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Riscos no trabalho são negligenciados

Em 2008, Honório João, então com 21 anos de idade, conseguiu o seu primeiro emprego como operador de máquinas pesadas e ligeiras na empresa de mecanização e obras públicas – Mecangol. Em Outubro do mesmo ano, depois de efectuar a lavoura na comuna de Samba-Lucala (Samba-Cajú), dirigiu-se à vila do Lucala para outras tarefas.

29/09/2011  Última atualização 09H05
Nilo Mateus| Ndalatando © Fotografia por: Caixas bancários trabalham com dinheiro à vista de todos e sem as medidas cautelares necessárias para evitar assaltos

Em 2008, Honório João, então com 21 anos de idade, conseguiu o seu primeiro emprego como operador de máquinas pesadas e ligeiras na empresa de mecanização e obras públicas – Mecangol. Em Outubro do mesmo ano, depois de efectuar a lavoura na comuna de Samba-Lucala (Samba-Cajú), dirigiu-se à vila do Lucala para outras tarefas.
Pelo caminho, cruzou-se com um camião que projectou uma pedra solta na estrada terraplenada e  atingiu-lhe um dos olhos. Com dores que diz nunca ter sentido na vida e com a visão reduzida, teve de conduzir mais cerca de 40 quilómetros até chegar ao Lucala.
Honório João conta que, apesar do incessante corrimento que o olho afectado apresentava, recebeu assistência paliativa e, mesmo assim, obrigaram-no a trabalhar, tendo sido dispensado para a consulta de oftalmologia, em Ndalatando, em Janeiro do ano seguinte, depois de se notar que não havia melhoras no seu estado de saúde.
Quatro meses depois (Fevereiro de 2009), a Mecangol disponibilizou uma viatura para o levar a Luanda e 30 mil kwanzas para fazer face a todas as despesas.
"Desde então, a empresa esqueceu-se de mim, até hoje. Estou sem salário, não faço nada porque sou meio cego e o outro olho também já está afectado com o mesmo problema. Doem muito quando acordo".
O jovem está incapacitado para o trabalho que fazia antes do acidente. Está sem apoio pecuniário ou em espécie, porque a Mecangol não o segurou contra os riscos de acidentes de trabalho, como impõe o artigo nº 7 do Decreto 53, de 21 de Julho de 2005. O administrador em exercício daquela empresa disse que quem deve falar sobre o problema é o titular, que regressa ao país em Outubro próximo.
Segundo Manuel Victor, gerente em exercício da Empresa Nacional de Seguros de Angola (ENSA), a única seguradora na região tem registados 36 empregados repartidos por três empresas, num universo, estima-se, de dez mil trabalhadores do sector público e privado,
O drama de Honório espreita a maioria dos trabalhadores, sobretudo os que, apesar da imposição legal, teimam em labutar desprovidos de equipamentos de protecção contra acidentes, doenças profissionais e contágios.

Os vulneráveis

Os mais expostos ao risco de acidentes são os operários da construção civil porque, na generalidade, escavam, demolem ou edificam paredes para prédios, tectos, aplicam calçadas em passeios, asfaltam vias e soldam sem capacete, luvas, máscaras, auriculares, botas, coletes, entre outras protecções.
O encarregado de obras da Nicácio Guimares-Lda, empresa que constrói uma maternidade em Ndalatando, disse que os capacetes são dados a todos, mas depois de alguns dias de uso dão-lhes outro destino. Quanto às luvas, Fernando Grandão referiu que às vezes demora algum tempo para se repor as deterioradas. 
Luvas, auriculares e outros meios também faltam na serralharia Artística, tal como na carpintaria e marcenaria Malungo. "As que tínhamos estragaram-se, já há seis meses", disse o gerente da Artística, Francisco Barros. Na Malungo há dois capacetes para seis empregados e que são pouco usados por preguiça, segundo o gerente José Manuel Bengui. 
As razões da teimosia dos operários evidenciam-se em dois cenários. Por um lado, os recém-empregados, como Marionel Pedro da Angolaca (aplica passeios), que alegam não saber que é necessário o uso de equipamentos de protecção.
Por outro, um funcionário bancário, que pediu o anonimato e está há mais de dois anos em funções, afirmou que não usa máscaras por falta de qualidade. 
Sem nenhum caso conhecido no corrente ano, em 2010 aconteceram dois acidentes de trabalho no Kwanza-Norte, disse a chefe do Departamento de Inspecção do Trabalho, Maria Ricardo. A responsável acrescenta que há dificuldade em inspeccionar as empreiteiras chinesas por dificuldades de comunicação e, nalguns casos, nota falta de carácter das máscaras.
O Decreto nº 53 tipifica como doenças profissionais as provocadas por agentes químicos, mormente os tóxicos orgânicos, inorgânicos, patologias do aparelho respiratório, cutâneas, as causadas por medicamentos e fungos.   
Podem ser contraídas através de inalações ou manejo desprotegido e com frequência de cimento, combustíveis diversos, lixo, elevados volumes de dinheiro em notas, poeiras, barulho, entre outros. Os caixas dos bancos comerciais e a forma como os trabalhadores da Recolix (empresa que recolhe o lixo) manuseiam, desamparados, os dejectos são exemplos vivos em Ndalatando.
As doenças respiratórias agudas registaram 9.904 casos durante o primeiro semestre do ano em curso, segundo um relatório do Departamento Provincial das Grandes Endemias. No ano transacto, morreram dessa enfermidade no hospital provincial 26 pessoas (mais seis em relação a 2009) em 2.254 casos notificados (contra 1.484 do período antecedente).

Biossegurança hospitalar

As barbearias são consideradas potenciais fontes de contágio, porque os barbeiros, a maioria jovem, trocam o álcool pelo gasóleo na desinfecção dos instrumentos e ignoram o uso de qualquer instrumento de protecção.
Nos guichés e demais áreas onde o contacto diário boca a boca se impõe, designadamente cartórios e conservatórias, verifica-se falta de guarnição. O pessoal hospitalar é aquele que mais se preocupa, dada a especificidade do serviço que prestam. 
As medidas constantes no Decreto executivo nº 62, de 29 de Março de 2011 – "Regulamento sobre Biossegurança" – baseiam-se na necessidade da utilização do hipoclorito e de água corrente para lavagem das mãos e, nalguns casos, tomar banho, antes e depois da aplicação dos equipamentos de segurança. Mas a falta de água corrente é ainda uma realidade na maioria das unidades sanitárias.

Cultura de Seguro

Apesar da sensibilização que se faz, os empregadores continuam alheios à obrigatoriedade legal do seguro contra acidentes de trabalho que corresponde a cinco por cento do valor global do fundo salarial da instituição ou empresa, disse o gerente em exercício da ENSA, Manuel Correia Victor.
"O seguro é acessível, por exemplo, a uma empresa de prestação de serviços cuja totalidade dos salários atinge 400 mil kwanzas, visto que paga apenas 20 mil, o equivalente a cinco por cento", disse.
O incumprimento é punível com multa por contravenção à Lei Geral do Trabalho, em obediência ao artigo 28 do Decreto nº 28, de 11 de Março de 2011.
Fracassado o diálogo com a Mecangol em defesa da causa de Honório Tito João, o Departamento Provincial de Inspecção do Trabalho encaminhou o assunto para a Procuradoria-Geral da República, disse a sua responsável, Maria Ricardo.

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