Opinião

Bacalhau que nunca acaba

José Luís Mendonça

A crónica deve ser curta e grossa. Curta em extensão e grossa em relevância temática. Ele há crónicas tão longas como aquele prato: Bacalhau que nunca acaba. E o leitor farta-se, é claro!

06/03/2021  Última atualização 12H05
Do mesmo modo, o artigo de opinião. Se a crónica, género minimalista, quando aumentada, não amamenta o nosso umbigo mediático, o que dizer do artigo de opinião? Melhor seria escrever um livro, um ensaio. Os média não são cátedras universitárias. Os jornais jamais serão aquilo em que muitos escribas de plantão os querem transformar, manuais de filosofia empírica ou de filosofia de caserna, com citações mal assimiladas ou desenquadradas na euforia de se mostrar cabelo pensante.

Voltando à delícia do Bacalhau que nunca acaba, dizia eu que o leitor farta-se, é claro! Por vezes, quando a mesa tem menos comensais do que os previstos, temos que pedir ao empregado de mesa uma marmita de alumínio para levar o pitéu restante. Uma crónica com uma lauda e mais umas cinco ou seis linhas a um espaço e corpo 12 já é suficiente para nos encher a vista. Por isso é que adoro ler as do Miguel Esteves Cardoso, bem coxitas como um pedaço de coco, a pedir por mais depois de degustadas. Há por aí cronistas e opinionistas que escrevem, escrevem, escrevem a dar com pau. O texto de mil milhas náuticas, neste género jornalístico, não é viável, digo-vos com toda a franqueza. E o leitor farta-se, é claro!

O que dizer dessas entrevistas que rolam para a página seguinte de um jornal? O entrevistador deve ser um malabarista com bastante acuidade cerebral, para não se deixar levar, nem pelo título académico nem pelo estatuto político do entrevistado. Deve fazer o entrevistado dar respostas breves e plausíveis, isto é, respostas que falem de coisas possíveis e razoáveis. É que, muitas vezes, no caso dos políticos, as respostas são um autêntico chorrilho de conceitos abstractos, uma elaboração metafísica sobre a situação que o leitor atento pára a meio e abandona o jornal. Vai à página dos classificados arejar a mente. O jornalista tem o dever de cortar aquilo que não interessa ao público, mas simplesmente ao ego do entrevistado e do seu partido político. E se essa entrevista estica por demais a corda do abstraccionismo conceitual e do bombardeio propagandístico, sem que o jornalista de serviço a volte a amarrar no ponto certo da estaca temática, a corda rebenta e há fios dispersos por todo o lado. Nesse ponto, já o leitor está farto, é claro! Anseia como nunca por um copo de quissângua bem gelado para afogar a sua decepção por ter comprado gato por lebre.

Talvez apenas o género da reportagem, o mais próximo da narrativa literária, noves fora a ficção, possa abarcar nas suas linhas uma mais vasta quinda de palavras, desde que não revire as mesmas espigas do celeiro. Há que manter o foco temático até ao clímax, tal como o romance de aventuras. E deixar a história se contar por si mesma, como ela aconteceu e não como alguém a recontou, porque, neste caso, entramos no domínio da literatura de ficção. Em extensão, a reportagem só pode ultrapassar uma página se o acontecimento central merece essa paisagem toda, isto é, se se verificaram, na sua órbita, factos e efeitos colaterais que com ele tenham uma relação de causa e efeito. Caso contrário, edite-se a peça pela regra da concisão. Senão, o leitor farta-se, é claro!

Podíamos ainda falar do jornalismo cultural, para dizer que uma recensão sobre pintura, deve ilustrar-se com, pelo menos, cinco imagens da exposição. Uma única imagem de um quadro do pintor, nada serve. O leitor tem que ver com os olhos aquilo que o jornalista descreve e confirmar que não é mera ficção laudatória. O mesmo diria da recensão de livros. Sem uma mostra de extractos da obra, é o mesmo que rezar o terço para um ateu. E o leitor se farta, é claro! Nem com o recurso ao take-away, ele engole o Bacalhau que nunca acaba!

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