Sociedade

O ilhéu dedicou a juventude à luta de libertação nacional

Manuel Bernardo Júnior “Manbelé” nasceu na Ilha de Luanda, em 1942, há 76 anos, e foi baptizado na Igreja de Nossa Senhora do Cabo.

09/09/2018  Última atualização 13H01
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O seu pai, Manuel Bernardo, era operário na empresa Guedes e Almeida e a sua mãe, Isabel Miguel Bernardo, era peixeira e lavadeira. A sua esposa de sempre, Anabela Nelim, ofereceu-nos um saboroso mufete com peixe pescado logo ali.
A infância de “Manbelé” foi muito pobre, ele dedicava-se à pesca aproveitando metades de canoas velhas, que levava até ao meio da baía para pescar garoupinhas e matonas, que vendia em alguidares.
Outro dos ofícios do jovem “Manbelé” era pescar gaivotas, as kodikoy, para extrair a pele que vendia a europeus que as mandavam para fábricas de peles para fazer agasalhos de Inverno. A pele branca era vendida a 20 escudos, a mulata a 15 e a preta a 10.
A mãe de “Manbelé” era iletrada, mas muito empreendedora, e levou o filho à escola do padre Manuel Filipe Santiago, na igreja da Ilha para conseguir que  ele estudasse. Mas “Manbelé” era rebelde e não se deixava prender pela sala de aula. Então, dona Isabel leva “Manbelé” à escola do Baleizão, que não o admite por o pai ser “indígena” e não ter Bilhete de Identidade. Pelos mesmos motivos, o jovem não foi aceite na escola de aplicação, na escola José Anchieta, 7 e 8, e na antiga escola Evangélica, na calçada da Missão.
A escola rural do Prenda, de pau-a-pique, foi a solução, mas “Manbelé” tinha de caminhar descalço da Ilha para o Cassenda e então a mãe levou-o à Liga Nacional Africana onde faz a quarta classe e obtém uma bolsa de estudos dos “Negócios Indígenas”, que lhe permite inscrever-se no colégio Casa das Beiras.
Mais tarde, consegue um emprego nas Oficinas Navais, na Base Naval da Ilha, onde é admitido como ajudante de fiel de armazém.
Corria já a segunda me-tade dos anos 60 e “Manbelé” ia assumindo ideias nacionalistas até que lhe aparece Diogo de Jesus, militante na clandestinidade do MPLA, que trabalhava no Laboratório de Engenharia, que o recruta.
Sem perda de tempo, organizam uma célula clandestina na Ilha, “Kiezu”, que se junta a outra, “Kidiatu”, esta coordenada por Xico Afonso.
Estas células, diz “Manbelé”, integravam o Comité Regional de Luanda do MPLA, com o outro comité de acção, “Kimangwa” que, além da luta política de libertação nacional, prestavam apoio à I Região Político-Militar do MPLA, nos Dembos, em medicamentos, alimentação e munições.
O coordenador, continua “Manbelé”, era Juca Valentim “Tetêmbwa” ou “Kangongo”, mas Diogo de Jesus também tinha funções de coordenação nessa estrutura vasta que se estendia da Ilha aos bairros periféricos, passando pela Vila Alice.
Foi a altura em que Dio-go de Jesus, Nelito Soares e Loló Neto “Kiambata” decidem desviar um avião destinado a Sazaire, para Brazzaville.
Um dia antes, Diogo de Jesus foi à Ilha reunir-se com as células, no Clube Marítimo, para se despedir, alegando viajar para o Lobito onde ia fazer alguns exames escolares.
Diogo de Jesus, então, passou o contacto de Juca Valentim a “Manbelé”. O avião é desviado com êxito para Brazzaville.
A partir da fuga, Juca Valentim assume a coordenação geral de toda a estrutura do MPLA em Luanda, que vem a ser presa pela Pide, a polícia política portuguesa, a partir de Outubro de 1969.
O primeiro militante a ser preso foi Juca Valentim, depois foi “Manbelé”, com 27 anos, que trabalhava na Base Naval portuguesa e foi detido no serviço, enviado para o “Miradouro” (sede da Pide) e depois para a cadeia de São Paulo, juntamente com cerca de cem companheiros de luta, e para o campo de S. Nicolau.
Não houve julgamento judicial para os nacionalistas, mas sentenças administrativas entre os dez e os quatro anos. Juca Valentim, Justino e Vicente Pinto de Andrade, Aldemiro da Conceição, Gilberto Saraiva de Carvalho, Nado Teixeira, Caito, Marito, Jaime Cohen, Alcino, Carlos Jorge, Ferreira Neto e Tó Lengue, entre muitos outros jovens de 19-20 anos, foram enviados para os campos de concentração de Bentiaba (São Nicolau) e Chão Bom (Cabo Verde).
No campo, a actividade política clandestina era muito forte, diz “Manbelé”, que se lembra das aulas nocturnas que uns presos davam a outros.
“Manbelé” lembra emocionado a homenagem que fizeram a Diogo de Jesus, morto em combate em 1970, na Região Leste.
Com o 25 de Abril, co-meça a libertação dos presos políticos e “Manbelé” sai do campo de Bentiaba em 17 de Maio, rumando de autocarro para Luanda, onde se reintegra na Base Naval e posteriormente en-tra para as estruturas de Defesa e Segurança no Huambo, Cuando Cubando, Uíge e Luanda até aos anos 90, quando se reforma e adquire o estatuto de anti-go combatente.

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