Reportagem

“Estamos sempre preparadas para prestar socorro”

A guarda de honra segue em passos firmes e determinados para a tribuna montada no pátio do Comando Provincial de Protecção Civil e Bombeiros na Huíla. Os elementos do pelotão da guarda de honra protegem a porta-estandarte nacional, a subinspectora bombeira Elizandra Calipe, que leva com responsabilidade e orgulho o símbolo nacional.

31/03/2019  Última atualização 11H32
Edições Novembro

A apresentação do pelotão à tribuna composta por ocasião da abertura da formação sobre prevenção e extinção de incêndios e salvamento de vidas correu com êxito. É dada a ordem para a integração da guarda de honra junto das tropas.
Está cumprido mais um procedimento das forças e a cerimónia segue a preceito. A porta-estandarte Elizandra Calipe expressa a emoção e a responsabilidade de carregar nos ombros o símbolo nacional diante de altas patentes do Ministério do Interior, do Serviço de Bombeiros e de convidados.
“A bandeira tem um significado importante para o país. É uma responsabilidade muito grande, sobretudo, porque foi a primeira vez que o fiz. Foi uma emoção enorme cumprir esta responsabilidade de porta-estandarte”, afirma, visivelmente emocionada.
Há 10 anos no Serviço de Protecção Civil e Bombeiros, Elizandra Calipe, que ascen-deu por mérito à chefe de secção de Extinção do Comando Provincial da Huíla, conta que o dia-a-dia da bombeira vai além da apresentação de porta-estandarte em cerimónias do género.
A subinspectora bombeira conta que ela e as colegas têm responsabilidades acrescidas, por serem mães e afectivas treinadas para lidar com incêndios de pequenas, médias e grandes proporções, nos quais o fim último é salvar vidas e proteger patrimónios.
Elizandra Calipe é peremptória em afirmar que o lema do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros “dar vida para salvar vida” encaixa-se bem nas mulheres bombeiras.
A chefe de secção de Extinção diz que ser bombeira é gratificante, porque a cada pessoa resgatada viva de um sinistro é uma alegria para os parentes e para a sociedade. “Temos muitas situações de sinistralidade e temos que estar prontas para intervir e dar resposta a qualquer ocor-
rência nas comunidades. A nossa responsabilidade é dupla. Somos mães. Cuidamos dos filhos. Somos bombeiras. Salvamos vidas”, afirma, orgulhosa.

Performance na reacção


As mulheres do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros estão treinadas para reagir e actuar com a mesma eficiência, dinamismo e performance que os efectivos masculinos da unidade.
A chefe de secção de Extinção explica que, desde o momento do toque do sinal de chamada, todos os elementos têm cinco minutos como tempo de reacção. Elizandra Calipe diz que o intervalo de tempo para a reacção é igual tanto para homens como para as mulheres.
Fardas a rigor e prontas para actuarem em qualquer eventualidade, as senhoras estão treinadas a manejar com brio os meios técnicos à disposição do Comando Provincial de Protecção Civil e Bombeiros na Huíla.
As mulheres bombeiras vivem a vida em alerta máxima. A subinspectora argumenta que o dia-a-dia é de atenção redobrada, pois ninguém sabe quando vai ser chamada para cumprir uma missão que envolva vida.
“Estamos sempre em prontidão. Temos quase as antenas ligadas”, brinca, antes de acrescentar, “conhecemos os meios para extinguir incêndios, resgatar e salvar. Sabemos que logo que o sinal é accionado, devemos partir, mas não sabemos que tipo de sinistro se vai enfrentar. Por isso, estamos sempre preparadas para prestar socorro. Corremos risco, sim. Mas sempre é um risco que vale a pena.”
A subinspectora informa que o trabalho de uma bombeira, de forma geral, vai além de extinção de incêndios. Elizandra Calipe disse que as mulheres bombeiras também participam nas missões de resgate de pessoas soterradas, cadáveres, palestras de sensibilização, doação de sangue, asseguramento a grandes eventos e outras operações.

A bombeira “repórter”


Luceneide Camota, incorporada há 5 anos, gosta da profissão, por ser a materialização do sonho de infância. A operadora de câmara conta que superou o tabu para ingressar na profissão e exerce com prazer, zelo e dedicação as missões emanadas dos superiores hierárquicos.
Como mulher, Luceneide Camota entende que ser bombeira acrescenta valor a natureza feminina, pelo facto de a profissão exigir doação por uma causa nobre. Sublinha que, pela sua natureza, a mulher se envolve de corpo e alma para cuidar de vidas. “Não vejo problema nenhum em ser bombeira. Não há diferença. Há muito tabu, porque as mulheres são sensíveis, mas é muito bom e faço com muito gosto.”
Formada em Comunicação Social, Luceneide é “repórter” de imagens colocadas no Gabinete de Comunicação Institucional do Comando Provincial. Acredita que tem a sorte de combinar o sonho de ser bombeira e a paixão de captar imagens.
Luceneide Camota pretende fazer carreira e crescer profissionalmente na corporação, por isso não pára de estudar e frequentar as formações promovidas todos os anos pela direcção.

Risco e adrenalina


Com 5 anos de casa, Elizandra João ingressou na profissão para conseguir emprego, mas agora ganhou o gosto por extintores, botijas de ar comprimido, botas antiderrapantes, coletes salva-vidas, capacetes, mangueiras de extinção de incêndios, viaturas pronto-socorro pesado e outros meios.
A jovem afirma que servir os Bombeiros é neste momento a melhor coisa que sabe fazer. “O risco e a adrenalina de salvar vida tornam a nossa missão mais bonita e nobre”, garante. Sem se envaidecer, afirma que o trabalho bem feito galvaniza e inspira a proteger vidas humanas e bens materiais.

Beleza e seriedade


Baton suave nos lábios e penteados refinados sustentam as boinas azuis. Luvas e botas ataviadas. O aprumo da farda, associada à beleza natural, chama atenção das mulheres que dão o ar da sua graça nos Bombeiros da Huíla.
A agente bombeira, Luceneide Camota sublinha a importância de estar-se bem apresentada e dentro dos patrões de beleza. Mas argumenta que acima da beleza e do aprumo está a seriedade de uma profissão regrada, exigente e desafiante.
A subinspectora Elizandra Calipe disse que a bombeira deve estar bem arrumada e há momento próprio para se aplacar ou aturar poeiras e fumos. A preparação e os cuidados com a beleza devem ser feitos sem exageros, que desabonem as normas e a boa conduta da corporação. “Além de sermos bombeiras, somos mulheres. Temos auto-estima e precisamos de estar preparadas como tal. A beleza também conta. Só não podemos exagerar para não estar fora dos regulamentos”, salientou.
A gestão da vida familiar e profissional exige também seriedade e disciplina. Elizandra Calipe diz que é preciso ter capacidade para gerir a vida pessoal e o trabalho, pois em “qualquer situação, temos que largar a família para dar resposta e salvar vidas”, disse.

Momentos marcantes


O perfil profissional das bombeiras está cheio de histórias emocionantes. Entre as várias intervenções, cada uma traz na memória um momento marcante. Há no meio do empenho e espírito de sacrifício muitas histórias de sucessos e insucessos. Os insucessos levam à reflexão e ao aprimoramento dos métodos de prevenção e actuação e os sucessos motivam.
A extinção de um incêndio de grandes proporções num armazém no bairro Lucrécia, no Lubango, faz parte da lembrança de Luceneide Camota. “A vida tem destas coisas. Há vezes que somos surpreendidas por catástrofes em que não podemos fazer nada. Mas, sempre que a situação estiver ao nosso alcance, damos o nosso máximo para o melhor”, afirma Luceneide Camota.
A subinspectora Elizandra Calipe regista na memória a morte de mais de 20 mulheres e crianças arrastadas pelo aluvião no rio Capitão, no bairro do Chioco, arredores do Lubango. “Ficou gravado na memória como acontecimento triste. Foi repentino e não tivemos tempo de agir, porque foi tudo muito rápido. Apenas deu tempo para resgatar os corpos arrastados pela força das águas. Foi muito chocante fazer o resgate dos corpos dessas pessoas”, lamentou.
Elizandra João tem memória de uma situação alegre: o salvamento de um jovem que pretendia protagonizar suicídio na Fenda da Tundavala. Graças à pronta intervenção da equipa, foi possível convencer o jovem e evitar o suicídio. “Foi um trabalho exitoso. Usámos todas as tácticas e argumentos psicológicos e motivacionais para convencer o jovem que a solução não era lançar-se no buraco e tirar a própria vida. Depois de muita insistência, o jovem percebeu e desistiu do suicídio”, afirma.

Agentes da paz


Para as bombeiras, a paz é mais do que o calar das armas. Há uma guerra silenciosa que as bombeiras enfrentam para mudar as mentalidades, sobretudo nas medidas de segurança.
Para os agentes da Protecção Civil e Bombeiros, a paz representa a ausência de ocorrências de sinistros fatais nos lares das famílias angolanas. As bombeiras assumem a alcunha de “agentes da paz.” Por isso, sensibilizam as famílias para adoptar comportamentos preventivos, para que todos os cidadãos sejam agentes de paz e promotores de vida.
A chefe de secção de Extinção, Elizandra Calipe, aconselha que uma das medidas de prevenção é evitar deixar velas acesas ao alcance das crianças, porque a maioria dos incêndios registados pelas corporação são provocados por menores que brincam com o fogo.
“Os pais devem ter muito cuidado em deixar as velas ao alcance das crianças, porque é muito perigoso.” Aconselha, igualmente, a “não ligar várias fichas numa tomada, porque pode causar curto-circuito e as faíscas provocarem chamas nas cortinas. Os pais devem aconselhar os filhos a evitarem tomar banho nos rios, porque em épocas chuvosas é arriscado pelo aumento dos caudais. A força e o nível das águas podem arrastar as crianças ou provocar afogamento”, apelou.
A agente bombeira colocada no Gabinete de Comunicação Institucional, Luceneide Camota, disse que as mulheres do comando estão em prontidão para actuar. Realça que a sensibilização é uma das atribuições dos bombeiros para prevenir o risco de ocorrência de sinistros.
Habituada a enfrentar incêndios de todas as proporções, apela às famílias para acatarem as medidas de prevenção transmitidas nas palestras e nos meios de comu-
nicação social públicos e privados. “Mais vale prevenir do que remediar. Aliás, prevenir é mais barato do que actuar sobre um sinistro, pois vidas humanas, bens materiais e outros patrimónios são postos em risco sempre que há fogo. Por isso, apelo à prevenção, sempre”, exortou.

Igualdade


As mulheres bombeiras na Huíla desempenham as suas funções numa unidade constituída maioritariamente por homens. Mas nada disso intimida. Estão determinadas e motivadas por uma causa suprema. A salvação de vidas estimula o empenho das senhoras nas fileiras do Corpo de Bombeiros na província da Huíla. Elizandra Calipe conta que os colegas masculinos sabem que podem contar com elas para todas as missões. “Quando há sinistros, também intervimos com o mesmo espírito que move qualquer bombeiro”, diz, sem parar por ali.
Elizandra disse que na unidade não há distinção entre homens e mulheres. A jovem explica que, quando está no comando e sobretudo em missões de resgate e salvamento, deixa de lado o espírito feminista e assume o profissionalismo para realizar com êxito o trabalho. “Temos os mesmos direitos e cumprimos os mesmos deveres. Aqui, homens e mulheres vestem a mesma farda. Pegam a mesma mangueira, enfrentam a mesma proporção de incêndios ou fogos com um objectivo de salvar vidas e proteger bens patrimoniais. Somos formados para a mesma missão”, argumenta.
Já Luceneide Camota destaca o sentimento de união entre os colegas. Salienta que o relacionamento entre as mulheres e os agentes masculinos é exemplar. Sublinha que o adágio popular “a união faz a força” faz sentido no seio dos efectivos da Protecção Civil e Bombeiros. “A nossa profissão exige trabalho em equipa. Não é possível fazer nada sozinho. O nosso relacionamento assenta na irmandade e profissionalismo. Os homens nutrem respeito por nós e nos ajudam a alcançar êxitos. É uma relação de mútua colaboração”, disse.
A bombeira Elizandra João sente-se motivada a cumprir missões de espantar e dispersar abelhas, protecção de aeronaves e extinguir fogos, ao lado dos colegas masculinos. Disse que dominar a técnica não é tarefa fácil. Elizandra percebe que a preparação é o segredo para conseguir lidar com o material.
O agente bombeiro Feliz António disse que a actuação dos bombeiros não distingue géneros. Refere que as mulheres que decidiram enquadrar-se no Serviço de Protecção Civil e Bombeiros sabiam dos desafios.
Feliz António reconhece que as mulheres são fundamentais em todas as operações. O agente bombeiro faz rasgados elogios às colegas de farda, muitas das quais “estão muito aperfeiçoadas e demonstram destreza e prática melhores que alguns homens.”
Reconhece a capacidade das mulheres bombeiras que, por natureza, são sensíveis mas conseguem relegar a sensibilidade para segundo plano quando estão no terreno. “Aprendemos que, durante a nossa actuação, devemos agir como profissionais independente dos sentimentos e emoções. As minhas colegas assimilaram muito bem os detalhes do treinamento e dão conta do recado sem problemas”, disse.
“Parceiras de chamas”
O porta-voz do Comando de Protecção Civil e Bombeiros, terceiro subchefe bombeiro Inocêncio Hungulo, informou que o número de mulheres que todos os anos ingressa na corporação aumenta de forma gradual e muitas delas ocupam cargos de chefias. Esclarece que há bombeiras a ocuparem cargos de comandantes e segundos comandantes municipais, chefe de secções e que têm sabido cumprir com as suas responsabilidades. “O género está bem representado na nossa unidade e, por competência, muitas colegas têm merecido apostas para ocupar vários cargos”, assegurou, afirmando que as mulheres são “parceiras de chamas.”

Recado às aspirantes


As profissionais do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros estão galvanizadas. O espírito de prontidão inspira outras mulheres a alistarem-se na corporação
As bombeiras incentivam outras mulheres a tomarem a decisão de seguir em frente, caso seja o seu sonho.
Experiente, Elizandra Calipe diz às senhoras que sonhar não é suficiente. É preciso uma preparação continua e ir à luta. Defende a aposta na formação académica e profissional para que, quando surgir a oportunidade, estejam prontas para corresponder com as expectativas e os requisitos deste órgão do Ministério do Interior.
“A formação deve estar sempre em primeiro lugar. As mulheres que sonham em ser bombeiras devem lutar por isso. Quando houver concurso nos órgãos do Ministério do Interior, mais concretamente na Protecção Civil e Bombeiros, as vagas estarão disponíveis para homens e mulheres. Os preparados podem ser admitidos.”
Alerta que estar incorporada nos Bombeiros não significa só receber salário. Mas há trabalho duro, que exige disponibilidade, esforço e robustez física para lidar com situações complicadas para salvar vidas. Camota apela à tomada de decisão de quem deseja ser bombeiro.
Elizandra João sublinha que, por meio de treinamento, dedicação e empenho, é possível ter a performance que faz dela uma das bombeiras que caminha para o profissionalismo. “Não é fácil mas é possível”, incentivou.
O agente bombeiro Feliz António alerta às mulheres interessadas em ingressar no Serviço de Protecção Civil e Bombeiros que o que se vai encontrar não é um mar de rosas. Acrescenta que a profissão tem prós e contras, porque quem ingressa na cooperação deve doar-se por completo.
“É um trabalho que exige muito esforço, não só físico como também mental. Temos que estar preparados para aquilo que vamos encontrar. Devo incentivar as senhoras a concorrerem porque é um trabalho que dignifica não só o homem mas também a mulher”, disse.

Formação sobre salvamento

A formação dos efectivos é prática do Comando de Protecção Civil e Bombeiros na Huíla. As mulheres estão em peso no curso deste ano de instrução.
O curso aberto pelo comando provincial, segundo o comissário bombeiro José Pinto, beneficia 45 afectivos seleccionados nos quartéis dos 14 municípios da província da Huíla e consta da estratégia de formação contínua dos quadros da corporação.
A formação com a duração de três meses lança as bases formativas para a preparação e superação permanente dos efectivos em matéria de salvamento de vidas, tendo em atenção os desafios que se impõe a nível profissional.
“Tenho a certeza de que é o início de uma longa trajectória profissional. Assumimos o compromisso de que, a partir de Angola, os formadores vão trabalhar para que os resultados preconizados sejam atingidos”, defendeu.
José Pinto afirmou que o Comando do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros na Huíla está atento às questões relacionadas com a superação técnica especializada dos quadros, aplicação de normas e procedimentos técnicos universalmente convencionados.
O comissário bombeiro disse que a instrução aborda também temas ligados à educação patriótica, atendimento pré-hospitalar, democracia, direitos humanos, legislação complementar e conceitos relativos ao sistema de protecção civil.
“Devemos ter em conta que o conhecimento deve ser partilhado. Por isso, sejam audazes, coloquem as dúvidas e contribuições no decorrer da formação. Só assim, iremos corrigir as deficiências e superar as dificuldades vivenciadas nos quartéis”, disse.

 

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