Cultura

Carlos Burity revisita o semba em concerto na Inglaterra

Um dos grandes méritos de Carlos Burity, a par de outros não menores, foi o de ter resistido às grandes convulsões ocorridas ao longo da história da Música Popular Angolana.

11/02/2019  Última atualização 07H32
JOSÉ COLA © Fotografia por: Carlos Burity retrata a "cultura endógena dos musseques de Luanda".

Cantor e compositor, Burity ressurgiu com o álbum “Angolaritmo”, gravado em 1991, depois de um silêncio discográfico ocasionado pelo encerramento dos mais importantes estúdios de gravação em Angola, em 1975,e pela dispersão involuntária de alguns dos mais notáveis instrumentistas do Semba.
A ousadia e o virtuosismo de Carlos Burity, embora acusem laivos de modernidade e inéditas propostas instrumentais, assentam na expressividade artística e vivência, directa, da cultura endógena dos musseques de Luanda. Os últimos álbuns de Carlos Burity denotam a intenção de aprimorar a tradição sonora do Semba, cantado nas principais línguas nacionais, dialogando, num processo de inclusão e fusão, com instrumentos característicos da música clássica, violino no tema “Makamba”, do CD “Uanga”, 1998, incluindo segmentos rítmicos da estética musical contemporânea e universal, com incidências na pop- music, funk e hip-hop.
As práticas artísticas no seu processo de fluidez natural, valorizam e reformulam os feitos, e, inversamente, as rupturas abandonam os fraseados musicais repetidos ou considerados, do ponto de vista estético, ultrapassados e pouco funcionais. No passado, a passagem da fase acústica do Semba ao período de introdução dos instrumentos eléctricos ou electrificados contribuiu, de forma positiva, para a modernização do Semba.

Modernização
Três vectores de análise ajudam-nos à formulação teórica do surgimento daquilo que designamos por modernização, ou, na melhor das hipóteses, por “Novo Semba”. Num primeiro momento, a aparição da Banda Maravilha, com Carlitos Viera Dias.
O segundo momento, a dimensão internacional da banda Semba Masters, com Bonga, incluindo as produções e arranjos do guitarrista Betinho Feijó, e, por último, o ressurgimento apoteótico de Carlos Burity com os discos “Angolaritmo” (1991),“Carolina”, 1992, “Massemba”, 1996, “Uanga”, 1998, “Zuela ó Kidi”, 2002, “Paxiiami”, 2006, e, mais recentemente, o álbum “Malalanza”, em 2010.
Carlos Burity tem vindo a construir a sua obra como intérprete, socorrendo-se de vários compositores angolanos. De Lulas da Paixão interpretou “Mukajami”, “Menina uemita” e “Lito”; do compositor Xabanú, “Santo António Kamba Diami”, “Kimbangula”, José Oliveira de Fontes Pereira, “Zumbi dyá Papá”; Filipe Mukenga, “Kilundo”; Filipe Zau, “Velho Andjolo” e Paulino Pinheiro, “Luzingo Luami”. Ainda na senda da modernização, Carlos Burity inverteu uma prática, muito comum desde a época colonial, de concentrar, numa só figura, a autoria das canções e a sua interpretação.

Percurso
Filho de Fernando Gaspar Martins e de Maria Carolina Nunes Burity, Carlos Fernandes Burity Gaspar nasceu em Luanda, no dia 14 de Novembro de 1952 e viveu parte da adolescência no Moxico onde integrou, em 1968, a formação pop-rock “Cinco mais um”, com Catarino Bárber e José Agostinho, o último do Duo “Misoso”, com Filipe Mukenga. À época era frequente ouvi-lo interpretar, em bailes e bares conhecidos da cidade do Moxico, sucessos da época, sobretudo, a música italiana do cantor Giani Morandi, canções do brasileiro Teixeirinha e clássicos da canção francesa, experiência que em muito contribuiu para a sua disciplina vocal e arranjo, continuado, do timbre.
Catarino Bárber era funcionário da Aeronáutica Civil e dava aulas de canto em casa. “Reconheço ter sido uma experiência muito útil para a minha formação como cantor”, recorda, nostálgico, Carlos Burity. Próximo das turmas e da movimentação dos grupos de Carnaval luandenses, Carlos Burity já era, nos princípios dos anos 70, figura de cartaz na Sede Social de São Paulo, importante centro cultural de recreação da cidade de Luanda, alinhando, como vocal, em agrupamentos musicais consagrados, tal como os Kiezos, Negoleiros do Ritmo, África Show e Águias-Reais.

Discografia
Para além dos discos referidos, Carlos Burity gravou, em 1974, com o Grupo Semba, uma selecção de consagrados instrumentistas angolanos de estúdio, o seu primeiro single, que inclui os temas “Ixiiami” e “Recado”. Neste mesmo ano dividiu o palco com David Zé e Artur Nunes, num grande concerto realizado na Cidadela Desportiva de Luanda, promovido pelo empresário Palma Fernandes e Ambrósio de Lemos (ALPEGA). O single que inclui os temas “Inveja” e “Memória de Nelito” surgiu no mercado em 1975, en-quanto o disco “Especulador”, um tema de pendor satírico que marcou a entrada de Carlos Burity no universo da música de intervenção, que inclui a canção “Desaparecimento do Moreno”, foi gravado com o agrupamento os “Kiezos”, em 1976. Em 1983, Carlos Burity juntou-se ao “Canto Livre de Angola”, um projecto do cantor brasileiro Martinho da Vila e do empresário Fernando Faro, que levou ao Brasil nomes como Filipe Mukenga, André Mingas, Dina Santos, Pedrito, Elias diá Kimuezo, Rebita do Mestre Geraldo, Mamukueno e Joy Artur, que foram acompanhados pelo agrupamento Semba Tropical, e participou, integrado no mesmo projecto, na gravação do LP “Semba Tropical in London”, em 1983.

Concerto
Realizado pelo EMF Group com produção da Chelsea Bistro, o concerto de Carlos Burity, marcado para o próximo dia 16 de Fevereiro na sala “Sangam Theatre Venue” em Londres, no âmbito da Gala de São Valentim, dia dos namorados, terá a participação dos artistas Nandinho Semedo, autor do sucesso “Melissa”, Dry Bolls e do DJ Ricardo Pemba. Carlos Burity será acompanhado por uma banda de músicos de selecção local, que tem estado a ensaiar, com acuidade, os seus principais sucessos discográficos.

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