Opinião

A morte de Binyavanga Wainaina

Foi com muita dor que soube da morte do meu amigo o escritor queniano Binyavanga Wainaina. O continente africano perdeu um grande escritor que, aos 48 anos, conseguiu ter um impacto notável na literatura da África anglófona. Nos últimos anos, o Binyavanga sofreu vários problemas de saúde. O Binyavanga mostrou que o escritor não era apenas alguém que escrevia ensaios e ficção - mas alguém que podia animar várias discussões acaloradas sobre assuntos importantes da nossa época.

24/05/2019  Última atualização 07H31

Conheci o Binyavanga em Londres, cerca de vinte anos atrás, num daqueles festivais de escritores africanos. Na altura o Binyavanga não era muito conhecido. Porém, ele já estava rodeado de muita gente que adorava ouvir as suas histórias. No dia que conheci o Binyavanga ele contou que o pai era uma figura destacada numa multinacional no Quénia que queria que o filho estudasse gestão de empresas. Foi assim que o Binyavanga acabou por ir para a África do Sul. Segundo ele, lá os seus estudos não avançavam por causa da sua inabilidade de passar no exame de estatísticas. Segundo o Binyavanga, havia, porém, duas coisas que ele adorava: cozinhar e ler livros. A África do Sul tinha acabado de sair do sistema de apartheid e o Binyavanga notou que quase não havia nenhum restaurante no país de culinária africana. O Binyavanga começou, por isso, a escrever sobre a culinária africana. (Alguém me disse mais tarde que na altura o Binyavanga inventou mil receitas inspiradas pela culinária africana. Não sei se isso é verdade). Como um verdadeiro escritor, o Binyavanga, às vezes,não fazia nenhuma distinção entre a ficção e o que terá mesmo acontecido.
Binyavanga tornou-se muito conhecido por causa de um ensaio irónico intitulado “Como escrever sobre a África”, em que ironiza os estereótipos da escrita Ocidental sobre África. Basicamente, o Binyavanga não estava confortável com a maneira como os escritores ocidentais tratavam os assuntos africanos. Esta maka é antiga: o conceituado escritor nigeriano Chinua Achebe escreveu os seus romances (sendo o mais famoso “O Mundo se Despedaça”) porque sentia que havia muito que tinha sido escrito sobre o continente ou as sociedades africanas pouco longe da realidade. Achebe começou a escrever sobre a sua sociedade com um conhecimento íntimo - o que resultou em obras altamente valiosas. Eu divergia com o Binyavanga na base de que em vez de passar o tempo a descartar as obras sobre a África pelos ocidentais na base de que tinham resultado de estereótipos, os africanos deviam seguir o exemplo de Achebe e passar a produzir as suas próprias narrativas. Claro que os africanos devem, também, escrever sobre vários outros sítios do mundo e participar no diálogo global da política e cultura.
Binyavanga Wainaina, para sermos justos, seguiu os passos de Achebe e foi incansável na promoção da obra de jovens africanos. Tive a honra de ser convidado em Nairobi para participar num seminário sobre escrita criativa. O Binyavanga Wainaina tinha, neste seminário, convidado também poetas americanos e indianos. Havia, até, representantes de uma editora vindos de Nova Iorque. A maioria dos participantes deste seminário eram senhoras de várias profissões: contabilistas, professoras, jornalistas, até uma senhora que preferia não dizer o que fazia, mas muitos diziam que pertencia aos serviços secretos. A senhora nunca parava de tirar notas; os poemas dela, surpreendentemente, eram sobre sexualidade, etc. Lembro-me que a escrita dos jovens era muito derivada, e faltava, marcadamente, aquela originalidade que encanta. Os jovens queriam escrever como Maya Angelou ou Chimamanda Ngozi Adiche. Depois havia aqueles que pensavam que a literatura tinha que ser sobre rosas e neve - mesmo em África. A minha mensagem na altura era que os jovens escritores tinham que lidar, principalmente, com a matéria que estava à sua frente, mas ao mesmo tempo ser profundamente curiosos para saber o que foi dito ou estava a ser dito em outras sociedades.
O Binyavanga Wainaina era movido pela ideia de que a criatividade africana tinha que ser celebrada. Em 2010, o Binyavanga Wainaina ganhou o prestigioso prémio Caine de Literatura da África anglófona . Ele usou o prémio para promover outros escritores que não eram conhecidos. E depois havia, também, a revista Kwani, liderada por ele, que promovia obras literárias africanas. Assisti ao acto de lançamento da revista Kwani. Havia um artigo bastante longo sobre um sobrevivente da guerrilha Mau Mau - que lutou contra o colonialismo britânico nos anos cinquenta. Centenas de jovens foram ouvindo o mais velho a recontar os seus dias como seguidor do grande chefe da guerrilha Dedan Kimathi. Lembro-me que o Binyavanga lamentou que havia uma elite no Quénia que não queria que a juventude soubesse os desafios do passado, porque tal iria realçar as suas falhas. O Binyavanga insistia que, em termos culturais, havia tanto que as elites governantes em várias partes do continente africano poderiam fazer, mas que não estavam a fazer. Eu notava uma certa impaciência nos desabafos de Binyavanga Wainaina.
Depois, em 2014, o Binyavanga fez manchetes quando afirmou publicamente que era homossexual. No Quénia e Uganda, em parte por influência de sectores cristãos fundamentalistas, havia leis duríssimas contra a homossexualidade. Mas no mesmo país onde pastores conservadores fulminavam que os homossexuais iriam directamente para o inferno, havia, por exemplo, sectores da imprensa que apelavam para um certo pluralismo e tolerância. O Binyavanga Wainaina começou a aparecer em público a defender a sua preferência sexual com muito humor e originalidade. Para muitos, porém, o Bianyavanga Wainaina era principalmente o escritor africano, que viajava pelo mundo, que encantava as pessoas com a sua originalidade. Quando o Binyavanga Wainaina precisou de ser operado na Índia numa operação caríssima, o público contribuiu com milhares e milhares de dólares - muito mais do que era necessário. Pode-se mesmo dizer que o continente africano perdeu um grande artista.

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