia, e aqui entra igualmente a União Europeia e os Estados Unidos, passam pelo adiamento do processo de adesão à OTAN, do estabelecimento de um pacto de não agressão ou um  acordo em matéria de paz e segurança que envolva limitação de forças ao longo da fronteira.

No fundo, o que a Rússia e a Ucrânia precisam uma da outra é de renovar a confiança, mudar a filosofia que até agora norteou o comportamento de ambos e os parceiros dos dois compreenderem que a paz e estabilidade resulta desta necessidade. 

Independentemente de existirem factores que não ajudam, em ambos os lados, não há duvidas de que as elites políticas na Ucrânia e na Rússia, deverão colocar os interesses da paz e estabilidade acima do actual contexto de confrontação política e militar, tendo em atenção os efeitos da refrega de 2014 que acabou por saldar-se em mais perdas que ganhos. Felizmente, a Rússia retirou já os homens e meios que realizaram manobras militares junto da fronteira russo-ucraniana, realidade que devia ser acompanhada de um recuo no fornecimento de armas por parte dos Estados Unidos.

O que se passa entre a Russia e Ucrânia pode ser resolvido por ambas as partes se os primeiros não forem atiçados pelos ucranianos russos que incitam para independência ou anexação à Rússia e se os últimos não forem instigados pela União Europeia e pelos Estados Unidos. 

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