Opinião

As privatizações como mecanismo de Pagamento da dívida pública

A revolução económica de Angola aguardou 27 intermináveis anos, visto que, apenas no ano em curso foram, finalmente, aprovados os instrumentos de política económica que visam reduzir o excessivo e desequilibrado poder do Estado Empresário.

21/09/2019  Última atualização 06H37

O objectivo desses instrumentos visa, desde logo, criar gradualmente um mercado mais aberto e competitivo, capaz de alargar as oportunidades de emprego e de carreira, em especial, no seio da população mais jovem. Com a entrada de novos players na economia angolana é razoável supor que o critério de decisão contratual seja a competência técnica e não o famigerado Quem Indica, reproduzindo uma expressão que se tornou popular e quer significar as situações de troca de favores, compadrio e tráfico de influências. Com efeito, num cenário de competição acirrada entre empresas, tudo levará a que as entidades empregadoras escolham apenas quem efectivamente trabalhe.
Constata-se que o processo de privatizações tem sido aguardado com enorme expectativa, porque representa uma alteração substancial da paisagem económica, além da própria política económica do Estado, podendo, em larga medida, ser visto como uma espécie de pau para toda a obra, uma vez que, em sede de redução directa da despesa pública, o impacto será imediato, porque o Orçamento Geral do Estado (OGE) não terá capacidade para continuar a suportar empresas sorvedoras de fundos públicos e, em simultâneo, disponibilizar recursos para a satisfação das inúmeras necessidades da colectividade. Neste capítulo, são por demais conhecidas as empresas públicas que, sistematicamente, provocam prejuízos ao Estado. É por exemplo, o caso do Banco de Poupança e Crédito, S.A (“BPC”), que terá representado para o OGE dívidas que ascendem os milhares de milhões de dólares. Se, por um lado as privatizações vão diminuir a despesa que o OGE vem destinando às empresas-prejuízos, por outro, deverá ser complementada com medidas como as anunciadas pelo Ministro das Finanças, quando conferia posse ao mais recente Conselho de Administração do BPC, segundo as quais, o Estado não poderá realizar aportes de capital ao referido banco, podendo, neste contexto, interpretar-se extensivamente que não deverá fazê-lo, igualmente, com outras empresas que apresentem reiteradamente resultados negativos, ainda que teoricamente rentáveis, sob pena de sacrificar os contribuintes.
Como dissemos atrás, as privatizações assumem-se como um instrumento de política económica, e nessa medida, poderão ainda ser utilizadas pelo Governo como uma medida de correcção social a vários níveis, no que toca, por exemplo, à questão da dívida pública do Estado Angolano. Sugere-se, assim, que o Estado possa pagar dívidas internas e externas mediante a entrega de acções de empresas públicas por privatizar, aos detentores de créditos sobre o Estado. Deste modo, os credores do Estado poderão ser pagos pelo mecanismo da compensação em alternativa ao dinheiro, devido a falta de liquidez. Na realidade, solução semelhante já tem sido implementada, no âmbito da dívida pública, que tem sido paga com obrigações do tesouro com maturidades a longo prazo e taxas de retorno elevadas.
O cenário acima descrito, de utilização das acções das empresas públicas como meio de pagamento da dívida, deverá ter em conta elementos axiológicos resultantes do texto da Lei n.º 10 /19, de 14 de Maio - Lei de Bases das Privatizações. Neste domínio entendemos que determinadas empresas, que hoje são claramente inviáveis porque nunca chegaram a atingir os objectivos constantes dos documentos constitutivos, só estarão em conformidade com aqueles (elementos axiológicos) e com a campanha de moralização da sociedade, liderada pelo Presidente do Partido no Poder e Titular do Poder Executivo, se tiverem como credores/beneficiários determinados entes privados nacionais ou estrangeiros que comprovadamente não tenham um mínimo de relação com servidores/gestores públicos, em especial aqueles que apresentem um histórico de práticas duvidosas, em prejuízo do Estado ou mesmo ligações com pessoas perseguidas pela justiça, bem como dos seus testas-de-ferro. Entendemos que esta categoria de credores, nacionais ou estrangeiros, não dispõe de qualquer “idoneidade creditícia”, ou seja, legitimidade ética para obter dividendos do Estado. Na nossa opinião, uma medida dessa natureza transmitiria uma mensagem de boa-fé e de justiça para com empresas verdadeiramente independentes do poder político, as quais, nas horas mais difíceis da história do Estado Angolano, disponibilizaram os bens e serviços necessários ao seu funcionamento, mas, em contrapartida, até ao momento não se viram compensados pelo sacrifício consentido em prejuízo próprio. Bem vistas as coisas, tais empresas e empresários sacrificaram o lucro por conta de um ideal maior e transcendental, ou seja, a construção da Nação Angolana sob o manto do Estado Angolano.
A solução que acabamos de apresentar é, além de tudo, apta para melhorar o ambiente de negócios no país e, de certo modo, poderá marcar o início de uma nova etapa da história, infundindo nos particulares uma certa confiança, suficientemente capaz de atrair investidores internos, que vêm preferindo a Europa e os paraísos fiscais para depositarem as riquezas adquiridas em solo pátrio.
O programa em implementação, pelo Gabinete Técnico de Apoio ao Credor do Estado da Unidade de Gestão da Dívida Pública do Ministério das Finanças, ao abrigo do qual vêm sendo regularizadas (pagas) dívidas públicas do período 2013-2018, apesar de não terem já um grande impacto nos credores, porque para determinadas dívidas os pagamentos são efectuados mediante a emissão e entrega de títulos da dívida, não indexados, com maturidades de até 7 anos, que ao sabor da inflação podem representar um mecanismo administrativo de expurgação da dívida sem que o beneficiário do pagamento se sinta, efectivamente, pago, não obstante, veio trazer alento aos inúmeros credores do Estado, que viram os seus créditos satisfeitos nas circunstâncias citadas.
Tendo em conta o contexto actual, o Governo em funções tem entre mãos uma excelente oportunidade para aproveitar e maximizar as privatizações, como um meio de redução da despesa pública, bem como de melhoria do ambiente de negócios, mediante a infusão de confiança nos privados. A confiança que os privados depositam no Estado será tão útil e em relação de complementaridade com as viagens realizadas pela diplomacia angolana, na pessoa do seu chefe, o Presidente da República e do seu auxiliar, o Ministro das Relações Exteriores, na medida em que, os investidores estrangeiros que pretendam entrar no mercado angolano mais facilmente farão fé nos testemunhos das experiências dos empresários que já operam em Angola, independentemente do discurso oficial, e que somente ocorrerá se os credores internos forem pagos justa e tempestivamente.
Em suma seria do interesse nacional que o Programa de Privatizações em curso, para além da alienação directa de participações sociais, bens e activos que integram as empresas públicas descritas no PROPRIV, pudesse, igualmente, regularizar a dívida do Estado por intermédio da entrega de acções de empresas públicas, a privatizar, aos credores (do Estado), o que encontraria respaldo nas leis vigentes em Angola, sem descurar a necessidade de verificação da idoneidade creditícia (legitimidade ética para obter dividendos do Estado) dos mesmos credores.

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