Reportagem

Azancot de Menezes: Regresso do médico às origens

Gaspar Micolo

O oficial médico português José Manuel Azancot de Menezes Rodrigues, 30 anos, está a bordo do navio oceânico Setúbal. É bisneto de Ayres de Sacramento Menezes, neto de Hugo José Azancot de Menezes e filho de Aida de Menezes, todos médicos. O militar faz parte da quarta geração de clínicos que, por missão de serviço, descobre as suas raízes em São Tomé e Príncipe e em Angola

11/04/2021  Última atualização 06H33
José Azancot de Menezes Rodrigues ao lado da estátua do bisavô © Fotografia por: DR
Um navio da marinha portuguesa, denominado 'Setúbal', deve permanecer no mar angolano, entre 11 e 24 deste mês, para reforçar a participação de Angola na arquitectura de segurança marítima na região do Golfo da Guiné. A iniciativa consiste em empregar na costa ocidental africana meios navais em acções de cooperação no domínio da defesa, contribuindo assim para a materialização dos acordos de cooperação no âmbito da fiscalização, da vigilância cooperativa, da segurança marítima e ainda a realização de actividades científicas.

O capitão-de-fragata da marinha portuguesa Artur Jorge Martins Dias Marques é o comandante do navio oceânico Setúbal, que possui uma guarnição de 58 militares, onde se inclui uma equipa de abordagem, outra de mergulhadores, um oficial médico naval e ainda um aspirante a oficial da Escola Naval em estágio. O oficial médico chama-se José Manuel Azancot de Menezes Rodrigues, 30 anos. O militar, residente em Portugal, é bisneto de Ayres de Sacramento Menezes (1889 - 1946), primeiro médico negro em São Tomé e Príncipe e uma figura política proeminente no começo do século XX, no então arquipélago português. E ainda neto de Hugo José Azancot de Menezes (1928-2000), que, nascido em São Tomé e Príncipe, passa a viver desde a primeira infância em Angola, onde chega a ser uma figura de destaque na formação do MPLA.

Antes de pisar o solo angolano, o militar português José Manuel Azancot de Menezes Rodrigues, a bordo do navio patrulha Setúbal, esteve em São Tomé e Príncipe, de 4 a 8 de Abril, no quadro de actividades semelhantes no âmbito da iniciativa "Mar Aberto”, que pretende que os seus navios, juntamente com os da CPLP, ajudem e cooperem relativamente à segurança marítima na região do Golfo da Guiné.

O bisneto do médico são-tomense Ayres de Menezes, figura que emprestou o seu nome ao principal Hospital de São Tomé e Príncipe, pisou assim pela primeira vez o solo são-tomense no decorrer da missão portuguesa.
Falando à imprensa de São Tomé e Príncipe, José Manuel de Menezes mostrou-se bastante emocionado com o facto de ter pisado, pela primeira vez, a Pátria dos seus antepassados.

"Emociona-me e orgulha-me bastante saber que sou bisneto de uma figura lendária são-tomense e que emprestou o nome da nossa família ao principal Hospital de São Tomé e Príncipe”, referiu.
"Eu pretendo visitar o país em outras circunstâncias, ter mais tempo, inclusive, para me informar em pormenor, conhecer pessoas, sentir e viver o calor dos meus parentes e conhecer mais informações sobre o passado e a história da família Menezes”, acrescentou.

O bisavô de José Manuel de Menezes, Ayres de Sacramento Menezes, foi transferido compulsoriamente de São Tomé e Príncipe para Angola, na década de 1920, por actividades políticas relacionadas com a sua malograda tentativa de se candidatar a membro do Conselho Colonial de Indígenas daquela colónia. Viveu na Chibia, depois no Lubango, mas se deslocava amiúde a Luanda. Diz-se que, à época, era igualmente o único clínico negro em Angola, entretanto, muito apreciado pelos mais velhos, por ser tido como muito competente.

Um dos seus filhos, igualmente médico, Hugo Azancot de Menezes, segue-lhe as pegadas e dedica-se assim à medicina e às causas políticas. O avô do militar português José Manuel de Menezes foi um digno herdeiro da fibra política do progenitor. Fundou e foi dirigente da Casa dos Estudantes do Império e, a partir das suas acções no exterior, enquanto médico e político, contribuiu para a fundação do MPLA e integrou o seu quadro de militantes, com o estatuto de membro do Comité Director. A adesão, em 1974, ao grupo de contestação interna  do partido, denominada Revolta Activa, traz-lhe alguns dissabores. Entretanto, depois da Independência, requereu o vínculo da cidadania ao novo Estado e aceitou dirigir o Hospital Central de Luanda.

Contudo, além do percurso que parece seguir as trajectórias do seu bisavô e do seu avô, de São Tomé para Angola, o oficial médico português José Manuel de Menezes completa outra tradição da família: faz parte da quarta geração de clínicos, pois a mãe, que vive e trabalha em Luanda, exerce igualmente medicina. Por isso, chegar a Angola nessa missão, tal como em São Tomé e Príncipe, tem igualmente um significado especial.

"Pertenço à quarta geração de médicos na minha família, onde Ayres de Menezes foi o primeiro, seguindo-se Hugo de Menezes, a minha mãe Aida de Menezes”, lembra. "É com muito orgulho que pertenço a essa geração de médico e, quiçá, continuará na nossa família”,  diz o jovem militar de 30 anos, acrescentando estar agradecido por esta oportunidade de pisar o solo dos seus antepassados e conhecer as suas raízes.


Uma missão contra
a insegurança marítima

O navio Setúbal deve permanecer atracado no Porto de Luanda entre 12 e 19 deste mês e, de 20 a 24 de Abril, escalar o Porto do Lobito. Durante a sua permanência em Angola, a missão vai estar em Ambriz, província do Bengo, com o objectivo de realizar treinos e exercícios conjuntos entre o navio de guerra português e a brigada de fuzileiros navais da Marinha de Guerra Angolana.

"Além dos exercícios conjuntos entre as forças de fuzileiros de Portugal e Angola, terão lugar exercícios conjuntos de busca e salvamento, de vigilância e segurança marítima, em múltiplas vertentes, com embarques a bordo, que contribuirão para reforçar o treino e a afirmação do Estado angolano no mar e para a segurança marítima na região”, refere uma nota da Embaixada de Portugal em Luanda.

O navio, uma unidade "não combatente” vocacionada para "exercer funções de autoridade do Estado e a realizar tarefas de interesse público nas áreas de jurisdição ou responsabilidade nacional”,  tem uma guarnição de 58 militares, incluindo uma equipa de abordagem e uma equipa de mergulhadores.

Entretanto, além de Angola e de São Tomé e Príncipe, estas acções de cooperação desenvolvem-se nomeadamente com Cabo Verde, Nigéria, Costa do Marfim, Guiné-Bissau, Senegal e ainda com o Gana. Esta iniciativa, que Portugal tem efectuado desde 2008, pretende, com os seus meios navais, efectuar cooperação com as marinhas dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e outras marinhas de países também amigos na região, numa situação essencialmente de ajuda e cooperação, relativamente à segurança marítima na região do Golfo da Guiné, onde ocorrem cerca de 95% dos casos de insegurança marítima.

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