Opinião

Café

José Luís Mendonça

No tempo em que era colónia, Angola já foi o terceiro país exportador de café no mundo, em 1973, com cerca de 500.000 toneladas por ano.

17/04/2021  Última atualização 07H00
Quando se fala deste grande êxito agrícola, esquece-se que quem exportava era quem manda aqui, o colono, mas quem colhia as bagas vermelhas no fino ramo da planta, quem levava os cestos para o terreiro, quem arejava a superfície das bagas secando, quem trabalhava o café para Angola ser o terceiro maior exportador era o puro contratado. A produção de café baixou muito em Angola, por causa da guerra civil. Mas mesmo que não houvesse guerra civil, a produção iria encarecer. Independência é incompatível com trabalho de monangambé. Então, teríamos trabalhadores rurais mais bem pagos. E o preço do quilo do café, para consumo ou para exportação, iria custar mais.

Um pacote de café pode ser em grão ou moído. Quando se abre o pacote, a casa se enche daquele aroma da terra do Uíje, se for robusta, ou do Moxico, se for arábica. Naquele tempo do coló, como gosta de escrever o Manuel Rui, a avenida dos Combatentes cheirava muito a café. Bebia-se muito café nos cafés, restaurantes e pastelarias, naquele tempo.Como substituir o trabalho do contratado? No morro do Binda, à entrada de Ndalatando, as plantações de café crescem à sombra de enormes árvores. Ali, não sei se as máquinas que o Brasil inventou teriam grande utilidade. Creio que a mão do homem será sempre imprescindível.Hoje falo do café, porque um amigo que me tem grande conta, e sabe que eu não tomo café, me enviou um vídeo pelo WhatsApp, onde ilustra os benefícios do café torrado e moído, vejam lá!, para afugentar as moscas. 

Coloca-se uma ou duas mãos cheias de café num recipiente resistente ao fogo, acende-se o pó, e o fumo que se evola pela nossa casa dentro faz fugir as moscas.Fui à primeira grande superfície comercial perto do meu serviço, à procura do café. Acabei por comprar banana, a um preço muito bom. Do café, nem o cheiro. Perguntei a um trabalhador da superfície, e ele diz-me, não tem café, pai.

Eu amo Angola, porque o meu povo, que faz a minha pátria, é um povo tão generoso, tão afectivo, que prefere chamar-se de pai, em vez de senhor. É o respeito pelos mais-velhos. Se não encontro café, pronto, vou ter de aturar as moscas, com recurso ao xeltox.Como não encontrei café, disse-me a mim mesmo, já agora, compra laranja, é anti-Covid. Não havia laranja! Só na Zunga! Ai, laranja do Tomboco, onde andas, boa laranja da minha terra. Fui a outra superfície comercial ainda maior e só tinha laranja importada. Custava os olhos da cara. Chorei. Café também não tinha.Onde andas tu, cafezinho do meu país, café do Uíje, do Kwanza-Norte e Sul, do Bengo e de Cabinda? Onde andas tu, cafezinho do Huambo, do Bié, da Huíla, de Benguela e do Moxico? Tanta província boa para meter café na terra e não consigo sequer comprar um pacotinho de café!

Passei a receita do café queimado contra as moscas varejeiras que inundam a santa paz dos nossos lares. Mas antes, perguntei, aí na tua zona, também há moscas? Afinal, há moscas por todo o lado, de Viana até no Morro Bento, do Alvalade até a Talatona. Todo o mundo foi atingido pela praga das moscas varejeiras grandes. Azuis, umas. Outras, verdes. Parece uma invasão dos vikings!

Acabo de ligar o computador para escrever esta crónica. Já está uma mosca grande, guerreiro a zumbir, zum zum zum, sobre a minha cabeça. O que é que ela quer? Me cagar em cima uma vareja, ou me impedir de trabalhar? É que são 23 horas, niga, 23 horas! De onde teria ela saído?Algum leitor me arranja um pacotinho de café Jinga?

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