Economia

Pagamento de atrasados favorece o investimento

Kamuanga Júlia | Saurimo

Jornalista

O economista Rui Malaquias disse ao Jornal de Angola que o Estado pode fazer mais e melhores investimentos públicos em 2020, como recompensa pela decisão de regularizar os atrasados da dívida de 2013 a 2017 junto dos seus fornecedores, pois arrecadará mais dos bancos, famílias e empresas.

02/01/2020  Última atualização 19H59
DR © Fotografia por: Rui Malaquias (à esquerda) e Fernando Vunge defendem persistência no pagamento da dívida

Ao reagir à publicação do “Relatório Anual da Estratégia de Regularização dos Atrasados”, publicada há pouco mais de uma semana pelo Ministério das Finanças, Rui Malaquias entende que as “empresas, ao receberem o devido pagamento, podem voltar a operar, reinvestir, pagar aos bancos e aos seus fornecedores, pagar salários aos seus funcionários e voltar a crescer (assim que possível)”.
Outra nota feita por Rui Malaquias tem a ver com a procura pela transparência e previsibilidade do funcionamento estatal quanto ao facto de honrar os seus compromissos com os credores nacionais e internacionais, posição que, declarou, melhora a imagem e renova a seriedade do aparelho do Estado.
Uma perspectiva idêntica foi expressa pelo economista Fernando Vunge, para quem a garantia dada pelo Executivo de regularizar a divida para com os fornecedores do Estado num montante acima de 170 mil milhões de kwanzas é bem-vinda. Para ele, isso vai permitir que as empresas em dificuldades possam alavancar a actividade e, tendo em atenção os seus planos de negócios e as suas responsabilidades, poderão garantir os salários dos trabalhadores.
Fernando Vunge considera “preocupante” o facto de a maior fatia da dívida atrasada não estar inscrita no Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado (SIGFE), o que demonstra uma flagrante falta de observância à lei da execução orçamental.
“Infelizmente, alguns gestores contratam bens e serviços fora do quadro legal, o que tem desencadeado actos lesivos aos interesses superiores do Estado e alimentando práticas como a corrupção. Contudo, o processo de certificação da dívida enquadra-se dentro das medidas para a correcção dessas práticas abusivas”, salienta.

Liquidez excessiva?
Quanto à gestão da liquidez no mercado, Rui Malaquias sublinhou não ser possível existir excesso, pois o pagamento em numerário não é dinheiro em mão, mas sim por via de depósitos no sistema bancário, através da conta à ordem da empresa, embora, acrescentou, deva ainda considerar-se o facto de uma dada empresa beneficiada pelos atrasados ter também dívidas à banca e a outras fornecedores, além de custos atrasados eventuais com funcionários.
“A teoria do excesso de liquidez faria sentido se as empresas não tivessem encargos já vencidos até mesmo para com o próprio Estado. Entendemos que esta lufada de ar fresco será, principalmente, para colocar a engrenagem económica a funcionar: os clientes pagam aos seus fornecedores e estes fornecedores, que são clientes de outrem, pagam aos seus fornecedores. Há que assinalar que o pagamento em disponibilidade foi a melhor solução, relativamente aos títulos (devido ao percentual reduzido que este montante representa no total da dívida a regularizar), pois as micro, pequenas e médias empresas denotam grandes problemas de liquidez imediata. Apenas a disponibilidade em caixa ou banco pode atenuar estas situações”, defende.
Outra questão colocada pelos dois pretende determinar se o Estado terá liquidez para eliminar todos os atrasados em 2021, conforme se compromete.
A esta questão, o economista e também gestor bancário Fernando Vunge esclarece que a actual conjuntura económica provocada por factores externos (queda acentuada do preço do petróleo nos mercados internacionais) e internos (implementação de políticas económicas pouco consistentes aliada aos males económicos como a corrupção, a impunidade e o nepotismo) foram elementos que condicionaram de algum modo o cumprimento das responsabilidades do Estado com os atrasados.
A meta de eliminar todos atrasados até 2021, prevê, é desafiante, mas não impossível, a julgar pelas medidas que constam no Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN 2018-2022), que, neste quesito, realça a necessidade da consolidação fiscal e maior rigor na gestão das finanças públicas.
Com estas, há ainda as actuais medidas no sentido de aumentar a receita pública, como são os casos da revisão e introdução de novos impostos como a IVA e a Pauta Aduaneira Revista.
“São medidas que vão permitir uma maior arrecadação de receitas fiscais, sobretudo do sector não-petrolífero, o que poderá, talvez, alavancar o cumprimento das metas que o Executivo se propõe até 2021”, prevê Fernando Vunge.