Sociedade

Empreendedorismo no lixo é um negócio sustentável

Mário Cohen

Jornalista

O quarto maior negócio do mundo - a reciclagem do lixo - continua a ser desperdiçado em Angola, tanto pela iniciativa pública, quanto pelos privados, que devem gerar mais formas de se fazer dinheiro e criar outras oportunidades de emprego, se tido em conta esse sector bastante volátil e economicamente sustentável, cuja actividade apenas se resume na recolha e no tratamento de resíduos.

09/09/2019  Última atualização 20H15
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Para mostrar esse valor aos angolanos, a Embaixada de Cuba em Angola reuniu, há alguns dias, em Luanda, no Centro de Imprensa Aníbal de Melo, especialistas dos variados sectores económicos do país, entre eles a bióloga Esperanza Justiz Silva, que falou sobre os resíduos e sua gestão, enquanto tema de alta prioridade a nível mundial e uma necessidade imperiosa para o desenvolvimento e para a sustentabilidade dos ecossistemas.
“A reciclagem se mostra de extrema importância, não só para a preservação do meio ambiente, mas para alavancar a economia e os diversos sectores da sociedade”, sublinhou a bióloga.
Ao dissertar em torno do tema “Reciclagem, valor económico, ideias e oportunidades”, Esperanza Justiz Silva trouxe para a percepção nacional angolana questões sobre a própria reciclagem, a sua reutilização, os indicadores dos países que mais reciclam e seus benefícios, a reciclagem como empreendedorismo, a experiência de Cuba e ideias de negócios com reciclagem e as oportunidades existentes no país.
Segundo a bióloga, a reciclagem tem de ser vista, prioritariamente, como um elemento de controlo da contaminação ambiental, já que dados do Banco Mundial mostram que, só em 2012, a população urbana produziu 1.300 milhões de toneladas de resíduos sólidos e espera-se que essa cifra ascenda a 2.200 milhões em 2025.
A cada ano, perdem-se mais de 2.120 mil milhões de toneladas de resíduos, quantidades que, se colocadas em camiões, dariam a volta ao mundo 24 vezes. Esperanza Justiz Silva dá conta de que, actualmente, nas grandes cidades, já começou a verificar-se falta de espaço destinado a depósitos de lixo e de outros dejectos produzidos pela sociedade.

Ganhar dinheiro com o lixo

Para a bióloga Esperanza Justiz Silva, há em Angola uma escassez de investimentos na indústria de reciclagem. Conforme apontou, o país deve olhar para a reciclagem como um bom espaço de empreendedorismo, sobre o qual há uma forte oportunidade de negócio bastante sustentável.
Essa oportunidade excelente de criação de postos de trabalho pode ser experimentada, segundo Esperanza Justiz Silva, com a abertura de uma distribuidora de lixo reciclável, com a prática de artesanato com material reciclável para ganhar-se dinheiro, com a montagem de uma empresa de reciclagem (exemplo de reciclagem de vidro) ou de um “disk caçamba” (aproveitamento de entulhos ou lixo gerado pela construção civil).

Princípios e gestão

Nessa experiência para um novo negócio, a bióloga Esperanza Silva apontou a gestão de resíduos industriais, através da utilização do material na própria indústria ou a venda para outras empresas que necessitam de um determinado insumo, a reutilização de pneus, a compostagem ou tratamento de lixo orgânico e a reciclagem de óleo usado na cozinha para a produção de sabão.
Do seu ponto de vista, para se alcançar o empreendedorismo nas questões de reciclagem, aconselha-se, acima de tudo, uma educação pública sólida sobre as questões ambientais e investimentos em programas de incentivo à reciclagem.
Adicionalmente, a especialista aconselha o reforço das leis sobre gestão e controlo de lixo (já que em muitos países a reciclagem é lei e se o cidadão não respeita as regras incorre em multas) e, também, políticas que permitam que aqueles que geram resíduos paguem pelos volumes produzidos, além da componente participação e responsabilização compartilhada das instituições educacionais e das empresas na gestão de políticas de reciclagem e de educação ambiental.
De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), os países que mais reciclam resíduos no mundo são Alemanha, Coreia do Sul, Austrália, Eslovénia, Bélgica, Suíça, Holanda, Suécia, Luxemburgo, Islândia, Dinamarca e o Reino Unido. Sozinha, a Alemanha recicla 65 por cento dos resíduos sólidos urbanos, enquanto os demais países reciclam 90 por cento dos resíduos do sector de construção civil.
A Suécia é tão eficiente na reciclagem, que quase 100 por cento do lixo que produz é reaproveitado, ao ponto de importar lixo. Estados Unidos, China, Índia e Brasil são os maiores produtores de lixo plástico no mundo, em torno de 11 milhões de toneladas. Na Finlândia, são recicladas nove de cada dez garrafas plásticas usadas e quase 100 por cento das garrafas de vidro achadas como resíduos.
Entretanto, a reciclagem do alumínio economiza 95 por cento do custo de energia para se produzir alumínio novo. Desde 2005, os moradores de Nova Iorque são obrigados a reciclar os seus aparelhos electrónicos ou pagar uma multa de 100 dólares por peça. O mais curioso é que a quantidade de latas e garrafas de refrigerante dispensada num ano pelos norte-americanos é suficiente para se chegar e voltar da Lua 20 vezes.

Desafio

Hoje, o acúmulo de lixo tornou-se um dos maiores desafios da maior parte dos países do mundo, já que todos os anos são atirados para o mar seis milhões de toneladas de resíduos, na sua maioria plásticos, enquanto milhares de criaturas marinhas morrem ao comer sacos plásticos, em lugar de água viva.
Esperanza Silva considera preponderante o despertar do espírito de reciclagem no subconsciente de cada angolano, tendo como ponto de partida a necessidade de cada um perceber que reciclar uma tonelada de papel economiza 2,5 mil litros de petróleo, 26,5 mil litros de água e evita o derrube de pelo menos 17 árvores.
Além disso, diz a bióloga, é importante interiorizar que um simples saco de plástico demora entre 500 a mil anos para se degradar, o vidro leva um milhão de anos a desfazer-se, enquanto reciclar uma tonelada de papel evita a morte de 40 árvores adultas.

A experiência cubana

Cuba tem como um dos pilares da sua economia o capital humano e possui uma experiência em gestão e aproveitamento de resíduos que data do ano de 1961. Consta que a 7 de Novembro desse ano foi criado em território cubano a primeira indústria de reciclagem, com a finalidade de substituir as importações e obter receitas mediante a exportação de alguns desses desperdícios, que não podiam ser reutilizados no país.
Com a sua política no sector de resíduos, Cuba conseguiu recuperar matéria-prima que lhe permite poupar 15 milhões de dólares no OGE (Orçamento Geral do Estado). Adicionalmente, na Ilha está em vigor uma lei (Lei nº 1288) que obriga as entidades estatais a examinar os desperdícios da produção e entregá-los à empresa encarregue pelo seu tratamento. No total, Cuba tem uma rede de 312 centros de compra de produtos recicláveis.
À procura do incremento do valor acrescentado dos resíduos recicláveis, em Dezembro de 2012, o Governo cubano aprovou uma política para o incremento da reciclagem de matéria-prima. Com isso, o território gera, todos os anos, dois milhões de toneladas de resíduos passíveis de reciclar, incluindo resíduos sólidos urbanos. Deste número, somente são recuperados à volta de 320 mil toneladas.
No ano passado, Cuba introduziu a venda de 182 toneladas de plástico triturado. Trinta toneladas de vidro moído, cinco mil metros de mangueira, 12 mil unidades de produtos plásticos e 15 mil dispositivos são fabricados com vidro reciclado. Em linhas gerais, a matéria-prima cubana é adquirida pelas grandes indústrias siderúrgicas, pela empresa Inox e por outros segmentos de cabos eléctricos e telefónicos.
No entanto, muita criatividade e inovação cubana é derivada do bloqueio que o Governo norte-americano lhe impõe, com a indústria a produzir açúcar, bebidas alcoólicas, energia alternativa, contraplacados, ração animal e papel e o sector dos transportes a optar pela reutilização de pneumáticos, para galvanizar o turismo e o transporte público.