Opinião

Os hackers são mesmo piratas?

Na minha adolescência li todos os livrinhos do capitão Morgan. Um pirata dos mares que fazia aproximação, lançava cabos, fazia amarrações ao navio a assaltar, ele e seus marinheiros derrotavam com espadas e lanças os assaltados, matavam tudo, saqueavam, faziam o transbordo da mercadoria e deixavam o barco derrotado a incendiar. Os livrinhos não tinham ilustrações, só a capa com o capitão de vermelho e preto, botas até ao joelho, uma pala na vista direita e a bandeira preta do barco com uma caveira e dois ossos atravessados e de cor branca.

18/04/2019  Última atualização 07H55

Só mais tarde soube que a palavra pirata é de origem grega e que, sumariamente, significa alguém que de forma autónoma ou organizada em grupos, cruza os mares para saquear e pilhar navios e assalta cidades para obter riquezas e poder.
A história esqueceu demais que muitos dos nossos antepassados que foram obrigados a entrar nos barcos negreiros como escravos com destino ao Brasil, assistiram a ataques de piratas e foram roubados por piratas e vendidos para outro destino.
A história da pirataria vai, principalmente, do séc. XVI a XVIII. O corso (pirata ou corsário) Manuel Pessanha foi contratado pelo rei português D.Dinis (séc. XIV) para pirata que ficava com um quinto da riqueza dos barcos e com os navios e as armas destes. A partir de 1443, os piratas portugueses, passam o tributo, tal como pagavam a D. Dinis, o tal quinto, para o conde D. Henrique. Quem diria que Vasco da Gama, na Índia também atacou embarcações. Era assim que os portugueses deviam ter começado a ensinar história à minha geração…
Já no séc. XX, o capitão Henrique Galvão, português antissalazarista, mais uns cambas de esquerda, inauguraram um novo tipo de pirataria sem interesse de saque ou riqueza. Assaltaram o navio Santa Maria e andaram com ele fazendo propaganda contra o regime fascista português até abandonarem a embarcação no Brasil. Mais tarde, um grupo de jovens nacionalistas angolanos, com uma pistola no coco do piloto, desviaram a rota de um avião para o Congo. E, por mor de Cristo e Maomé, começou a pirataria aérea que alterou por completo os mecanismos de segurança dentro dos aviões, as polícias de fronteiras e novas regras sobre controlo de bagagens e revista dos passageiros.
A evolução da tecnologia quase coloca já o homem a ser ultrapassado por aquilo que ele próprio inventou: a robotização que quase nos vai comandar. Nos dias de hoje, os hackers transformaram-se em pessoas problemáticas e temidas como alguém que denuncia todos os adultérios do mundo. Denúncia ou intromete-se na vida dos outros?
Em inglês, o verbo hack quer dizer cortar alguma coisa de forma irregular ou grosseira. A partir dos anos 50 do séc. XX, o termo passou a ser usado para referir uma alteração inteligente em qualquer máquina até que chegou à informática. Aí, grandes empresas contratam hackers para a segurança dos seus serviços informáticos, melhorar o sistema e prevenir ataques. Já se distinguiu ackers de crackers sendo o objectivo destes danificar ou modificar um sistema para obter um tipo de benefício. Mas o mundo boceja ante a figura de dois hackers que andam na ponta das navalhas políticas e judiciais para uma tipologia bifacial entre o interesse público e a intromissão na privacidade de outros.
O activista australiano Julian Assange criou em 2006 o Wikileaks para divulgar injustiças de “regimes repressores.” Em 2007 já havia espalhado mais de um milhão de documentos, incluindo o manual de procedimento militar no Campo Delta da base norte-americana de Guantánamo em Cuba. O activista ensarilhou-se com eventuais crimes sexuais na Suécia, pirou-se para Londres e pediu asilo político na embaixada do Equador. Aí ficou até ter mudado o presidente do Equador e Assange, a pedido da América foi entregue às autoridades inglesas para julgamento mas os americanos querem mais: que o acker seja remetido aos Estados Unidos para lá ser julgado.
O outro famoso hacker, o português Rui Pinto, revelou o submundo da sujeira do futebol. FIFA, UEFA e Federações são parte intocável da sociedade com as suas regras próprias e fazendo girar milhões pelas formas menos lícitas. Este Acker que está preso em Portugal, trazido da Hungria, prestou serviços a estados europeus. Aqui começa a diferença. Há quem defenda que estes dois hackers prestaram serviço público ao mundo e outros que entendem que devem ser condenadas por se intrometerem na vida dos outros, por vezes usando a extorsão.
Sejam quais forem, as posições face ao hackers, vamos comprando antivírus inventados pelos que inventaram os vírus.
Mas o certo é que chegámos a um momento em que a heurística e hermenêutica, ciências auxiliares da história, quase ficam reduzidas a zero. Os historiadores quase não têm a possibilidade de levantar o tapete da humanidade para olhar esse lixo que se esconde à história. O trabalho de um só hacker tem mais quantidade do que mil historiadores. A informática e os hackers vão exigir novas metodologias para repor o lixo que se esconde da história.

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