Economia

Pequenas e Médias Empresas desaparecem por terem sido criadas com capital alheio

Muitas Pequenas e Médias Empresas (PME) morrem cinco anos após a criação. Na maior parte dos casos são criadas apenas com recurso ao crédito bancário.

21/04/2019  Última atualização 07H38
Paulo Mulaza | Edições Novembro © Fotografia por: Autor considera um “caos indecifrável” o ambiente em que as Pequenas e Médias Empresas operam em Angola

Em entrevista ao Jornal de Angola, António Evaristo, deputado do MPLA e autor do livro “Os Obstáculos Sócio-Económicos ao Desenvolvimento das PME em Angola: o caso de Luanda”, assinala que a descapitalização das empresas não é o único estorvo ao seu desenvolvimento. Aponta a fraca capacidade empreendedora e de organização, falta de credibilidade e a flutuação dos quadros como variáveis que condenam as empresas prematuramente, além de muitas delas terem nascido já descapitalizadas. Ao insucesso, juntam-se factores como a concorrência desleal e diminuto fundo de maneio. Para o autor, estes factores, isolados ou combinados, têm sido os principais obstáculos ao desenvolvimento das PME em Angola.

 

O que pretendeu abordar com este livro?

Pretendemos identificar e ajudar a remover os constrangimentos que estão na base da morte prematura das Pequenas e Médias Empresas (PME) e o seu insucesso. Também é importante fazer uma resenha histórica sobre a trajectória das PME em Angola. Neste sentido, há que lembrar o período do monopartidarismo, o emergir do multipartidarismo e a fase em que se instala, no país, a economia de mercado, bem como a década que vai de 1992 a 2002, um momento difícil para as PME em Angola. Na verdade, nesta altura, o Governo angolano estava mais preocupado em procurar soluções para o término da guerra, o que o levou a exonerar-se da protecção das PME. O Estado não estava em condições de criar a estabilidade macroeconómica, pois tratava-se de uma economia de guerra. Todavia, a ausência de apoio por parte do Estado tornou difícil a vida das PME.
A marcha da economia dos países não depende apenas das grandes empresas ou multinacionais. Em muitas realidades, o maior peso está nas PME que suportam, em grande medida, a prestação de serviços, asseguram o emprego e a competitividade. É assim em Angola?
Com certeza, Angola não foge à regra. As PME em Angola já desempenham um papel importante no desenvolvimento económico e social. A sua contribuição tributária é cada vez maior e vem resolvendo a questão da falta de emprego no país. Embora difícil, este deve ser o caminho a seguir pelas PME. Actualmente, passam por muitas dificuldades mas é fundamental que comecem a percorrer o caminho para a sua estabilidade e para dar um maior contributo para o desenvolvimento desta Angola. As PME deviam constituir hoje o pilar da economia do país.

Quando se empenhou na produção deste livro, que soluções procurou trazer à luz, diante de uma realidade que pouco a pouco se degrada no que diz respeito às PME?

Em primeiro lugar, era importante trazer a público o fenómeno que faz com que as Pequenas e Médias Empresas morram à nascença e o insucesso que lhes marca o ritmo das actividades. Para o efeito, realizou-se um trabalho de pesquisa que identificou os determinismos que impedem o desenvolvimento das PME em Angola, bem como a avaliação dos factores endógenos e exógenos que estão na base da sua morte prematura. Concluída a pesquisa, identificámos os principais constrangimentos, como a falta de empreendedores, a descapitalização, a falta de organização e a falta de credibilidade. As soluções que procuramos trazer, enquanto elemento-chave ao desenvolvimento das PME, têm a ver com a capacitação dos quadros, o envolvimento das novas tecnologias, o marketing e a inovação. No entanto, a falta de apoio institucional impede, em grande medida, a sobrevivência das Pequenas e Médias Empresas.

Fala também em determinismos que emperram o desenvolvimento das PME. O que quer dizer?

O determinismo é uma concepção teórica que surgiu no século XIX, que procurava descobrir factores ou leis determinantes em diferentes ciências. Assim, o determinismo é a existência de um conjunto de condições necessárias para que um fenómeno se produza. Isto quer dizer que os determinismos são os obstáculos, são fenómenos que surgem alheios à vontade do agente que impede o desenvolvimento, neste caso, das PME em Angola.

Sector constitui um campo fértil para o crescimento dos negócios no mercado angolano

Quem são hoje os pequenos e médios empresários e como os caracteriza, já que parece haver uma tendência de os classificar como negócios de sobrevivência?

Os pequenos e médios empresários que existem são aqueles que conseguiram vencer os obstáculos ou os factores endógenos e exógenos. A classificação ou caracterização constam da Lei 30/11, de 13 de Setembro, Lei das Micro, Pequenas e Médias Empresas. Não existe uma regra única para todos os países quanto à sua caracterização. A classificação depende de cada país e da sua realidade. É com base na Lei que se tipifica a caracterização dos seus empresários ou empresas que melhor corresponda à sua realidade. No caso de Angola, é definido pelo número de trabalhadores e facturação. Quanto ao número de trabalhadores, as micro-empresas devem, segundo a Lei, ter até dez trabalhadores; as pequenas empresas devem ter de dez a cem trabalhadores. As médias empresas devem empregar de cem a 200 trabalhadores.A dada altura na sua abordagem afirma que muitas PME em Angola morrem cinco anos ou menos após a criação, pois, em muitos casos, são criadas com cem por cento de capital alheio.
É verdade que a maioria das Pequenas e Médias Empresas morre ou não completa os cinco anos após a sua criação. O facto de nascerem descapitalizadas, com a tendência inicial de recorrer ao capital alheio (bancos) e pela falta de organização e credibilidade, muitas morrem à partida. E, neste cenário, muitas nem chegam a exercer alguma actividade, pois nem todos têm a mesma sorte de conseguir empréstimos bancários. De facto, o que há de errado nisso é a criação de empresas contando simplesmente com o empréstimo bancário. Em tais situações, como é óbvio, existe o risco visível destas não terem garantias reais e necessárias para o empréstimo e aqui acresce-se a questão da falta de empreendedores, se tivermos em conta que o átomo da análise sociológica é o agente. O que pretendo dizer é que se este não reunir as condições do empréstimo, a empresa morre logo ao nascer. Neste caso, as instituições do Estado jogam um papel importante para o apoio destas iniciativas.

Como impulsionar as PME num cenário de crise económica, em que falta dinheiro, organização, apoio institucional e, em muitos casos, mercado para determinados produtos e serviços?

Para um cenário adverso como este, com certeza vale muito a dinâmica dos próprios empreendedores. Deste modo, só uma verdadeira missão e forte empreendedorismo podem fazer levantar as PME.
Se antes o INAPEM esteve condicionado na sua acção por situações de vária ordem, hoje tem uma acção mais reforçada, com a fusão que se deu com o Instituto de Fomento Empresarial (IFE). Sente que o apoio que se vai dando às PME por aquela entidade é mais efectivo?
Parece-me este o propósito da fusão. Deste modo, podemos considerar que surgiu uma “luz no fundo do túnel”, para melhor alavancar as PME. Não temos dúvidas sobre isso. Pensamos que o INAPEM deverá desenvolver um trabalho positivo para o apoio que se impõe às PME.

Do ponto de vista de financiamento, sente que este tem sido regular ou é um aspecto que precisa de ser aprimorado, para que as PME ocupem o seu lugar na economia?

Na verdade, este aspecto de financiamento deve ser muito bem mais aprimorado, para que de facto as PME ocupem o seu papel e lugar na economia nacional, que procura suprir défices no mercado de bens e serviços, resolvendo, deste modo, o problema da população. É através delas que a população poderá ter mais acesso ao emprego e a bens e serviços. Daí ser importante que o Estado continue a proporcionar melhores condições para um bom ambiente de negócios no país. É preciso criar um campo fértil para o crescimento pleno das PME em Angola.

No plano da legislação, as PME estão aparentemente bem salvaguardadas. Na prática, estas leis têm-se reflectido na vida, na organização e no funcionamento das empresas?

As leis, no seu contexto sociológico, são sempre boas e têm a intenção de resolver os problemas que afligem a população. No caso vertente, o Estado já publicou a Lei das Micro Pequenas e Médias Empresas e também a Lei das Cooperativas. Relativamente a esta última, bem aplicada e aproveitada pelos utentes, pode alavancar a nossa economia. A união das pequenas finanças, desde que bem geridas, pode promover a explosão do emprego que se pretende. Para o efeito, precisamos de um empreendedorismo que seja verdadeiro e actuante.

Há ainda, neste “caos indecifrável” esperança no futuro das PME ou é tudo muito remoto?

O nosso livro pretendeu mesmo decifrar o caos que impede o desenvolvimento das Pequenas e Médias Empresas em Angola. Por isso, é nossa intenção fazer com que toda a população participe na economia, em particular as PME. Penso que é hora de tirá-las da monotonia e levá-las a uma lógica de crescimento e engajamento afectivo.

PERFIL

Nome: António Evaristo

Naturalidade: Caxito, província do Bengo

Experiência académica: Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto

Experiência profissional: Funcionário público com passagens pela Televisão Pública de Angola, bem como pelos ministérios da Indústria  e da Agricultura

Ocupação actual: Deputado  à Assembleia Nacional pelo MPLA

 

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