Política

Nós queremos estradas

João Lourenço desembarca em Cazombo por volta das 10 horas da manhã de quinta-feira. Porém, pouco depois do raiar do sol, que acontece muito cedo na região Leste de Angola, comparativamente ao Litoral, já havia considerável moldura humana no aeroporto e no pequeno troço conducente à administração municipal.

14/09/2019  Última atualização 08H13
Kindala Manuel | Edições Novembro

Grupos representantes da cultura local intercalavam danças com cânticos de exaltação ao ilustre visitante. Há, igualmente, coros religiosos que dão aleluias; exortam a fé e esperança, mas também falam da vida na terra que nada se assemelha ao paraíso. São 10h35, quando a comitiva presidencial, vivamente saudada pela população, chega à administração. A reunião, à porta fechada, prolonga-se muito além do previsto. “São muitos problemas. Enfrentamos muitas dificuldades no dia-a-dia”, desabafa uma entidade local.
Do lado de fora, a animação prossegue. “Nós queremos estradas”, canta um grupo de jovens. Rapidamente, o slogan repete-se de forma ordeira. Indivíduos trajados à paisana dirigem-se ao foco do clamor. Segue-se um breve silêncio. E não mais se ouve falar de estradas no seio da multidão. Entretanto, no interior da administração, declarações transmitidas em directo pelo próprio governador da província confirmam o que alguém decidiu silenciar. Escasseiam as estradas transitáveis. Somente 16 por cento da malha rodoviária na província tem asfalto. Se o dado não fosse expressivo, o facto de corresponder a aproximadamente quinhentos quilómetros num universo de 223.023 quilómetros quadrados tiraria a peneira do sol.
A rainha Nhakatolo Tchilombo, autoridade máxima do povo luvale, e o príncipe Mucanda Nkunda Chinunki, representante do povo ndembo lunda, reiteraram a urgência na reabilitação das vias de comunicação, durante a audiência que lhes foi concedida por João Lourenço. Perto de Cazombo, há localidades onde a batata rena e demais produtos agrícolas apodrecem devido à falta de escoamento. A mensagem passou.
“O povo pediu comício”, comenta alguém ao lado. E o Presidente anuiu, anunciando a concretização dos primeiros projectos do Programa Integrado de Intervenção nos municípios (PIIM) no Alto Zambeze, província do Moxico. Piora o isolamento do município a inexistência de ligações comerciais. O aeródromo, de terra batida, recebe voos especiais, principalmente militares. O comboio chega ao Luau, separado de Cazombo, por 260 quilómetros de percurso sofrível. Há algumas estradas nos buracos e não buracos nas estradas, desabafa um repórter fotográfico. Mostra fotos suas publicadas numa rede social. As desconhecidas crateras de Marte devem ter melhor aspecto.
Pão burro
O isolamento reflecte-se na falta de quase tudo. Desafiar 519 quilómetros em condições deploráveis significa, praticamente, investir no vazio. Há sempre empreendedores audazes que conseguem levar produtos diversos à localidade. Não chegamos a ver o famoso mercado local, onde dizem haver bancadas supostamente pertencentes aos nossos conhecidos “Mamadús”. Também não vimos cantinas abertas. Procurámos padarias. “Não temos nenhuma, garante nosso cicerone, um moto-taxista com menos de 30 anos.
“Aqui só comemos pão feito pelas senhoras em casa”. Ou seja, o antigamente denominado “pão burro”, celebrizados no tempo da carência generalizada de alimentos, que não poupou as grandes cidades. Embora apareça farinha de trigo, escasseia o combustível, indispensável ao funcionamento regular de uma padaria. Existe apenas uma bomba de combustível em toda vila, que vende a gasolina a 250 kwanzas o litro. Na rua, custa 300. Quando chove, o preço por litro atinge os mil kwanzas. Quem iria investir nestas condições? Resposta dispensável!

A Nova Cidade

Quatro meninas com vestidos irrepreensivelmente brancos e sabrinas da mesma cor postam-se diante da aeronave que traz o Presidente, para a tradicional colocação de lenços brancos. Para a Primeira- Dama da República, levam um bouquet de rosas. Os irretocáveis penteados prendem a atenção da repórter.
“Não temos nenhum salão. Mandamos vir os produtos do mercado e penteamos as meninas em casa”. A explicação vem de Marcela Tchinhama, princesa luvale. Ela trabalha no Gabinete Jurídico da Administração Municipal. Aprumadíssima, repara no olhar direccionado para as unhas bem arranjadas, com aplicações e detalhes a que têm direitos os frequentadores de salões de beleza. “Um jovem trata as minhas unhas”, diz, exibindo as mãos.
Sobrinha da rainha Nhakatolo, Marcela reside na Nova Cidade. O nome sugestivo aplica-se a um conjunto de 98 casas construídas de raiz. Algumas estão inacabadas. Mas têm moradores. O pacote inicial previa 200 habitações. A provisão de água e energia eléctrica depende do auto-abastecimento. As condutas provenientes do rio Zambeze há muito deixaram de ter utilidade.
“Tiramos água das cacimbas”, diz Marcela. Outra opção é contratar os serviços de motociclos de três rodas, popularmente chamados “Tá Maluca” na região Leste. Trata-se dos famosos “Avô Chegou”. Os transportadores do precioso líquido cobram mil kwanzas pelo barril de duzentos litros.
Entretanto, o Presidente partiu para o Luena. Aos poucos, diminui a azáfama. Os kupapatas circulam novamente pela rua principal. Às 20 horas, já não há moto-taxistas. Mas há muita gente na rua. Todos querem desfrutar da incomum iluminação das artérias. Ninguém sabe dizer por quanto tempo as luzes vão permanecer acesas. Em sentido inverso, as “nuvens” de poeira cobrem a vila.

Por dentro

O Alto Zambeze é um dos nove municípios da província de Moxico. Tem uma área de 48 356 quilómetros quadrados e uma população estimada em mais de 70 mil. A vila de Cazombo é a capital do município, constituído pelas comunas de Kavungo, Kainda, Lôvua, Kalunda, Macondo e Lumbala Kabengue. O Alto Zambeze faz fronteira a Norte pela República Democrática do Congo, a Este e Sul pela Zâmbia. É limitado a Oeste pelos municípios de Bundas, Moxico, Lumeje e Luacana.

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