Sociedade

Colegas lembram profissionalismo de Meireles

Carlos Cardoso

Jornalista

A Edições Novembro e o jornalismo angolano estão de luto. A infelicidade bateu à porta e levou consigo um veterano e talentoso escriba. Deixou-nos José Meireles Patrocino, o Zeca Meireles, como era chamado. O momento é de dor, consternação e inconformismo. A pergunta que não se quer calar é “por que te foste, Zeca Meireles?”. Nas instalações da empresa, o silêncio é sepulcral, desde a noite de quinta-feira.

22/05/2021  Última atualização 08H15
© Fotografia por: DR
Semblantes carregados e lágrimas nos olhos confirmam a dor e o sentimento de perda. "O nosso Meireles deixou-nos; partiu para onde não o podemos consolar, amparar e  agradecer por tudo quanto fez”. Palavras que se podiam adivinhar.Os depoimentos de colegas são unânimes, em relação ao carácter e à competência profissional do companheiro de longas jornadas, que o destino levou.
Cristina Silva
Cristina Silva, editora-executiva do Jornal Metropolitano de Luanda, não consegue esconder a dor. Com Meireles partilhou bons e agradáveis momentos na redacção. Quando há dezanove anos entrou para os quadros do diário, foi recebida por Meireles, enquanto chefe de Reportagem."Posso dizer, sem medo de errar, que parte do que sou ganhei com ele. Era uma pessoa muito alegre, muito disponível para ajudar. Uma das últimas vezes que o vi foi no posto médico. Dei-lhe um beijo na testa, como se fosse uma criança e chamei-o … ‘ Chefe”.
Amândio Clemente
Editor das páginas de Sociedade, Meireles era um profissional de "mão cheia”, com passagem por outras secções, oferendo contribuições em projectos dentro e fora da Edições Novembro. Com Amândio Clemente, conviveu durante cerca de 27 anos e deixa boas e agradáveis recordações. Para o editor de Desporto, Zeca era uma pessoa de qualidades inquestionáveis, trato fácil e preocupação constante com a melhoria contínua da nova geração de jornalistas."Falar do Meireles é um pouco difícil, porque era uma pessoa com muitas qualidades e bastante versatilidade. Era cordial, com reconhecidas qualidades de liderança, mas também muito exigente, características que garantiram que jovens profissionais aprendessem imenso com ele. Era uma pessoa muito preocupada com os problemas dos outros e sempre se disponibilizava para arranjar soluções. Lembro-me de que quando ainda poucos tinham carro, o Zeca não media esforço e apoiava colegas desde que necessário, não se importando se atravessava charcos, buracos, ou zonas de risco”.
Alexa Sonhi
Meireles era também o pai, o professor, o amigo e, algumas vezes, quando necessário, o polícia. A repórter Alexa Sonhi considera-se um produto da "lavra” de Zeca Meireles. Caloira na profissão, teve em Meireles um instrutor, um guia, um líder."Ele tinha a fama de ser muito exigente com os repórteres, mas sempre me tratou como uma filha. A exigência dele fez com que eu e outros colegas crescêssemos profissionalmente. Mesmo não estando na redacção, o chefe destinava-nos trabalhos pelo telefone, mantinha-nos sempre ocupados. Era muito alegre, tinha sempre histórias para contar… Sem dizer que nós acabávamos por comer os lanches que ele trazia. Falar de Meireles é falar de uma pessoa impecável. A empresa perde um grande quadro, um excelente líder. Eu perco um pai, um amigo, um guia, um mestre”.
Matias Adriano
Zeca Meireles abraçou inúmeros desafios enquanto profissional. O seu mérito, competência, sabedoria, engajamento e atitude projectaram-no para a diplomacia, assumindo a pasta de adido de imprensa na República Federativa da Nigéria, missão que viria a ser interrompida por força de complicações de saúde, tal como confirma o director do Jornal dos Desportos, Matias Adriano"As mortes não avisam, mas nós não contávamos com esta. É uma perda muito grande para mim. Ao longo dos anos, estabelecemos relações que vão para lá das questões de trabalho. Meireles já passou por situações muito complicadas, como quando foi forçado a regressar da Nigéria, mas conseguiu vencer. E é assim que eu o via, como um vencedor. Resta desejar que ele faça uma viagem calma, tranquila e que lhe seja reservado ao lado do Senhor um espaço digno e ao nível daquilo que foi enquanto em vida”.
Teresa Alexandre
Os últimos anos brindaram Meireles com significantes problemas de saúde. As idas ao hospital passaram a ser frequentes e as ausências ao serviço também. Mas, mesmo longe da Redacção e com recurso às redes sociais, o editor Meireles brindava a equipa de trabalho com textos produzidos e editados no domicílio. Tinha mesmo o bichinho da caneta, tinha mesmo amor ao que fazia.Teresa Alexandre, chefe de Departamento de Relações Publicas, é testemunha do grande amor e entrega do profissional que partiu."Quando entrei para a empresa, nos anos 90, o Meireles foi uma das pessoas que encontrei. Eu fazia jornalismo e estava na secção de Sociedade e ele também. Ele foi das pessoas que me acompanhou durante as primeiras reportagens que fiz. Faz parte da minha história. Trabalhei muito perto dele e sempre o vi como um grande profissional. Pessoa humanamente saudável, afável, de fácil trato, amigo e parceiro. Perder o Meireles é simplesmente desolador”.Durante cerca de três décadas, José Meireles emprestou o seu saber e esforço para elevar a marca "Jornal de Angola”. Consentiu sacrifícios, correu riscos e muitas vezes viveu dificuldades de vária ordem. Mas o seu perfil manteve-o centrado na missão que tinha pela frente, "fazer jornalismo isento e responsável”. E Meireles fê-lo, com brio e respeito, por todos que fazem parte da família Edições Novembro.
Joana Bragança
Joana Bragança, responsável da Área de Pessoal, da Direcção de Recursos Humanos, lembra Meireles como dono de uma simplicidade inigualável e fácil trato. Para ela, Meireles tinha o perfil que toda pessoa devia perseguir."Nunca tivemos uma relação de proximidade, mas sempre o vi como uma pessoa humilde, respeitosa e de trato fácil. Sempre que veio aos Recursos Humanos tratar de algum assunto, mostrou educação e respeito. Não me lembro de alguma vez ter visto um processo disciplinar em que o senhor Meireles fosse o visado. Lembro-me de uma ocasião, em que precisei de tratar o cartão internacional de vacinas e não conhecia os procedimentos. Cruzei com ele na Delegacia de Saúde. Como era uma pessoa atenta, percebeu a minha angústia e prontificou-se para ajudar. Não me largou enquanto não viu o meu problema resolvido.Meireles era assim, reunia consenso. É este o homem que nos deixa. José Meireles Patrocínio nasceu em Luanda, a 30 de Junho de 1968. Entrou para a Edições Novembro em 1994.

"Percurso notável no jornalismo angolano”


O ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, afirmou, ontem, que José Meireles construiu um percurso notável no jornalismo angolano, graças ao seu empenho, dedicação e competência.Numa nota pela morte do profissional da imprensa, Manuel Homem aproveitou para apresentar condolências à família enlutada e ao Conselho de Administração da Edições Novembro.

A direcção do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), por seu lado, deu a conhecer, através de uma nota de condolências, que tomou conhecimento com "choque e consternação” do falecimento do jornalista José Meireles Patrocínio.Na nota, dirigida ao presidente do Conselho de Administração da Edições Novembro E.P., o SJA realça que José Meireles "foi um jornalista dedicado, que fez carreira com entrega e brio profissional nos órgãos em que passou”.O SJA diz "lembrar a necessidade de se olhar para as condições sociais dos profissionais da comunicação social, para que, em circunstâncias de emergência, não vivam situações evitáveis de indigência e doença”.
TRAJECTÓRIA

José Meireles Patrocínio nasceu em Luanda, em 30 de Junho de 1968. Integrou os quadros do Jornal de Angola, um dos títulos da Edições Novembro E.P., em 1994, tendo feito carreira como estagiário, até ascender a cargos de responsabilidade editorial.
Além de editor da página de Sociedade, José Meireles foi chefe de Reportagem e um dos mentores do projecto "Dossier”, com Caetano Júnior e Nhuca Júnior, espaço que abordava matérias temáticas de natureza diversa.
José Meireles fez, igualmente, coberturas internacionais, além de ter produzido reportagens que mereceram o reconhecimento do meio ligado à imprensa.
O finado profissional passou, igualmente, pelo jornal "O País”, onde desempenhou o cargo de chefe-adjunto de Redacção, além de ter trabalhado na diplomacia, como adido de imprensa da Embaixada de Angola na Nigéria.

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