Entrevista

“A conferência África-Japão sem Angola teria menos impacto”

O contexto político em Angola “é muito estável”, mas as trocas comerciais com um dos países mais desenvolvidos do mundo caíram consideravelmente nos últimos anos, sobretudo, por falta de divisas no mercado cambial angolano para as importações.

26/08/2019  Última atualização 07H42
M. Machangongo | Edições Novembro

O embaixador do Japão em Angola, Hironori Sawada, ao Jornal de Angola, indicou que o volume comercial entre os dois países, no ano passado, foi de 20 milhões de dólares (exportações do Japão para Angola) e de 335 milhões de dólares (importações do Japão) contra os 31.4 milhões de dólares (exportações do Japão para Angola em veículos, produtos siderúrgicos, máquinas) e 262.9 milhões de dólares (importações do Japão em combustíveis e minerais) de 2017. Ainda assim, o Japão dá prioridade ao incremento das relações com Angola, onde apoia projectos nas áreas da Saúde, Educação e Infra-estruturas

Qual é a importância que o Japão dá à cooperação com Angola?

Primeiro, gostaria de assinalar a emergência de África no contexto mundial, o crescimento económico e populacional deste continente. A taxa média de crescimento económico dos países da África subsaariana foi, entre 2001 e 2017, de 5,1 por cento, enquanto a taxa média do Mundo inteiro foi de 3.1. Portanto, o crescimento económico de África é muito acentuado. E Angola não é excepção. Acho que o contexto político em Angola é muito estável. Tivemos eleições, em 2017, muito pacíficas e democráticas. Vimos uma transição política muito pacífica. Isso é um factor importante para termos uma relação estável com qualquer país. Segundo, vemos potencial na economia angolana, tem petróleo, mas tem também recursos minerais, muita terra e muita água, recursos importantes para a agricultura.


Como o embaixador de uma das economias mais poderosas do mundo encara hoje a economia angolana?

Disse que o crescimento económico da África subsaariana é muito alto, mas não é o caso de países como Angola e a Nigéria, embora com muitos recursos naturais. Em relação a esses países a situação é contrária. O crescimento tem sido baixo. Em relação a Angola, podemos dizer que a economia está em crise desde 2014, mais ou menos. Nestas circunstâncias, vemos que Angola está a tentar diversificar a economia, está a tentar sair da crise. Embora tenha, desde 2002, registado um crescimento económico, precisou muito de financiamento para a reconstrução. O país tem uma elevada dívida pública, mas precisa de crescer e diversificar a sua economia. Com todas estas circunstâncias, o Japão dá prioridade ao incremento das relações com Angola.

Sempre que o Japão pensa em reforçar a cooperação com Angola, olha ou não para a velocidade com que a República Popular da China chegou a Angola e se tornou num dos maiores parceiros comerciais?

Acompanhamos as relações entre Angola e a República Popular da China, principalmente logo após a paz em Angola. Não foram muitos países que se disponibilizaram a financiar a reconstrução de Angola, enquanto a China apareceu com financiamento em obras de infra-estruturas ferroviárias, portuárias, aeroportos e a construção de centralidades. Acho que isso foi um facto. Acompanhamos este movimento da China, mas o Japão também sempre apoiou Angola de maneira um pouco diferente. Apoiamos Angola nas áreas da Saúde, Educação e Infra-estruturas, mas não podemos financiar projectos como a China o fez, mas podemos transferir tecnologia. Portanto, o Japão tem as suas prioridades.

Qual é a explicação para, em tantos anos de cooperação político-diplomática, desde 1976, não terem sido assinados ainda importantes instrumentos de cooperação, como por exemplo um acordo de protecção recíproca de investimentos, e a acrescentar o facto da Embaixada de Angola no Japão ter sido inaugurada apenas em 2000 e a do Japão em Angola em 2005?

Tivemos certas dificuldades no período de 1977 a 2002, quando Angola acabou com a guerra civil. Portanto, ficou difícil estabelecer uma Embaixada japonesa em Angola durante a guerra. Entretanto, fizemos o máximo possível durante todo esse período. Só depois da guerra civil conseguimos instalar uma Embaixada em Angola.

Num seminário realizado em Luanda, em 2015, mais de 100 homens de negócios japoneses estiveram presentes para manifestar a sua vontade em investir em Angola. Sente que a cooperação político-diplomática está um passo atrasado em relação à dinâmica dos interesses comerciais dos empresários dos dois países?

Não. A cooperação político-diplomática não está um passo atrasada em relação à dinâmica dos interesses comerciais. As relações políticas sempre foram boas. Entenda que durante os últimos dois anos e meio, período em que sou embaixador, houve troca de visitas de personalidades importantes dos dois países. Por exemplo, na investidura do Presidente João Lourenço, o Governo do Japão foi representado pelo ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros, acho que foi o mais alto representante do Governo de um país asiático nesta cerimónia. Além disso, vários grupos parlamentares japoneses estiveram em Luanda para o intercâmbio político-parlamentar e, em Maio do ano passado, voltámos a receber aqui em Angola a visita do nosso ministro dos Negócios Estrangeiros. Da parte de Angola, desde a posse do Governo do Presidente João Lourenço, sete ministros angolanos visitaram o Japão. Portanto, as relações políticas têm estado muito boas.

O investimento mais conhecido nos últimos anos do Japão em Angola é o financiamento à reconstrução do Porto no Namibe, avaliado em cerca de 600 milhões de dólares. Como está este projecto?

Depois da paz, em 2002, o Governo de Angola solicitou uma pesquisa na área portuária. O Governo do Japão, através da Agência de Co-operação Internacional do Japão, efectuou uma pesquisa de emergência para a reconstrução das infra-estruturas de Angola. Essa pesquisa abrangeu quatro portos de Angola, o de Luanda, Cabinda, Lobito e do Namibe, e concluiu-se que o Porto do Namibe era o que estava mais degradado e que mais precisava de investimento. Através deste relatório, o Governo angolano decidiu fazer uma reabilitação com a cooperação do Governo japonês. Começamos a obra de reabilitação. Fizemos a reabilitação em duas fases. A conclusão da segunda fase aconteceu no início deste mês (Agosto). Agora, temos um projecto avaliado em cerca de seis milhões de dólares que vai ser implementado pela Toyota Construções no Porto do Namibe.

O Japão, num passado recente, apostou mais no financiamento de projectos de construção de escolas. Por que o sector da Educação?

O sector da Educação é um dos mais importantes para um país crescer, porque sem educação, sem formação, um país não cresce. E nós damos muita importância ao sector da Educação. Fizemos uma série de reabilitações e construções de escolas primárias aqui, em Luanda, em duas fases, a primeira em 2002 e, depois, em 2005 e 2006. Investimos 2 milhões de dólares na primeira fase e 17 milhões na segunda. Continuamos a construir pequenas escolas em várias províncias, no âmbito da assistência a projectos comunitários. Depois da reabilitação das escolas de Luanda, fizemos mais 16 escolas em várias províncias. A cada ano construímos uma ou duas escolas.

Angola importa do Japão automóveis, máquinas, produtos de aço, etc. As importações do Japão a partir de Angola são dominadas pelo petróleo. Qual é o volume das trocas comerciais do ano passado?

O volume comercial entre os dois países foi de 20 milhões de dólares que o Japão exportou para Angola. De Angola, o Japão importou 335 milhões de dólares. Tudo em 2018. O nosso produto de importação é quase 100 por cento o petróleo. As nossas exportações são, sobretudo, máquinas. As exportações japonesas para Angola caíram muito, nos últimos anos, por falta de divisas no mercado cambial angolano. Espero que as importações de Angola ao Japão aumentem com o melhoramento da economia angolana.

Como diplomata, nos encontros que tem tido com empresários japoneses, que sectores normalmente aconselha para investir em Angola?

Há muitos projectos que empresários japoneses estão a planificar para Angola e muitos que Angola está a promover e a convidar para que empresários japoneses participem. Por exemplo, o Governo angolano pretende construir uma refinaria no Lobito (Benguela) e uma empresa japonesa está interessada em participar neste projecto. Tenho encorajado os empresários japoneses a investir neste sector.

Já transmitiu às autoridades angolanas esta manifestação de interesse?

Sim. Conversei várias vezes com o presidente do Conselho de Administração da Sonangol sobre o assunto, e transmiti este interesse. Investimos em refinarias em muitos países, entre os quais Argélia e, recentemente, construímos uma refinaria, igual a que Angola perspectiva para o Lobito, no Vietname.

O Japão tem uma indústria automóvel tradicional. Alguma empresa japonesa do sector automóvel pretende abrir uma linha de montagem em Angola?

Para haver uma indústria automóvel instalada num país temos de ver vários factores, como a dimensão do mercado, a competitividade (custo – benefício), formação, tecnologia e o acesso às divisas. É o empresário quem decide, mas, em função da realidade económica de Angola hoje, acho que nenhum empresário japonês decidiria instalar uma fábrica automóvel sem estas condições. Mas, no futuro, pode ser que as coisas mudem. O que é para já é a criação, pela Toyota de Angola, de uma academia de formação, em Outubro, no Cazenga (Luanda), com a colaboração dos Governos do Japão e do Brasil. A Toyota vai formar técnicos angolanos. Pode ser que, com isso, haja um ambiente favorável para instalar uma linha de montagem em Angola, mas, como disse, depende dos factores que mencionei atrás.

No continente africano, em que lugar o Japão coloca Angola nas relações com outros países?

Não posso garantir quem está em primeiro ou em segundo lugar. As relações bilaterais não funcionam assim, mas Angola é um dos poucos países da África subsaariana visitados recentemente pelo nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, e o único país da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) onde esteve o nosso ministro. Por aí, podemos ver a importância que o Governo do Japão dá à co-operação com Angola.

“A TICAD 7 sem a presença de Angola teria menos impacto”

O Chefe de Estado angolano, João Lourenço, participa, a partir de quarta-feira até sexta-feira, em Yokohama, na sétima edição da Conferência Internacional de Tóquio sobre o Desenvolvimento de África (TICAD). Esteve, em Maio último, em Angola, o ministro dos Negócios Estrangeiros japonês, Taro Kono, a convidar oPresidente João Lourenço. Que importância atribui o Governo do Japão à presença do Chefe de Estado angolano na conferência?

A TICAD é uma plataforma importante para definir a política do Governo do Japão em relação aos países africanos. É muito importante a participação do Presidente João Lourenço nesta cimeira, porque a TICAD 7 sem a presença de Angola teria menos impacto. O Presidente de Angola pode influenciar na formação de políticas durante a TICAD 7, que se realiza de 28 a 30 deste mês, em Yokohama. Portanto, a presença do Presidente angolano é muito importante, até porque os principais temas, como a transformação económica, melhorar o ambiente de negócios e desenvolvimento do sector privado, a promoção de sociedades resilientes e sustentáveis, estão em linha com os seus projectos de desenvolvimento do país.

São cerca de 4.500 pessoas aguardadas em Yokohama, para a conferência que conta com a parceria das Nações Unidas e do Banco Mundial. O que Angola pode aproveitar desta Conferência Internacional?

À margem da TICAD 7 deve acontecer uma série de encontros bilaterais (Governo - Governo; Governo – sector privado e entre privados). O Primeiro-Ministro japonês, Shinzo Abe, como não pode visitar todos os países africanos, vê na TICAD uma oportunidade muito importante para discutir assuntos bilaterais com os líderes de Estados africanos.

O que se pode esperar da presença do Presidente João Lourenço na TICAD 7, que assinala os 25 anos de conferências África - Japão?

O Presidente João Lourenço vai ter uma oportunidade para interagir com o sector privado japonês, à margem dos encontros da Conferência Internacional sobre o Desenvolvimento de África, para mostrar o que Angola está a projectar para o desenvolvimento e as perspectivas de governação, e apresentar sectores em que pretende atrair investimento japonês. Gostaria de acrescentar que temos realizado com sucesso a Conferência Internacional de Tóquio sobre o Desenvolvimento de África, uma plataforma importante para reforçar a política externa e o intercâmbio empresarial com os países africanos.

Últimos desenvolvimentos das relações Angola-Japão

2019: O Governo de Angola adopta a norma japonesa da televisão digital.
2018: Entrega dos Sistemas de Cabos do Atlântico Sul (SACS) da empresa japonesa NEC Corporation à empresa angolana Angola Cables S.A
2016: Conclusão da reabilitação das fábricas têxteis em Luanda, Benguela e Cuanza-Norte (Dondo) pela empresa japonesa Muberi.
2008: Estabelecimento da parceria público-privada para a assistência à desminagem.

Empresas japonesas sedeadas em Angola:

Toyota de Angola, Sumitomo Corporation, Marubeni Corporation, JSA Corporation, AJOCO, Hitachi Plant Construction, Yokogawa Electric Corporation, Komatsu.
Comércio entre os dois países em 2017:
-Exportações do Japão para Angola: 31.4 milhões de dólares (veículos, produtos siderúrgicos, máquinas).
Importações japonesas de Angola: 262.9 milhões de dólares (combustíveis, minerais).

PERFIL

Nome: Hironori Sawada

Formação académica: Licenciado pela Faculdade de Estudos Estrangeiros (luso-brasileiro), Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio, em 1980.

Funções desempenhadas:
-Coordenador sénior da Divisão de Recursos Humanos do Ministério dos Negócios Estrangeiros,
em 2015.
-Cônsul-geral adjunto em Chicago, Estados Unidos, em 2010.
-Conselheiro político da Embaixada do Japão no Brasil, em 2007.
-Director adjunto da Divisão da América Latina (Direcção dos Assuntos Latino-Americanos e Caraíbas), em 2004.
-Director adjunto da Direcção de Coordenação da Política Externa, em 2001

Especial