Opinião

Celebremos a comunicação

Caetano Júnior

Jornalista

A semana que terminou ficou marcada pelo 5 de Maio, Dia Mundial da Língua Portuguesa. A efeméride reafirma a importância - e, para já, a funcionalidade - de um Idioma, usado à escala global, que acolhe cada vez mais falantes.

09/05/2021  Última atualização 10H16
Para termos uma ideia do espaço que conquista, o Português é falado por mais de 260 milhões de pessoas, nos cinco continentes, e a estimativa é que, até 2050, o número suba para perto de 400 milhões, de acordo com as Nações Unidas.
Ao mesmo tempo que se expande pelo mundo, o Português tem, entretanto, resistido a iniciativas de "opositores” que o tentam arrastar para baixo, que anseiam por aniquilá-lo, por torná-lo numa língua inútil. Mas são diligências de previsível fracasso, feitas por falantes que dão primazia a estrangeirismos, em prejuízo do idioma que os recebeu à nascença, sendo, por isso mesmo, a língua materna de grupos consideráveis deles.

Portanto, fica muito difícil travar a marcha de uma Língua que, até final do século, pode ter no continente africano o maior número de falantes, grande parte deles em Angola. Desengane-se, então, quem aposta no declínio do Português, que, pelo contrário, faz um percurso irreversível, no sentido da unificação de nações, povos e culturas. Por exemplo, o uso de anglicismos, galicismos e outros estrangeirismos, muitos dos quais consequência do advento das novas tecnologias, aceita-se em contextos próprios, incontornáveis, em que o dicionário do Português se mostre insuficiente para responder à necessidade de comunicar.

Mas nem sempre é assim. Assistimos, com frequência, à subalternização da única Língua Oficial que temos, sobretudo em eventos formativos e convívios, aos quais são atribuídas denominações - pomposas para quem assim os cataloga - como "workshop”, "meeting”, "after party”, "happy hour” ou "rendez-vous”, numa lista interminável de vocábulos alheios ao contexto social, cultural e linguístico que nos marca. É a insistente prática de quem se coloca contra a fluidez da comunicação; de quem, amiúde, se opõe ao discurso simples, claro e objectivo, que torna permeável o entendimento.

Para quem lança o olhar depreciativo sobre a Língua Portuguesa, é preferível dizer "core business”, "players”, "on job training”, "budget”, "deadline”, "briefing”, "mindest”, "timing”, "umbrella”, ou outra palavra ou expressão desconhecida, a recorrer ao belo e rico léxico que o universo Lusófono coloca à disposição. Entre nós, uma comunicação inclusiva e eficaz faz-se com o Português - sem falar, é claro, das nossas línguas nacionais, nos respectivos espaços de intervenção. De outra forma, é a promoção da exclusão comunicativa; é sonegar conhecimento e informação. É desconversar.

Mas nem vale a pena esbanjar o verbo com complexados, que acreditam na hegemonia dos estrangeirismos sobre o Português, para tentar afirmar uma pretensa intelectualidade. Também não nos devemos preocupar com os outros; com quem acha possível travar a dinâmica das línguas com decretos, diplomas, acordos e outros procedimentos administrativos ou jurídicos.

As línguas são imparáveis, no percurso que cumprem em países e territórios, na sua diversidade, em dependência de contextos e situações. Não são estáticas, nem estanques; dependem dos falantes, que chegam até a colocar-lhes regras e a definir-lhes flexões. E as variedades orais são ricos exemplos. Por mais que decisores pretendam limitar ou orientar o uso de uma palavra, expressão ou o sentido de uma frase, o falante pode desiludi-los, atribuindo-lhes outras conotações, compreensões ou definições, usando-os da forma que mais facilmente sejam entendidas.

As palavras não são produzidas em laboratórios, como, por exemplo, as vacinas, cujo fim é imunizar, depois de estudos, análises, pesquisas, ensaios, testes e cumprimento de rigorosos protocolos. Os vocábulos nascem todos os dias, inclusive de situações trágicas, de contextos alegres e tristes. É assim que as línguas são enriquecidas, com a contribuição dos falantes, com a intervenção dos povos e culturas. Por isso mesmo, uma língua não pode ser única. Em cada país, em cada território, nascem, todos os dias, novos termos e outras formas de falar uma mesma língua, as chamadas variedades, os dialectos. Assim, também prosperam os contextos de diglossia.

Por isso mesmo, linguistas privilegiam a comunicação, a compreensão do enunciado. É, para eles, a sobrevivência do nobre propósito de passar a informação, independentemente da forma como são as palavras usadas, da correcção, sobretudo na vertente oral. Afinal, só a própria língua é capaz de nos proporcionar tão alegres variedades num mesmo espaço, como é a Lusofonia Africana, num efeito directo da diversidade cultural. Se, em Angola, à roupa usada é chamada "fardo”, em Moçambique, é "calamidade”. A tilápia, o nosso "cacusso”, para o são-tomense, é "papé”. Na Guiné Bissau, "óbito” é entendido como "choro” e, ao que o padrão do Português europeu designa por "endereço”, o cabo-verdiano pode chamar "adereço”, entretanto, para nós, objecto usado para enfeite (pulseiras, brincos, anéis …).

Nestes dias de exaltação do Português, celebremos a comunicação, na sua diversidade de falares, no respeito às variedades e na liberdade dos falantes, tendo em atenção o enriquecimento e a sobrevivência das línguas. 

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