Opinião

Culpa é dos vândalos

Luciano Rocha

Jornalista

Na desordem luandense nada surpreende, mas a indignação - mesmo quando sufocada por nós de receios - é crescente, como sucede face às reacções da ENDE e da CACL à morte, recente, da zungueira electrocutada em espaço público.

22/03/2021  Última atualização 08H59
Para evitar perdas de tempo na decifração de siglas - tantas são que já mereciam dicionário próprio - esclareça-se que ENDE significa Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade e CACL, Comissão Administrativa da Cidade de Luanda, organismos legais, com presidentes nomeados.

Os dois presidentes juntaram-se para alijarem responsabilidades na morte da zungueira, que estava na rua, bacia de plástico à cabeça, para ganhar o pão, que "demónios” continuam a "amassar” e, neste caso, fazer-se... à morte. Em casa tinha deixado seis bocas. A do marido, desempregado, e de cinco descendentes, o mais novo, uma menina de 9 anos.

A  modesta trabalhadora por conta própria, sem qualquer protecção social, chamava-se Alice João Cambongo. Fixe-se o nome para poder ser inscrito no "álbum das vítimas de incompetências”, meio dos vindouros saberem, um dia, o que foi a Luanda destes tempos.

Ambos os protagonistas da conferência - realizada dois dias após o drama - uniram vozes para falarem um de cada vez, é verdade, mas, na prática, em coro desafinado, sobre os motivos, deles, de Alice João ter morrido, em plena labuta, num dia de chuva desamarrada que castigou apenas inocentes.

As causas apresentadas pelos promotores da conferência de imprensa são alheias às responsabilidades de qualquer um deles na morte de Alice João. O da ENDE, com base "na peritagem de técnicos”, culpou "a vandalização de cabos de energia numa coluna de iluminação pública” pelo fim trágico de Alice João.

Sacudidas responsabilidades, para não sobejarem dúvidas, referiu que a iluminação pública "não é activo” da ENDE, mas do Governo Provincial de Luanda. Em jeito de remate, anunciou  "um levantamento”, já em curso, "para corrigir o erro” da causa da morte de Alice João, de modo a não provocar outros danos. Danos, neste caso, acrescentamos, é a perda de uma trabalhadora, chefe de família. A outra promotora da conferência  disse, entre outras banalidades, que o organismo a que preside,  "estava a fazer os possíveis” para os apoios chegarem "o mais rapidamente à família da vítima para a realização de um funeral condigno”.

Uma vez mais, perdeu-se e fez-se perder tempo, tão necessário em Luanda, com tanta coisa por fazer, mesmo sem pandemia.  A conferência de imprensa dos presidentes da ENDE e da CACL não trouxeram nada de novo, nem de positivo. A  morte de Alice João, em pleno espaço público, não pode, como tantas outras, ter sido em vão. Há culpados que é preciso desmascarar. Dadas as circunstâncias em que ocorreu, pergunta-se: em última instância, a PGR não pode actuar?   

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