Opinião

Uma celebração memorável do Dia da Criança Africana

A celebração do Dia da Criança Africana no bairro da Prosperidade foi memorável. Um verdadeiro show de organização que as crianças e os adultos deram a ver.

14/06/2019  Última atualização 07H45

Veio a saber-se que, afinal, toda a comunidade tinha começado a organizar o evento com quatro meses de antecedência. Em Fevereiro a ideia já estava em marcha. Dona Armanda, Bruno Kevelela e Firmino Pelenguenha decidiram que este ano tinham de fazer algo diferente. Traçaram o plano, partilharam com os professores da escola do bairro, de quem receberam todo o apoio moral, e avançaram para o terreno, para a mobilização de todo o pessoal do bairro.
No início encontraram alguma resistência por parte de alguns membros da comunidade. A proposta de cada adulto contribuir com pelo menos quinhentos kwanzas por mês para as despesas do evento, levou alguns a franzir o cenho. Mas, à medida que o tempo foi passando e foram sendo convencidos da seriedade do projecto, foram integrando-se e, no final, a adesão foi em massa.
Dona Armanda, Bruno Kevelela e Firmino Pelenguenha trabalharam que nem verdadeiros autarcas. Quando, no dia 1 de Junho, Dia Mundial da Criança, apresentaram aquilo a que chamaram de uma “pequena amostra de perfume” do que seria o espectáculo do Dia da Criança Africana, os membros da comunidade que acorreram ao pátio da escola do bairro não queriam acreditar no que estavam a presenciar, e muito menos que as crianças apresentassem um tão elevado grau de preparação.
Foi o mote para conseguir o apoio dos pequenos comerciantes que vivem no bairro.
Depois de entoado o Hino Nacional e observado um minuto de silêncio em memória aos que tombaram pela conquista da paz, as cortinas de cor azul do palco improvisado, mas construído com esmero, abriram-se ao som do tema “Meninos do Huambo”. Um grupo de crianças em trajes tradicionais de todas as regiões invadiu o palco com uma coreografia que deixou a plateia de “água na boca” e arrancou aplausos prolongados. Muito rapidamente entrou em cena o painel de palestrantes com dois professores a fazerem o papel de moderadores. As quatro crianças seleccionadas para intervir fizeram-no de forma magistral. Falaram dos direitos da criança, das consequências da guerra sobre as crianças, das chagas do obscurantismo como o feiticismo, e da importância do ensino para a aquisição de conhecimentos e desenvolvimento do país. Os professores tinham feito um excelente trabalho. Quando a palestra terminou, as palmas voltaram a ecoar sobre o recinto, e com muitos dos mais velhos presentes a exclamarem que “os putos falaram pareciam eram kotas!”, ao passo que outros foram, admirados, felicitar os canucos. Os professores, babados, explicavam que o desempenho tinha sido fruto de dois meses de trabalho e pediam mais palmas.
Veio o momento da peça teatral muito movimentada, com muita acção e envolvimento, que retratava a luta das crianças e adultos contra um monstro, a guerra, que entretanto era comandada por uns tantos feiticeiros que foram destroçados. A tolerância, o diálogo, o combate ao obscurantismo, a aposta na educação, foram a lição de moral transmitida pela peça encenada.
No Dia da Criança Africana, toda a comunidade estava em peso no pátio da escola para assistir ao espectáculo e participar na festa. Balões e exposição de desenhos, de fotografias e de obras da literatura africana infantil, predominantemente, e de outros continentes preenchiam o recinto à volta do espaço reservado à plateia. A actividade começou com os encarregados de educação e os seus educandos a percorrerem as galerias de forma ordenada. A organização destinou duas horas e meia para que o fizessem. Quando o sino tocou três vezes, todos ocuparam os seus lugares. Tudo estava certinho e tudo começou na hora certa. O Hino Nacional foi entoado, o minuto de silêncio cumprido, e de rompante o som forte dos batuques envolveu os presentes com o desfile dos trajes tradicionais dos vários povos que constituem o mosaico étnico-cultural do continente africano. O apresentador ia explicando, agora ao som suave do batuque, da marimba, do kissanje, e de outros instrumentos que haviam conseguido adquirir por via de contactos com Embaixadas, a origem e significado das indumentárias.
Voltou a falar-se dos direitos da criança, da literatura africana infantil que é pouco conhecida e divulgada. Foram mesmo as crianças a explicar por que razão o Dia da Criança Africana é celebrado todos os anos a 16 de Junho. Recordaram que, nesse dia, no ano de 1976, centenas de crianças negras do Soweto, África do Sul, saíram à rua em protesto contra a falta de qualidade no ensino a que tinham acesso e para reivindicar o direito de aprender na sua própria língua. E foram brutalmente assassinadas pelo regime de apartheid que vigorava nesse país.
Declamação de poesia, palestras sobre a História do continente, danças folclóricas e modernas preencheram a actividade.
Surpreendeu a pontualidade com que as crianças começavam e terminavam quer as suas intervenções quer as suas actuações. Armanda, Kevelela e Pelenguenha não se cansavam de receber elogios, de agradecer e de, em resposta, dizer que “é de pequeno que se torce o pepino”.
Deixaram o Kuduro para o fim e foi a vez de alguns integrantes da plateia invadirem o palco. Os mais velhos partiam o coco a rir. Dona Armanda, Kevelela e Pelenguenha só olhavam. No íntimo diziam que nunca iriam conseguir dançar o Kuduro. Esses movimentos de contorcionismo, diziam, pareciam eram pessoas cheias de “calundus” e a “expulsar os espíritos”. Armanda olhou para os netinhos de cinco e doze anos no palco “a se espremerem” e não se conteve. Disse, apontando o dedo - Olha! Ó Kevelela, ó Pelenguenha, o Bruninho, coitadinho!, todo ele gordinho, parece um pato embriagado a dançar o Kuduro. O Balumuka então!, parece uma galinha com as pernas partidas!
Já no final da festa, Kevelela e Pelenguenha perguntaram-se se esses jovens, quando atingirem os 60, 70, 80 anos, vão conseguir dançar o Kuduro? E foram unânimes em responder que, com essa idade, não vão conseguir dar o show que Mateus Pelé do Zangado dava quando dançava o semba e até mesmo a kizomba.

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