Opinião

Alteração de mentalidades passa a combate prioritário

Nesta Angola de contradições, que se dispensam, na qual chocam opulência ostensiva e pobreza extrema, seriedade e desvergonha, competência e mediocridade, parece enraizar-se, a cada instante, a máxima “vale mais cair em graça do que ser engraçado”.

28/03/2019  Última atualização 08H46

Os exemplos daquelas disparidades, que parece avolumarem-se dia-a-dia, saltam à vista da maioria da população. Mesmo que alguns dos que a compõem não os entendam. Ou finjam não entender. Na esperança, muitas vezes, de um dia virem a cair em graça. Sempre houve, há e vai haver gente assim. Sã os clássicos caxicos. Capazes de tudo, desde que lhe caiam migalhas nas mãos sem honra.
Não fosse isso, este país, apesar de todos os revezes sofridos por causa de uma guerra atroz, que lhe atrasou o desenvolvimento, permitiu a pilhagem, dividiu famílias, criou mitos e, mais grave do que tudo, ceifou vidas, não tinha chegado onde chegou. Ainda por cima, todos aqueles males - e muitos mais - deixaram raízes difíceis de cortar, porque resistentes à lisura de processos. Que se lhes opõe. Em desfavor do nepotismo, porventura - e a dúvida é generosa -, a principal praga social deste país. Sempre acompanhado da maledicência, intriga, poses bacocas. Responsável pela criação da grande gatunagem, principalmente, a de “colarinho branco”, que infestou a vida da esmagadora maioria dos angolanos e a economia nacional.
Por tudo isto, caladas as armas que derrotaram sucessivos inimigos e alimentaram lutas fratricidas, o maior desafio deste - e neste - país continua por vencer: a alteração de mentalidades. Que têm de ser despidas de preconceitos de toda a ordem, quase sempre carregados de complexos de inferioridade. Embora, com frequência, se mostre com laivos de sinal contrário, tiques de arrogância, próprios dos inseguros, incapazes de reconhecer debilidades. Como se houvesse alguém sem as ter. Que super-mulheres e super-homens somente existem nos livros de aventuras que preencheram parte da infância de muitos de nós.
Estes complexos resultam numa atracção escandalosamente doentia por tudo o que vem de fora, preferencialmente da Europa e dos Estados Unidos. O que torna muitos de nós - bastava um para ser muito - reverentes a modas que nada têm a ver connosco. Como se aquelas paragens fossem “mares de rosas”, paraísos terrenos. Lá, a par de gente honrada como cá, também há nepotismo, ladroagem “bem posicionada”, ricos com dinheiro roubado.
Angola, além de todas as outras condicionantes, é um país novo. Naturalmente, com falta de técnicos e trabalhadores qualificados em todas as áreas. Pelo que os estrangeiros dispostos a ajudar são bem-vindos. Desde que abertos a passar conhecimentos, sem imposição de modelos avessos à nossa realidade, e a recebê-los, numa partilha saudável. Se assim não for, fiquem onde estão e procurem outras paragens para ganhar dinheiro. Dispensam-se, de igual modo, os que ao atravessarem o Equador presumem ter ganho direito à arrogância. Os apologistas do paternalismo também podem ficar na terra que os pariu. Venham apenas os dispostos a cumprir e justificar o estabelecido em contrato. E jamais sirvam de transportadores de dinheiro que lhes não pertence. Assim, nem nós, nem eles ficamos em dívida.
O amanhã deste país passa, obrigatoriamente, pelo êxito registado nos sectores da Educação, Saúde, Habitação, Água, Luz, Ambiente, Agricultura, Pescas, Emprego, Justiça, Cultura. Para podermos cumprir cabalmente a divisa “corrigir o que está mal, melhorar o que está bem”. Quando tal suceder, a vitória no combate pela alteração de mentalidades está muito mais próxima. Também a necessidade premente de “importarmos” tantos quadros e mão-de-obra estrangeiros deixou de existir, a gatunagem de “colarinho branco” enfraquecida, com o esbatimento do nepotismo. Porque a palavra vergonha, um dia, vai ter sentido em toda a Angola. E ninguém sem aptidões há-de querer cair em graça.