Opinião

Como “rectificar o tiro” ?

Apusindo Nhari

Jornalista

“Um pacto de concertação e de estabilidade, em matérias como a saúde, a educação e o combate à pobreza extrema...(...) Talvez seja esse o meu sonho”

16/05/2021  Última atualização 08H00
E se a essas palavras do médico Matadi Daniel, com que fecha a entrevista que recentemente concedeu a um semanário local, lhes juntarmos as nossas próprias, ditas nesta mesma coluna?
As de 21 de Junho de 2020, num texto que intitulámos "Que fazer?”: "É ser-se irrealista ou idealista pensar-se em encontrar formas diferentes de lidar com o problema da saúde e reinventarmo-nos, diante do dilema em que o país se encontra? Não conseguiremos construir, quiçá, um pacto nacional que comece por priorizar as condições que permitam melhorar os indicadores da saúde, e proporcione às entidades intervenientes, a responsabilidade, e os meios, para mudar radicalmente a situação?”

Ou ainda as de 15 de Novembro: "Por isso, que tal pensar e preparar um pacto? Um pacto geracional, de boa-fé, de humildade. Inventando-nos uma saída que não nos meta mais medo. Sem imitar ninguém, usando a nossa própria criatividade. Assumindo a responsabilidade colectiva da situação em que caímos e reconhecendo as limitações que tivemos tanto tempo para superar... e desconseguimos.” (...) " Um pacto que nos ajude a afastar o temor que sentimos de um caminho de violência e de destruição em que podemos cair. E que não nos afaste da responsabilidade comum de resolver os problemas fundamentais que nos afectam”. O texto chamava-se”Nossa dívida por um pacto” onde, depois de termos começado por nos perguntar se "é consensual considerarmos que o nosso país está doente?”, concluíamos sugerindo que fizéssemos um pacto "por amor à nossa pátria”.

No sonho do audaz nefrologista, o pacto seria protagonizado pelos actores políticos do que ele chama o "arco da governação” (composto pelos dois maiores partidos políticos do pós-Independência). E não nos surpreendemos tanto assim que nós, no fundo, andemos a sonhar o mesmo sonho (o que se calhar se explica por termos saído da mesma forja) e até nos atrevemos a propor alargar o pacto, nele incluindo actores sociais, apartidários.
Recordamo-nos dos tempos em que fazíamos parte da mesma utopia e que haveríamos de construir um país de justiça, que nunca chegou a acontecer…

Mas no presente, e bem acordados pela dor que nos causa a realidade, perguntamo-nos: como não atribuir a nós mesmos, à nossa geração, a responsabilidade pelas enormes deficiências e carências (humanas, organizativas e materiais) dos sistemas de saúde e de educação que temos, as preocupantes desigualdades e injustiças sociais que colocam tanta gente em condição de pobreza extrema?
Temos consciência que a política e os interesses partidários dominaram largamente os destinos do país, imensas vezes em detrimento do interesse nacional, da competência profissional e técnica. E reconhecemos que muitos de nós se deixaram frequentemente levar – caucionando decisões erradas sob o pretexto de "não dar o flanco ao inimigo” – pelo caminho da mediocridade e da venalidade.

Faria falta sermos capazes de compreender como o país, nascido em ideais revolucionários e "socialistas”, concebeu sistemas públicos de saúde e de educação que foram tão-logo menorizados pela aparição "natural” das escolas e clínicas privadas. Compreender o surgimento da elite que foi progressiva e exclusivamente recorrendo a essas clínicas e colocando os seus filhos nessas escolas, contribuindo para o abandono do projecto colectivo, deixando para a maioria, as escolas e hospitais públicos sem qualidade.

À nossa geração – que já tem apenas um tempo muito limitado para ajudar a "corrigir o tiro” – compete ainda contribuir para que se retirem lições do mal-feito e ter a coragem de percorrer os caminhos que as gerações que nos seguem abrirão, para também sonharem e construírem um país diferente do que temos.
Conseguiriam ser suficientemente ousados os actores políticos partidários – do poder e da oposição – para reconhecer e aceitar que é seu dever assumir a necessidade de um pacto como o deste sonho?

Já não será possível voltar atrás e procurar soluções inspiradas numa realidade que não mais existe. Qualquer solução deve assentar na honesta avaliação da actualidade, da compreensão das suas causas e na busca de saídas que permitam o desenvolvimento económico, indispensável para a criação de riqueza que sustente um Estado social.

Não será crucial que se adopte uma forma de governar inclusiva, em que os actores não partidários tenham um papel essencial a desempenhar no controlo do cidadão, na fiscalização da acção governativa e na gestão do que é público (a todos os níveis)? Uma forma de governar em que a liderança tenha a capacidade de garantir o funcionamento das estruturas do Estado na base de valores e princípios que o tornem respeitado pela população? Permitindo e incentivando que a comunicação social funcione como mecanismo de exposição da realidade, ajudando na prevenção de erros e na denúncia de actos lesivos ao interesse público?
Um tal pacto – pela saúde, educação e combate à pobreza extrema – daria uma nova esperança ao angolano, desde que se criem empregos com a maior urgência, permitindo-lhe ir progressivamente elevando o seu nível de vida e dando-lhe perspectiva de um futuro para si e a sua família.

* Académico angolano independente

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