Opinião

Paracuca de gengibre

O gengibre desperta todos os nossos sentidos. Eu adoro comer paracuca de gengibre: é como se pudesse estar entre duas idades, a da infância, pelo seu sabor adocicado, e a da sabedoria, pelo seu sabor picante. O mais parecido à paracuca de gengibre é o gengibre cristalizado, um dos confeitos mais consumidos no sudoeste asiático.

01/10/2019  Última atualização 08H43

Não perco a ocasião de pôr um pedaço de gengibre na boca, quando coberto em chocolate, mas confesso que só conhecia a paracuca de ginguba. Apesar de até muito recentemente nem saber que elas existiam já provei, também, a paracuca de coco e, como é óbvio, a paracuca de gengibre.
Gostei delas. Mas, se tivesse que ficar com uma delas ficaria com a de gengibre. O gengibre tem qualidades para uso medicinal, mas também tem uma certa mística: identifico-me com ambas as coisas e elas impelem-me a nunca dispensá-lo.
Para alguns, a cola e o gengibre sempre foram coisas de mais velhos, que gostam pouco de coisas doces e os consomem de muitas maneiras diferentes: mantendo-os na boca durante uma manhã de jejum, no tempero de um molho, no peixe ou na carne com limão, no chá, com os sumos de ananás e hortelã ou, também, quando estão relaxados, afogadas em whisky.
Mas, eu adoro ralar gengibre para sentir o seu cheiro intenso e deixar, por uns minutos, as minhas mãos sem lavar como se, por tê-lo manuseado, elas ficassem com umas luvas de sabedoria. Tocá-los é relaxante: o rizoma parece unido à terra até mesmo depois de lá ter saído.
No geral, gosto menos é da paracuca, do tipo que for, que tenha aroma de canela ou outro qualquer, talvez porque não é de aromas que a minha memória recorda, mas, sim, de substâncias.
Quem inventou a paracuca de gengibre só pode ser alguém que gosta do gengibre e do açúcar e além do mais acredita que associar o gengibre aos mais velhos só pode ser um preconceito, que devemos desfazer na boca.
Eu esqueço-me dos aromas rapidamente. Se a minha memória recordasse aromas desconfiaria dela, seria como confiar alguém pelas palavras que diz e não pelos seus actos: os aromas são como as intenções e os discursos, são só mesmo isso, qualquer coisa insubstancial ou hipotético, que gostaria de deixar marcas, mas que, na prática, não se justifica ainda. Os actos são como as substâncias, funcionam como o ferro quente em pele mole, marcam-nos para sempre.
Quando era miúdo, à entrada da escola e ainda que preferisse a quitaba, encontrava muitas senhoras a venderem paracuca de ginguba: eu gostava de vê-la aos montes como se fossem pedrinhas amontoadas, resignadas, à espera que fossem compradas para poderem sair daí e terem outro destino.
Quem a compra, sabe que a ginguba dá trabalho: tens que mastigar mesmo e quando o bago se desfaz transformando-se numa massa expele, então, um suco que eu saboreio, gravando o seu sabor, que é sempre muito mais do que um aroma.
Ao desfazerem-se, os bagos de ginguba são tão granulosos que deixam uma sensação arenosa que, involuntariamente, faz que os recordemos facilmente.
Adoro comer paracuca de gengibre: os troços de gengibre valem o que valem por desfazerem-se entre fios e massa, com o seu sabor característico que atropela todos os que encontra pelo caminho, impondo-se como um herói das papilas gustativas e da memória, deixando a nossa boca a arder de prazer.

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