Opinião

Sonhos nobres do Segunda

Há vinte anos eu estava com o Segunda Amões em Miami apreciando os edifícios maravilhosos da cidade. Lembro-me como ontem que eu disse ao Segunda que nunca seria possível construirmos cidades como Miami em Angola - que tal empreendimento só poderia acontecer em vários séculos. O Segunda virou para mim e disse que se podia sim construir, mesmo em regiões remotas como a nossa do Chiumbo podiam ter casas e edifícios tão bons como nos Estados Unidos durante as nossas vidas.

19/10/2018  Última atualização 09H25

Estou a escrever isto numa sala que faria um agente imobiliário americano falar em línguas por ser elegante, sofisticada, prática. Estou aqui na aldeia Camela Amões, no nosso Chiumbo, com a grande montanha de Lumbaganda lá em frente. Vim para ter um descanso que muito precisava e recarregar as baterias criativas. Aqui na Camela Amões estou a ser mimado; eu estou a ler e sendo muito prático consciente de como tudo evoluiu. A Camela Amões, aldeia que conheci em 2003, é um exemplo vivo do que pode acontecer quando um patriota com meios começa a realizar os seus sonhos nobres. E agora não é só Camela Amões - as operações, de criar casas de qualidade a um preço acessível para os cidadãos, estão na aldeia seguinte da Cavava.
Outro dia, eu estava com o Segunda quando fomos visitar o hospital da Camela Amões. O Segunda virou-se para mim e disse que o objectivo era, dentro de alguns anos, garantir que as populações na área tivessem o mesmo nível de saúde que na Noruega. Aqui na Camela Amões, já assisti a reuniões em que alguns aldeões estavam cépticos das propostas que o Segunda estava a avançar; hoje vejo eles com sorrisos luminosos, profundamente orgulhosos do desenvolvimento na sua aldeia. Quando o Segunda fala de saúde ao mesmo nível da Noruega temos, sim, que o levar a sério. Quando ele fala de criar uma Suíça nas lindíssimas montanhas do Planalto temos que lhe levar a sério.
O romancista peruano apresentou-se como candidato à presidência nas eleições de 1990 no Peru. LLosa ganhou na primeira volta mas perdeu na segunda contra o agrónomo de origem Japonesa o Alberto Fujimori,que insistia que LLosa era um sonhador - que o Peru nunca poderia ser transformado numa Suíça ou Reino Unido. A ideia de um Peru ao nível de uma Suíça até inquietava muitas pessoas com interesse no status quo. Tenho o mesmo sentimento quando o Segunda Amões fala de saúde ao nível dos noruegueses. É que o longo processo colonial e as suas várias formas de colonização incutiu no Africano uma falta de autoconfiança que está a ser difícil de superar. Muita gente que vem para a Camela Amões e vê o grande trabalho que está a ser feito pergunta logo aonde estão os portugueses, chineses, sul-africanos ou americanos. A Camela Amões está a ser construída por Angolanos. O Segunda Amões é mestre a identificar talento local - gente que ganhou experiência trabalhando em vários sectores e gente pronta a aprender de gente que sabe.
O Segunda Amões é um sonhador nobre e, claro, muito prático. Quando se tratava de resolver o grande problema de escrever na lua, os americanos gastaram milhões para inventar uma lapiseira que resistisse à falta de gravidade no espaço; os russos tinham uma opção muito simples e barata - utilizar lápis. Vejo o Segunda Amões optando pela praticabilidade dos Russos.
Aqui na nossa área, no período em que os Missionários Americanos tiveram muita influência, havia campanhas para a recolha de lixo, evitar a existência de poços onde os mosquitos podem procriar, lavar as mãos com regularidade, construção de latrinas eficazes. O outro dia no Manico, a minha aldeia ancestral que fica perto da Camela Amões, um mais-velho disse-me que o famoso missionário americano John Tucker organizava sessões sobre boa nutrição; a filosofia era de que tudo tinha que ser feito para evitar com que o cidadão tivesse que ir ao hospital em primeiro lugar. O Segunda Amões concorda com esta forma de ver as coisas e está sempre a bater na tecla da importância da higiene na aldeia. Na semana passada aqui na Camela Amões tivemos um grande workshop, em que várias ONG participaram, para promover o hábito de lavar as mãos . Os alunos da escola Valentim Amões actuaram ao público numa peça de teatro com a mensagem sobre o valor de lavar as mãos.
Como em várias partes do continente africano, não existe, nas comunidades tradicionais, um hábito de fazer consultas com regularidade. No dia em que houve o workshop de lavar as mãos, houve jovens estudantes de enfermagem vindos do Huambo a educar o público sobre doenças como hipertensão e diabetes. No hospital da Camela, os cidadãos têm acesso estes testes sem ter que pagar. Na escola, por cá, dá-se muita ênfase em ensinar os alunos sobre uma vida saudável. Não tenho a mínima dúvida que as crianças que vi da creche Camela Amões irão agradecer um dia o Tio que acreditou que eles tinham, também, o direito a uma saúde de qualidade como os outras nos países mais avançados.