Opinião

As lições da Covid-19 nos serviços públicos

Adebayo Vunge

Jornalista

Faltam-nos estudos para aferir, com exactidão, o que se terá passado entre nós, mas de uma maneira geral em relação ao continente africano.

15/03/2021  Última atualização 11H40
Há um ano, a Organização Mundial de Saúde mostrava-se exasperada com o que poderia suceder em África tendo em conta as fragilidades estruturais e a ausência de sistemas de saúde, na verdadeira acepção da palavra ou pelo menos como lhe conhecem os ocidentais, tendo como paradigma o britânico NHS.

Mas se as coisas correm-nos a preceito, em primeiro lugar deixo uma palavra de apreço e encorajamento público em particular à liderança do Ministério da Saúde que, contra tudo e todos foi firme nas medidas que deveríamos seguir e o tempo está a dar-lhe bastante razão. Isso não significa que alguns aspectos não tenham sido menos bem-sucedidos e pomo de alguma discórdia. Como diz o ditado, só não erra quem não trabalha. E acho bastante prudente que possamos socorrer-nos de um outro adágio: a César o que é de César. Por isso, é justo que olhemos de forma desapaixonada ao que se está a passar entre nós, comparando-nos ao que se passa com os nossos vizinhos, para não irmos tão longe.

É neste contexto que encaramos igual optimismo os números da vacinação. O mundo está em velocidade cruzeiro, numa corrida contra o tempo para vacinar o maior número de pessoas. Nos últimos dias falava-se em cerca de 350 milhões de vacinados, mas apenas 81% integralmente vacinados, o que corresponde a cerca de 1% da população mundial.

É impressionante a forma como a Administração Biden assumiu o tema e está a dar-lhe outra pujança. Por isso, os números da vacinação nos Estados Unidos da América andam à volta dos 105 milhões. Houve crush em alguns sistemas de cadastramento, mas nota-se uma administração empenhada em resolver o problema. As farmácias foram adicionadas à equação e o resultado está à vista de todos. No fundo, tal como o apelo de Lula da Silva ao Presidente Bolsonaro para que este se deixe vacinar, a verdade é que a estupidez anda no descampado.

Também aqui é ou foi importante que alguns líderes políticos aceitassem a exposição da sua vacinação como forma de conter os cépticos movidos pela teoria global da conspiração, muitas vezes apelidados de negacionistas, mas também os cegos que são movidos exclusivamente por agendas políticas. Nessa hora, como assinala um dos mais notáveis historiadores do nosso tempo, Yuval Noah Harari, num verbete publicado em vários jornais de referência mundial, nos últimos dias, "infelizmente, demasiados políticos não estiveram à altura dessa responsabilidade (…) A negligência e irresponsabilidade dos governos Trump e Bolsonaro resultaram em centenas de milhares de mortes evitáveis”.

Ora, a nossa realidade tem vindo a demonstrar exactamente o contrário. Quiçá conscientes das nossas fragilidades, o confinamento e as medidas de segurança ajudaram a atenuar os números. É verdade também que nos últimos dias temos sentido um grande relaxamento por parte das pessoas no cumprimento das medidas mínimas de segurança…

Contudo, não podemos deixar de referir o trabalho ao nível do Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19 que nos últimos dias tem vindo a "atacar” os grupos populacionais mais vulneráveis – pessoal da saúde, forças de defesa e segurança, idosos e cidadãos com as comorbilidades graves, numa primeira fase apenas em Luanda, mas é crível que tão logo haja um aumento dos stocks venhamos assistir a uma massificação do processo com vacinas também adquiridas com fundos próprios, ou seja, fundos do nosso Orçamento Geral do Estado.

As ajudas e a solidariedade internacional são importantes, mas é vital que o Estado angolano sinalize o seu engajamento em assegurar um serviço público de saúde mediante um investimento próprio. É lastimável que o "nacionalismo de vacinas” esteja a condicionar o avanço dos números da vacinação em muitos países africanos particularmente porque se encontram com dificuldades de aquisição de vacinas. De resto, é interessante o conceito do pré-registo para a vacina. O resultado poderia ser ainda mais preciso com a indicação da hora, local, mesa de atendimento, etc. Mas vale pelo começo. A tecnologia ao serviço dos sistemas trazem eficiência.

Continuo finalmente a insistir na necessidade de retirarmos lições da forma como gerimos a pandemia. Lições que nos permitam olhar outros aspectos da nossa vida a começar na própria saúde, passando pela justiça e outros serviços. Afinal, com base numa marcação de call-center ou reserva num web-site podemos receber melhores serviços, livres de enchentes que se regista nos postos para obtenção do Bilhete de Identidade ou da carta de condução e outro stress que dão azo às "gasosas”. O que nos falta para levarmos à sério as lições da Covid-19?

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