Sociedade

Benguelense lutou pela vida e hoje voltou a estudar

Rui Ramos

Jornalista

Isaac Venâncio nasceu em 1987, no bairro da Calomanga, em Benguela, filho de pais naturais do Huambo.

16/05/2021  Última atualização 06H00
Isaac Venâncio © Fotografia por: Cedida
"Os meus pais tiveram de se mudar para Benguela em busca de melhores condições de vida, postos lá, e fruto de muito trabalho e dedicação, começaram a modificar as suas vidas”.
Os pais de Isaac Venâncio tiveram cinco filhos, ele é o último. O pai faleceu quando ele tinha dois meses. Então as coisas complicaram-se muito para a família e em particular para a mãe, que não tinha família em Benguela. "A família do pai desprezou-nos. A minha mãe disse-me que eles só estavam preocupados em receber a herança que o meu pai teria deixado”.

A mãe de Isaac Venâncio falou com o irmão para os ir buscar e levar para Malanje, tiveram de deixar tudo para trás e iniciar uma nova vida. O tio era camponês, como a irmã, então começaram logo a trabalhar no campo.
"Tudo corria bem mas quando menos esperávamos veio de novo a guerra, nós éramos do Huambo e os malanjinos que viviam próximo de nós invejam-nos por nós trabalharmos muito e prosperarmos. Fomos forçados a abandonar Malanje e voltar para Benguela.”

Isaac Venâncio já tinha quatro anos. "Nada encontrámos do que o meu pai havia construído com a esposa, os irmãos até da nossa própria casa se apoderaram, tivemos de dormir num pequeno quarto improvisado, que um primo da minha mãe disponibilizou”.
Como já tinha cinco anos, Isaac Venâncio foi matriculado na escola da Liga na Colomanga, junto do antigo Comando Municipal da Polícia.

A mãe começou a vender numa praça para dar sustento aos filhos, mas com a guerra veio a fome e muitas pessoas morreram. "A minha mãe ia todas as madrugadas para as praias comprar peixe para vender”.
A mãe decide colocar Isaac Venâncio, com 15 anos, numa carpintaria. "Trabalhei durante um ano, mas desisti, não conseguia conciliar com a escola, eu frequentava o liceu Comandante Cassanje, até a 8° classe”, recorda Isaac Venâncio. "De manhã vendia material eléctrico do meu tio na praça da Caponte e de tarde ia à escola, nas férias também trabalhava como barbeiro, eu fazia de tudo para ajudar a minha mãe”.

Na época natalícia, Isaac Venâncio vendia jogos de luz, árvores de Natal e brinquedos nas ruas. Acordava ainda de noite para pegar os produtos no mercado e ia a correr para a estação apanhar o comboio para o Lobito, para vender.
Em 2004, na 8°classe, teve de estudar de noite, mas a escola era muito distante e não era seguro caminhar na escuridão. Foi viver em casa de uma tia e inscreve-se no grupo teatral Colectivo de Artes Ombaka, que mudou muito a sua vida. "Deu-me luzes de como caminhar dentro da sociedade e fazer parte dela”.

Em 2006, pára de estudar por não ter dinheiro para pagar a entrada num instituto médio público. "A minha mãe já não tinha possibilidade de pagar os meus estudos”. Ficou um ano sem estudar, formando-se em teatro e colaborando numa ONG, num projecto de mobilização comunitária para o VIH/Sida. "Pagavam-me 50 dólares e tinha de trabalhar no interior de Benguela”.

Isaac Venâncio poupou para a mãe e para conseguir uma vaga no ensino médio e, em 2007, com 150 dólares, consegue comprar a vaga no Instituto Médio Industrial de Benguela (IMIB), onde fez Engenharia Electrónica e Telecomunicações. "Eu trabalhava das 8h às 12h30 e às 13h ia para a escola”.  Em 2008 começa a trabalhar na ADPP Esperança, como activista, e na OHI. "Foi muito difícil conciliar o trabalho com a formação, mas ainda fiz o curso de jornalismo no Instituto Camões e depois comecei a trabalhar na Omunga”.

Em 2011, ingressa nas Forças Armadas Angolanas, no Cuando Cubango, e aprova nos testes para o curso de oficial, no Lobito. Espera um ano e "lá veio o voo militar para nos levar, mas, em meu lugar, em pleno aeroporto, foi chamado um jovem que nem conhecíamos e outro e outro, fomos excluídos na hora do embarque, eu, revoltado, voltei para Benguela”. Desempregado durante um ano, procura sempre e é admitido no Grupo Casais como canalizador industrial, mesmo sem experiência, tendo de aprender o ABC da canalização, e é transferido para Luanda, como canalizador de 2ª classe.

Em 2014, o contrato termina e fica de novo desempregado, mas persiste e quase um ano depois, entra como conferente de mercadorias na empresa Macon, promovido a assistente administrativo, a assistente comercial e em 2016 é promotor de vendas.
Decide então encomendar máquinas fotográficas e de filmagem profissionais no Dubai e forma a sua própria empresa de cobertura de eventos.  Em 2019, volta a estudar, depois de dez anos parado por falta de possibilidades financeiras para pagar a Universidade, e neste momento frequenta o segundo ano do curso de Logística e Gestão Comercial.

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