Opinião

Chefe para tudo (Fim)

Carlos Calongo

Jornalista

Até a chuva, afinal, por via do “poder” que as pessoas lhe delegaram para ser o verdadeiro fiscal das obras públicas, também é chefe, e que no seu exercício tem a afoiteza de, infelizmente ordenar mortes, como fez na última segunda-feira, ao descarregou a sua fúria sobre a cidade de Luanda, matando cerca de três dezenas de pessoas.

24/04/2021  Última atualização 06H20
Afinal há mesmo chefe para tudo. E se for para fazer-se valer pela razão da sua condição de obra da natureza, são ponto de provocar mortes e outros consideráveis estragos, ninguém quer ter a chuva como chefe, que não seja na actividade agrícola de onde provém o sustento de muitas famílias angolanas.

E se assim não for, preferimos os agentes da fiscalização do governo provincial, das administrações municipais, comunais e distritais da urbe luandense, que para além de gostarem ser tratados por chefes, pelo menos não têm o poder de ordenar mortes directas de pessoas, sem que se lhes retira alguma cumplicidade em certas ocorrências mortais, sobretudo naquelas "belelas” por vias das quais muitas zungueiras perderam a vida. 

Não havendo como "desprecisar” totalmente da chuva, rogamos à Deus que, quando ela exercer o seu poder, não seja na perspectiva dos chefes angolanos, que para lá da satisfação dos seus egos nada mais querem saber, nem já das necessidade básicas dos seus servidores...Coitados dos guardas, motoristas e/ou estafetas!…É trabalho grande.

Recordamos alguém que, agastado com a ordem dada pelo seu actual chefe dizia, "prefiro voltar no tempo das extintas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, (FAPLA), em que o chefe era mesmo chefe, nem precisava se encher muito como estes de agora, que se borram à toa, nem se dão ao respeito”.

A revolta é atribuída à Mário dos Arames, que já viu cair mais de sessenta anos de chuva, e manifestou o descontente por lhe ter sido impedida a tentativa de tirar água da torneira para beber, na residência do em que presta serviço como guarda ou, se preferirem, segurança. A "obra” foi da mulher do chefe, que afinal também é chefe.

"Eu digo sempre”, continuou o Mário, que viu o nome alterado para Marió, numa obra dos amigos das horas livres do trabalho, "os meus chefes das FAPLA, apesar de tudo, respeitavam os subordinados como pessoas, e mesmo dando só ração fria, eram melhor que muitos destes chefes de agora, que até têm mais dinheiro”.

Apesar das boas memórias que Marió conserva dos seus chefes das FAPLA há que convir que nem todos eles exerciam com humanismo a relação chefe- subordinado, aliás, existem histórias mil (rima com Abril de chuvas mil), que atestam o que apresentamos como contrapeso às memórias de Mário.

Alguns deles até são aqueles que, mais do que "desconseguirem” se desfazer do uso abusivo da temida frase "sabes quem eu sou”, adoptaram como protótipo de chefia, desfilar, não em parada militar, mas em restaurantes, com catorzinhas em idade das netas deles, coisa com que o Marió também não concorda.

São resquícios, pensamos, do que falhou no processo de ressocialização que a paz, a liberdade e a democracia nos atribuíram, ao ponto de permitirem que alguém ainda continue a pensar que a condição temporária de chefia tem valor superior à insígnia, o Hino e a Bandeira, enquanto símbolos supremos da República de Angola.

Enfim, e como em tudo, os chefes e subordinados continuam por aí, cada um a sua maneira, mania e (falta de) educação, sendo fundamental velar-se pelo respeito à vida humana, que nos coloca em condição de paridade, se considerarmos o princípio divino da concepção da vida.

A diminuição da mania dos chefes deve ser factor de elevação da figura de líder, um conceito que melhor se encaixa nas sociedades hodiernas, em que o princípio de colaboração, respeito pelas habilidades e competências de cada um,  se reflecte em tributo para o bem comum, sem precisarmos todos de ser chefe, nem de chefe para tudo.

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