Cultura

Carla Moreno: Voz cabo-verdiana em solo angolano

Analtino Santos

Jornalista

Carla Moreno é uma cantora cabo-verdiana que não resistiu aos desígnios do coração e fez de Luanda o seu porto seguro, deixando Santiago, sua ilha natal, e Lisboa, a cidade onde passou grande parte da sua vida. A bujurra deixou o “mo ki kai” e adoptou o seu equivalente “cumué”, saudação muito angolana. E, de caxexe, ela tem conquistado o seu espaço com a garra de guerreira cada vez mais angolanizada

17/01/2021  Última atualização 07H30
© Fotografia por: Patrice de Lemos
Com o single "Cadê o Amor” Carla Moreno enveredou para uma nova fase da sua carreira, depois de notabilizar-se como corista. Com as restrições impostas pelas medidas sanitárias de enfrentamento à pandemia da Covid-19 a cantora revelou ao Jornal de Angola que sente saudade dos palcos "e de toda a vibração da energia positiva do meio artístico e do caloroso afecto dos fãs”. Apesar de tudo, depois do lançamento do single promocional "Cadê o Amor”, no ano passado, ela disse encarar com optimismo a nova fase da sua carreira.

Dona de uma das gargalhadas mais ruidosas dos bastidores do meio musical, Carla Moreno possui uma voz que encanta os amantes da boa música. Como corista era das mais solicitadas, quer para trabalhos em palco como em estúdio. Foi com o sentimento do dever cumprido que priorizou a sua carreira como cantora individual, abrandando um pouco os "backing” vocais. "Corista é uma cantora completa. Sinto que muitas coristas agora estão nesta transição, depois de fazerem brilhar outros artistas”, afirma a bujurra que conhece como a palma da mão os becos e quebradas de Luanda.

A cantora explica que apostou na carreira a solo por achar que chegou a altura de não fazer apenas parte da história dos outros, mas também de ser protagonista e contar a sua própria história. "Existem pessoas que acham não ser possível o êxito das coristas, mas noutras realidades isso é o prato do dia, muitas grandes estrelas antes foram coristas”, defende, sublinhando que apenas está concentrada em aspectos positivos. Disse ainda que tem recebido o apoio dos artistas com quem trabalhou.

Carla Moreno carrega mais de duas décadas como corista, período em que trabalhou em palco e/ou em estúdio com Paulo Flores, Tito Paris, Filipe Mukenga, Matias Damásio e Don Kikas, dentre muitos outros. Ainda particularizando afirmou que teve o privilegio de cantar com Cesária Évora, Ildo Lobo, Bana e outros astros da sua terra natal, Cabo-Verde.  Em 2019, com Dino Ferraz, conquistou o Festival da Canção da LAC. Foi desta parceira que nasceu "Cadê o Amor”.
"A conquista do Festival da Canção da LAC, com ‘Se Fora Eu”, foi um dos meus maiores feitos e um indicativo de que coisas boas podiam surgir. Com fé, dedicação, foco e trabalho as coisas podem acontecer”.

O tema "Cadê o Amor”, que marca o novo normal da cantora, segundo a própria, era para ser interpretada por outra cantora, que "felizmente” a descartou. Numa conversa com Dino Ferraz este mostrou-lhe os arranjos e ela gostou logo do pouco que ouviu. E, diferente do que é dito na música, não questionou o amor e apaixonou-se imediatamente pelo tema. Viu que servia para as suas pretensões. Saiu da sua zona de conforto, constituída pelas sonoridades das mornas, coladeras, funanás, fado e soul e embarcou na kizomba.

Em estúdio contou com a participação dos instrumentistas Mayo Bass (baixo), Josué e Miqueias Ramiro (teclados), Texas (guitarra) e Apolinário (bateria). Raquel Lisboa fez os coros e Dino Ferraz e Mauro Guerreiro "Bony” co-produziram. O apoio para promoção e divulgação é da Hey Hey Hey, pequena produtora dirigida por Sari Sari. A cantora  sente-se bastante motivada com a equipa e com a diversidade de estilos dos colegas da produtora. Hochi Fu, o "vídeo-maker” que muito tem contribuído na produção de clipes musicais nacionais, produziu o video de "Cadé o Amor”. 


Experiência angolana

"Eu na verdade sinto-me mais ‘a cachupa num funje’, gosto das pessoas e não das suas nacionalidades. Aqui recebem muito bem, sempre me senti parte do molho que complementa o funje”, diz com convicção Carla Moreno. Depois de "Cadê o Amor” ela tem feito pequenas parcerias, e, sempre que as condições o permitem, faz a sua canjinha em palcos. A artista, nestes tempos de pandemia, participou num concerto solidário no dia de Cabo-Verde, 5 de Julho. Tratou-se na verdade de uma festa organizada pela comunidade da terra da Morabeza, que contou com pratos típicos ao som da morna, coladera, funaná e outros ritmos, acompanhados com o grogue.

Apesar de bem integrada em Angola Carla Moreno não esconde a saudade de Cabo-Verde e da sua Santiago, onde o funaná é a referência principal. Reconhece que tem uma forte inclinação por este estilo, mas, como boa cabo-verdiana, a morna e a coladera também têm lugar cativo no seu coração. Em clima de nostalgia revelou que já partilhou o palco com Cesária Evora, Ildo Lobo e Bana, nomes incontornáveis da música do seu país e que são muito apreciados também em Angola. Participou no Show do Mês Live com a Orquestra Camerata de Luanda, no qual interpretou "A Mi Crê Ser Poeta”, morna conhecida nas vozes de Paulino Vieira e Ildo Lobo. Disse ainda que gravou "Ainda Foi Ontem” com Dom Kikas, que vai constar no próximo álbum do artista.
Carla Moreno afirmou que algo que aprendeu com o seu povo e sente o mesmo cá: é o respeito pela boa música. Falou de um fenómeno que, nos últimos anos, tem acontecido no seu país, nomeadamente a recuperação de temas e géneros antigos pelos artistas mais jovens. Pensa que é possível que o mesmo aconteça cá, caso os jovens comecem a estudar e a ouvir mais a história da música angolana e, como os cabo-verdianos, tenham orgulho da sua riqueza cultural. Não descarta a possibilidade de gravar alguns clássicos angolanos, pois considera ser "uma forma de agradecer e manifestar o respeito” pelo país que a recebeu muito bem.   


Acontecimento

"Fiquem atentos”


Carla Moreno tem como principais influências a soul e o RnB, estilos que a levam a Aretha Franklin, Shaka Shaka, Whitney Houston e Luther Vandross. Bossa nova, gospel, jazz, morna, coladeira e música africana são outras fontes suas.
Ela recorda que a sua carreira musical começou em Portugal em 1996, quando concorreu ao Chuva de Estrelas e depois, mais madura, em 2014, à primeira edição do Ídolos Portugal, sendo finalista em ambos os concursos de caça-talentos. A música sempre esteve presente em sua casa. Imitar Whitney Houston é uma das lembranças mais marcantes da sua infância. A música que enchia o ambiente doméstico da sua meninice era de toda a parte e de todos os géneros e línguas. Vem daí a sua liberdade de interpretação e de adopção de géneros musicais.

Carla Moreno tenta enriquecer a sua arte com o melhor de todos os géneros musicais, nunca se impôs limites, mesmo porque acha que a música é "buscar o melhor que há em cada estilo e procurar um pouco de nós em cada um deles”.
A cantora, que partilhava mornas e coladeiras em palco nos concertos de Paulo Flores, diz mais o seguinte: "O Tio Paulo foi e sempre será uma boa escolha, porque não tem problemas em dar espaço a outros - como deveria ser sempre - para que eles entrem, partilhem da sua energia e brilhem. Ele é tão seguro que não precisa temer que alguém tire a sua luz. Cada um tem a sua luz e podemos brilhar todos juntos. Aproveito para dizer que Paulo Flores terá uma participação muito activa nesta fase da minha carreira, que ele apoia, como de resto sempre o fez. Fiquem atentos.”


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