Opinião

As nossas pandemias

Luciano Rocha

Jornalista

A pandemia da Covid-19 não está sozinha nesta investida contra a vida humana, tem, desde sempre, aliados de força, todos mais antigos do que ela, como são, entre tantos, fanfarronice, egoísmo, ignorância e nepotismo.

07/01/2021  Última atualização 08H35
Ela, a pandemia, que, por si só, chegava e sobejava para virar, como virou e continua a fazê-lo, "o mundo de pernas para o ar”, havia de encontrar mais entraves à caminhada assassina se lhe faltasse o amparo de alguns daqueles aliados, como atestam fragilidades postas a descoberto em todos os continentes, onde se situam nações, tidas como as mais desenvolvidas, algumas delas duramente castigadas pelo vírus invisível.
O vírus invisível atacou, é verdade, Estados considerados, por muitos, exemplos de sociedades a seguir e disso continuam a fazer valer-se para se apresentarem como salvadores junto dos mais carentes de quadros e infra-estruturas capazes de lhes proporcionar o progresso eternamente adiado numa espécie de "pescadinha de rabo na boca”. E se tal sucedeu e sucede é exactamente porque em todos os países, mas principalmente nos subdesenvolvidos e considerados em desenvolvimento, sempre houve fanfarrões, egoístas, ignorantes, cultores de amiguismo e do nepotismos, corrupção e ladroagem de "colarinho banco” capazes de tudo para encher os bolsos sem trabalho. Que haja quem, em nome de qualquer nação, independentemente do tamanho geográfico e riqueza, sistema político e económico, a "atirar a primeira pedra” sem ver estilhaçado o próprio telhado.

Angola é, desde há décadas, vítima de toda aquela espécie de gente que, a dado momento, resolveu reunir-se em grupos ligados, com frequência, por laços de parentesco, mas, também, amigalhaços e pindéricos sem hábitos de trabalho dispostos a aceitarem cargos para os quais não estavam - não estão - minimamente preparados, que lhes permitia - continua a permitir - enriquecer e fazer outros enriquecer em negociatas de tudo o que tinham, têm, à mão. E numa prova de novo-riquismo bacoco não resistiram a mostrar-se e a mostrar os resultados do saque. Eles eram fatiotas encomendadas em costureiros estrangeiros de fama, carros e carrões, barcos de recreio, colecção de prédios, avionetas, casas de fim-de-semana em terrenos de camponeses passados de geração em geração, desvios de cursos de água, festins, banquetes por tudo e nada, com "convites” a transmissores de imagens, com crianças pobres, de barrigas grandes e olhos sem brilho, nem de lágrimas, enxotados das redondezas para os não envergonhar, a eles nascidos fora das cidades asfaltadas. 

Aquelas fortunas aplicadas, entre nós, nos sectores da saúde e educação tornavam, de certeza, a pandemia mais facilmente controlada. Do mesmo modo que era sem os fanfarrões que, desde o primeiro dia, desobedecem as regras decretadas para a tentar evitar. O mesmo se passa com as comemorações, na via pública, bem generosamente bebidas, ao som da música saída dos altifalantes de viaturas ou sentadas em quintais e corredores. Os transgressores das regras estendem-se a grupos de impunes. Mas, igualmente, àqueles que são obrigados a transgredir para sobreviverem. Dois exemplos: a quitandeira, que sai de casa antes do sol nascer e chega já ele desapareceu, para sustentar a criança que aconchega nas costas para equilibrar a bacia na cabeça entre filas de esperar transporte e as da via pública, formigueiro de anónimos a furar pela vida e o casal de jovens envergonhado que se aventura a sair de casa, quando outros dormem ou vêem televisão, para, encobertos pela escuridão dos candeeiros apagados, procurar no contentor de lixo um resto de comida. Também, a criança que adormece, com fome e medo, num vão de escada quase tão sujo como ele, sem água para lavar as mãos com sabão.As nossas tantas pandemias vão custar muito a vencer. 

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