Entrevista

“O caminho escolhido para combater a corrupção é corajoso”

O presidente do Conselho Federal alemão (Bundesrat), Daniel Günther, considerou fundamental para o investimento alemão o combate à corrupção em Angola.Em entrevista ao Jornal de Angola, a quarta figura do Estado alemão, que preside também o Estado de Schleswig-Holstein, considera que o “caminho seguido pelo Governo angolano para combater a corrupção é muito corajoso”

22/07/2019  Última atualização 07H40
Kindala Manuel | Edições Novembro

Com que propósito vem a Angola o presidente do Conselho Federal alemão (Câmara Baixa), além dos tradicionais apelos ao reforço da cooperação entre os dois países?

Venho reforçar os laços de cooperação que nos une. Tivemos, na Alemanha, a visita do Presidente da República, João Lourenço, no ano passado, e isso teve um enorme impacto na cooperação. Na altura, tive a oportunidade de saudar o Presidente João Lourenço. Escolhi Angola, para a minha única viagem do meu mandato que termina dentro de um ano. Decidi passar por Angola por acreditar que é possível reforçar a cooperação entre os dois países. É o que ambas as partes desejam. Além da cooperação económica, há outros sectores de interesse comum.

Os encontros que teve com o Presidente da República, João Lourenço, e com o presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, deram o impulso que desejava?

O objectivo da visita foi precisamente que daqui resultem acções concretas na cooperação. Tive um encontro com delegações parlamentares. Tive encontros com o ministro da Defesa Nacional e com o ministro dos Recursos Minerais e Petróleos e falámos sobre áreas concretas de cooperação entre instituições dos dois países. Fiz um convite ao ministro dos Recursos Minerais e Petróleos para visitar a Alemanha, porque há áreas de cooperação de interesse comum. Claro que o petróleo na Alemanha já não tem a relevância que tinha no passado, porque redefinimos a nossa estratégia, mas existem outros campos de interesse para cooperar. Abordei na minha visita sobre a cooperação na área da Cultura, Saúde, Economia Marítima, e espero que isso possa preparar o campo para que haja investimentos dos dois lados.

No sector da Defesa Nacional, sobretudo no domínio Naval, o que pode Alemanha oferecer a Angola, que pretende instalar uma indústria militar?

Foi um dos assuntos que discuti tanto no encontro com o Presidente da República como no encontro com o ministro da Defesa Nacional. Já discutimos esse assunto, no ano passado, durante a visita do Presidente João Lourenço à Alemanha, em como podemos ajudar as Forças Armadas Angolanas a equiparem-se e estarem à altura dos desafios modernos. Estamos a falar, por exemplo, da protecção costeira contra a pirataria. No meu Estado, Schleswig-Holstein, temos estaleiros navais com tecnologia de ponta, construímos navios patrulha, etc.. É claro que Angola ainda não decidiu sobre um investimento nesse sentido, nem a dimensão de um investimento nessa área. Tão logo surja, temos competências que podem ajudar Angola. Consideramos que não basta vender navios sem criar a componente de formação. É preciso assegurar a manutenção e criar aqui capacidade técnica.

Por que incluiu uma visita à Feira Internacional de Luanda (FILDA)? Queria ver algo em particular sobre as potencialidades das empresas dos dois países?

A minha visita à FILDA é um sinal da importância que damos à cooperação entre empresas dos dois países. No sector da Política, reforçámos a necessidade deste interesse das empresas alemãs em investir em Angola. Visitei a FILDA para ver de perto o potencial das empresas interessadas em investir em Angola. Fui constatar o clima de investimento e saber a confiança que os empresários alemães depositam em Angola. Sinto que existe um interesse das empresas alemãs em investir em Angola. Da parte governamental, apoiamos isso, criando legislação específica.

Desempenha um papel importante no sistema federal alemão por representar 16 Estados enquanto líder do Bundesrat. Trouxe preocupações específicas de investidores alemães que pretendam instalar-se em Angola?

Enquanto presidente do Conselho Federal, ouço as mais diferentes opiniões de empresários alemães. Há aqueles empresários que olham com muita atenção a critérios de confiança e segurança dos investimentos. Assinalo, como nota, a aprovação de uma nova Lei do Investimento Privado. Isso mostra que o investimento estrangeiro é bem-vindo em Angola. Estamos satisfeitos, por exemplo, com o investimento feito na barragem de Caculo Cabaça, onde temos tecnologia alemã.

Como é que encara os desafios de combate à corrupção definidos pelo Governo angolano?

Penso que esse caminho seguido pelo Governo angolano para combater a corrupção é, de facto, muito corajoso. Esse combate à corrupção é decisivo para qualquer investidor. Esses passos dados pelo Governo angolano estão a ser acompanhados de forma muito positiva e de perto pelos alemães. Sabemos que é um enorme desafio. Estamos convencidos de que este caminho escolhido é o certo para melhorar o clima de investimento no país.

Como é que a Alemanha pode ajudar Angola nesta cruzada contra a corrupção?

Penso que esse é um combate que diz respeito essencialmente aos angolanos. Existe um enorme interesse alemão em investir em Angola. O combate à corrupção incentiva os investidores, mas só cabe aos angolanos combater a corrupção, e não esperar de outros países quaisquer acções em concreto para combater um problema interno. O combate à corrupção é um assunto sensível para investidores. Se o Governo seguir por esse caminho de combater a corrupção, estamos certos que vamos ter mais empresas alemãs a investir em Angola.

Quando uma empresa alemã pretende investir num país tem de candidatar-se a uma garantia federal. É fácil conseguir uma garantia federal?

O Governo oferece as melhores condições para qualquer empresário que queira investir fora do território alemão. Promovemos estas iniciativas no estrangeiro. Essas garantias federais são dadas com base em critérios bem definidos. Mas o processo é bastante simples e há empresas alemãs com experiências muito positivas. Mas é claro que há também empresas que se queixam de atrasos ou de obstáculos neste processo. Em termos gerais, esta garantia é bastante facilitada. Uma empresa pode candidatar-se, mas também pode investir sem necessariamente solicitar uma garantia federal.

No procedimento de solicitação desta garantia qual é a intervenção do Conselho Federal?

É o Governo federal que tem competência para legislar sobre esta matéria, com instituições próprias e bancos de fomento que depois são mobilizados para estes casos.

Em que lugar a Alemanha coloca Angola na cooperação com os países africanos, sobretudo da África Austral?

Angola é um dos parceiros mais importantes para Alemanha no continente africano. Escolhemos Angola por causa da influência que tem na região austral do continente africano. Angola tem uma enorme importância para nós. Na República Federal da Alemanha estamos interessados em cooperar nos domínios da Cultura e da Educação. Pretendemos atribuir bolsas a estudantes angolanos. Analisámos também a possibilidade de intercâmbio no domínio da Geociência, porque pretendemos dar a possibilidade a estudantes angolanos fazerem formação na Alemanha. É algo que apoiamos e acolhemos.

Cronologia da cooperação com a República Federal da Alemanha

Angola e Alemanha, cujas relações bilaterais remontam aos finais da década de 1970 e início da seguinte, têm como suporte da cooperação um Memorando de Entendimento sobre uma parceria estratégica para a ampliação e o aprofundamento da cooperação económica.
O documento realça a disponibilidade do Governo da Alemanha conceder garantias aos investimentos directos de empresas alemãs em Angola.
O Governo alemão concede garantias federais para apoiar as exportações e investimentos de empresas alemãs em Angola.
Nos últimos anos, o Governo alemão concedeu garantias a muitos projectos avaliados em milhões de euros.
Em 2002, a Alemanha financiou projectos de investimento em Angola no valor de 1,7 mil milhões de dólares. As verbas eram disponibilizadas de acordo com uma relação de projectos apresentados pelo Governo angolano. Os dois países assinaram, em 2009, o Acordo Geral de Cooperação.
Em 2009, o Goethe-Institut foi estabelecido em Angola. Em 2010, um escritório da Delegação da Economia alemã instalou-se no país.
Em 2011, os dois países assinaram um acordo de parceria abrangente durante a visita a Angola da Chanceler Angela Merkel.
Em 2012, foi assinado um acordo de cooperação no domínio da Cultura.
Em 2014, o então ministro da Defesa, João Lourenço, visitou a Alemanha, para assinar um acordo de cooperação no domínio da Defesa.
Em 2017, as trocas comerciais entre os dois países atingiram os 300 milhões de euros.
Em Luanda, o líder parlamentar do Conselho Federal alemão, Daniel Günther, visitou o Museu Nacional de Antropologia, para inteirar-se da cooperação entre o Goethe-Institut, a Fundação do Património Cultural Prussiano e a Direcção Nacional dos Museus de Angola.
Estas instituições assinaram, em Dezembro do ano passado, um acordo de cooperação que pretende explorar a história das importantes colecções de arte angolana, em Berlim e Luanda, e torná-las mais acessíveis ao público.

PERFIL

NOME: Daniel Günther
FUNÇÃO: Ministro-presidente do Estado de Schleswig-Holstein
e presidente do Bundesrat (Conselho Federal) da República Federal da Alemanha.

POSIÇÃO NO ESTADO: Quarta figura do Estado

O Bundesrat, presidido por Daniel Günther, é a representação política dos 16 Estados da República Federal da Alemanha.
Os Estados desempenham um papel importante no sistema federal alemão e também estão envolvidos na legislação nacional.
Todos os anos, o ministro-presidente de um dos Estados alemães assume a presidência do Bundesrat.
O presidente do Bundesrat é um dos maiores representantes da República Federal da Alemanha

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