Reportagem

Angolanos perderam a capacidade de poupar

Actualmente, a maioria dos cidadãos angolanos não consegue efectuar poupanças, devido à perda do poder de compra, motivado pela subida galopante dos preços dos bens e serviços, que se repercutem na qualidade de vida da população, principalmenre de baixo rendimento.

31/10/2018  Última atualização 10H11
Edições Novembro © Fotografia por: Restiny apela ao Executivo a criar medidas a fim de inverter o actual quadro

Interpelados pelo Jornal de Angola, alguns cidadãos foram unânimes em afirmar que devido ao mau momento financeiro que Angola atravessa, não conseguem fazer poupanças.
Mário Jorge, funcionário público, disse que antes de o país mergulhar na crise financeira, auferia 43 mil kwanzas e conseguia com o seu salário comprar a alimentação para a famíia, algumas peças de roupa para os filhos, dar um avanço na obra de casa e, ainda assim, poupar algum dinheiro.
Mas, actualmente, com 115 mil kwanzas de salário, não consegue suprir as mesmas necessidades de quando ganhava menos. Contou que, em 2013, comprava uma caixa de coxas de frango por 1.800 kwanzas, mas, neste momento, o produto é adquirido a cinco mil kwanzas.
“Naquela altura, com dez mil kwanzas, conseguia comprar a cesta básica completa, que aguentava o mês todo”, frisou, para acrescentar que, agora, com 30 mil kwanzas, não consegue comprar alimentos para o sustento da família.
Mário Jorge explicou que para suprir as outras necessidades, que o seu salário não cobre, tem de recorrer a empréstimos. "E nos dias de hoje, ninguém empresta dinheiro para devolver sem juro."
Mário Jorge salientou que devido à crise financeira o seu salário não chega até ao meio do mês seguinte.
“Quando recebo o ordenado, três ou quatro dias depois fico sem dinheiro, porque ele já tem um caminho direccionado, no-meadamente a alimentação, a propina da faculdade, a escola do filho, o sinal da televisão, o pagamento da água,da energia e outras despesas.”
Mário Jorge disse que está há quatro anos sem conseguir dar um avanço na obra de casa, apesar de hoje auferir um salário superior ao de anos atrás.
Raimundo Domingos, também funcionário público, já não se lembra da última vez que conseguiu poupar dinheiro, desde que a crise financeira se instalou no país. “O meu salário sai do mesmo jeito que entra”, disse para acrescentar: “Antes da crise financeira, eu conseguia fazer poupanças, que me aguentava até ao final do mês seguinte, mas, hoje, nem sequer dez dias ele faz”, lamentou.
Pulquéria Marta, professora, entende que só seria possível fazer poupança se os preços dos produtos no mercado baixassem. A educadora sublinhou que por mais vontade que se tenha de poupar, o actual custo de vida não permite.
Quem corrobora da mesma opinião de Pulquéria é Imaculada Manuel, que disse ser impossível, nos dias que correm, viver apenas do salário. Contou que a maior parte do seu salário, se não todo, tem servido apenas para as despesas de casa.
Para não recorrer constantemente à dívida, contou que joga “kixiquila” com os colegas de serviço, uma opção que, segundo nos contou, tem permitido resolver várias situações que o salário, em si, não conseguiria.
“É difícil fazer poupança quando no mercado os preços não param de subir”, salientou.

Custo de vida aumentou

Restiny Henriques, formado em Gestão, disse que o facto de as pessoas não estarem a efectuar poupanças não significa que estão a gerir mal os seus rendimentos, mas porque o custo de vida no país aumentou, o que tem estado a dificultar a vida das famílias.
 Autor do livro "Estabilizar a Economia e Valorizar o Kwanza", o especialista acrescentou que com a desvalorização da moeda nacional, o poder de compra dos angolanos reduziu-se significativamente, por causa da inflação.
"Em função disso, muitas pessoas perderam a capacidade de poupar", frisou.
Restiny Henriques explicou que a actual fase financeira que o país atravessa faz com que muitas famílias deixem de ter excedente nos seus ordenados para poupança. "Não acredito que as pessoas estão a conseguir poupar como gostariam", declarou.
 A perda da capacidade de poupar, alertou o gestor, pode afectar negativamente o funcionamento dos bancos comerciais, que precisam desses valores para, entre outras tarefas, darem crédito aos clientes que solicitam. O gestor apela ao Executivo para trabalhar no sentido de inverter o quadro, pelo facto de a ausência de poupança privar as famílias de certos bens essenciais para a sua sobrevivência.
Restiny Henriques disse que em caso de doença, se a família não tiver alguma poupança pode perder um dos seus membros desnecessariamente. "É a poupança que nos livra de situações imprevisíveis", realçou.
Apesar de o actual momento financeiro do país não permitir que muitas famílias façam poupanças, Restiny Henriques aconselha as mesmas a fazerem um esforço, no sentido de pouparem algum dinheiro. "É muito arriscado caminhar sem poupança, devido aos actos imprevisíveis que pode surgir a qualquer momento e, muitas vezes, quando o salário ainda não caiu."
O Dia Mundial da Poupança, que hoje se assinala, foi criado com o intuito de alertar os consumidores para a necessidade de disciplinar gastos e de amealhar alguma liquidez, de forma a evitarem situações de endividamento. A ideia de criar uma data especial para promover a noção de poupança surgiu em Outubro de 1924, durante o primeiro Congresso Internacional de Economia, realizado em Milão.

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