Reportagem

Centralidade tem “lotação esgotada”

Na entrada para o município do Cuito, pela Estrada Nacional 240, que liga as províncias do Huambo e Bié, está localizada a centralidade “Horizonte”, cujos edifícios de cores roxa, creme e laranja saltam à vista.

06/01/2020  Última atualização 09H39
Edson Fabrizio | Edições Novembro | Cuito

Três anos após a inauguração, o número elevado de assaltos às residências constitui a principal preocupação dos moradores. Inesperadamente, o sonho da casa própria veio acompanhado pelo permanente sobressalto, ante o sentimento de insegurança, sobretudo nos últimos meses.
A inquietação é partilhada pela gestão da centralidade “ Horizonte”, como o confirma o administrador Henriques Arsénio. Com designação ainda provisória, a urbanização “Horizonte” está actualmente lotada por moradores provenientes dos diferentes municípios e mesmo de outras províncias do país. O projecto habitacional veio suprir a carência de muitos cidadãos que enfrentavam o problema da falta de residência.
O responsável máximo da centralidade revelou que 20 mil habitantes ocupam as 2.830 habitações da urbanização da cidade do Cuito. O preenchimento das casas foi precedido de candidaturas, feitas em duas modalidades, tendo em conta a capacidade financeira do cidadão.
Assim, os moradores que optaram pelo sistema de renda resolúvel pagam mensalmente 39 mil Kwanzas, enquanto quem arrendou sem opção de compra desembolsa 12.500 Kwanzas.
A centralidade, erguida pela empresa construtora “Kora-Angola”, apresenta situações que têm merecido queixas, como falta de passeios e jardins, nos arredores das casas duplex, edifícios e moradias.
Henriques Arsénio reconheceu que a falta de passeios e jardins não deveria ser da responsabilidade dos moradores. Porém, exortou-os a colaborar para melhorar a imagem da urbanização.

Ravinas preocupam

A falta de zonas verdes e passeios à volta dos edifícios, em várias quadras, está a permitir o surgimento de pequenas ravinas ao redor das estruturas, facto que preocupa os moradores, como confirma o administrador.
“ O surgimento de ravinas ao redor dos edifícios é fruto da falta de jardins e passeios, que não foram colocados durante a construção”.
Henriques Arsénio salientou que a administração está preocupada com o surgimento destas ravinas, uma vez que podem causar transtornos graves.
De forma preventiva, está a ser realizado um trabalho de sensibilização dos moradores.
“A província do Bié possui terreno arenoso, o que facilita o surgimento de ravinas. Por isso, os jardins ao redor dos edifícios são necessários, tendo em conta a profundidade dos edifícios da centralidade”, afirmou. Henriques Arsénio.
Lembrou que a centralidade não é orçamentada, razão pela qual não possui recursos financeiros que lhe permitiriam colocar passeios e jardins ao redor dos edifícios. Acrescentou que o projecto “Horizonte” do Cuito foi entregue aos moradores sem acabamentos, com realce para a falta de mosaicos e azulejos em todos os apartamentos, duplex e moradias.
Em relação às licenças para modificação dos apartamentos, Henriques Arsénio lembrou a o­­brigatoriedade do pagamento de uma taxa, para a execução de acabamentos internos.
Sobre a designação da urbanização, a gerência, em colaboração com os moradores e o Governo do Bié, estão a criar mecanismos para a escolha de um nome, dentro da Toponímia.
Para dar vazão às preocupações dos moradores, a administração da centralidade possui um gabinete do Fundo Habitacional, que tem recebido informações e reclamações dos moradores. As queixas estão ligadas, sobretudo, à gestão dos descontos das residências.

Novos edifícios vão gerar 398 moradias

O Governo da Província do Bié tem o controlo das estruturas públicas existentes em todos os municípios, segundo o director do Gabinete Técnico e Infra-estruturas. Abel Guerra Paulo revelou que novos edifícios, dentro do projecto adjudicado à Kora-Angola, vão estar em construção, para aumentar a centralidade do Cuito, tendo em conta a procura na região.
“Está prevista a construção de mais edifícios, com 398 moradias, entre apartamentos, duplex e vivendas, para beneficiar cidadãos que ficaram de fora na primeira fase. A empresa construtora Kora-Angola está, nesta altura, a aprovisionar os materiais”, considerou.
O estado técnico das centralidades garante segurança e estão acautelados aspectos com as empresas construtoras, afirmou.
“A fiscalização das obras a serem executadas vai ser mais eficaz, comparativamente aos anos anteriores, para evitar danos posteriores”.
Abel Guerra referiu que, na província do Bié, somente os municípios do Cuito e Andulo têm centralidades. Nas restantes localidades foram construídos fogos habitacionais. O director do Gabinete Técnico e Infra-Estruturas revelou ainda que a construção de mais 500 casas, no Cuito, estão na sua fase final.
Em relação às ravinas que surgem ao redor dos fogos habitacionais e centralidades, Abel Guerra disse que a prevenção e combate estão devidamente acautelados.

Insegurança e outras queixas

Os moradores da centralidade “Horizonte” lamentam o elevado número de assaltos, registados nos últimos meses e em vários períodos, e solicitam o reforço da vigilância policial.
Filipina Figueiredo, de 28 anos, funcionária pública moradora da centralidade há 8 meses, disse que os principais transtornos são o saneamento básico e a falta de segurança.
“Estas duas situações mexem com a nossa tranquilidade aqui na centralidade. Quer de dia, quer de noite não temos segurança”, lamentou.
A falta de casa própria levou Manuel Sassolo, de 30 anos, funcionário público, a aderir à centralidade, onde vive há um ano e seis meses. “Sem casa própria, a oportunidade que surgiu foi aqui e não hesitei”, disse.
Apesar das dificuldades apontadas, o facto de haver água e energia de forma permanente satisfaz os moradores, como o confirma Manuel Sassolo.
“A água e a energia estão no sistema pré-pago, facto que ajuda os moradores a economizar as suas finanças”, disse.
O mau estado dos esgotos, os amontoados de lixo, a falta de lugares de lazer e campos desportivos são outras preocupações dos moradores, assim como o custo da habitação.
António Lussaty, de 35 anos, revelou que vivia em casa de aluguer, na zona periférica. Acredita que o sistema de pagamento da renda resolúvel deve ser reavaliado, face à actual situação financeira.
Outra moradora da centralidade, Conceição Ngola, 45 anos, síndica da quadra 16, afirmou que o sistema pré-pago de água foi uma surpresa para os moradores da centralidade. Garantiu, no entanto, que existe uma relação saudável com a administração da urbanização.
“Estamos muito preocupados com o elevado preço das residências, porque, face à actual situação de crise financeira, fica muito difícil honrar os compromissos relativos aos pagamentos mensais. Por outro lado, a falta de segurança tem criado muitos transtornos aos moradores”, salientou.

Falta quase tudo

José Chaves | Andulo

A centralidade do Andulo, de no Bié, foi inaugurada a 8 de Março de 2018, à luz do projecto traçado pelo Executivo e que se enquadra no Programa Nacional de Habitação. Tem, nesta primeira fase, apenas 172 habitações, das mil inicialmente previstas. 144 são apartamentos, 14 moradias térreas e outras 14 residências de dois pisos. Uma rede de energia, abastecida a partir de um grupo gerador, alimenta o complexo, que dispõe de um sistema de água e outro de tratamento de resíduos.
Os munícipes aguardam ansiosos pelo arranque da segunda fase, cuja data ainda se desconhece. A centralidade resulta do programa “Meu Sonho, Minha Casa”, erguida em parceria com a construtora Kora Angola.
Entretanto, a carência de bens e serviços preocupa os moradores. Entre as principais queixas destacam-se a falta de centros infantis, jardins de infância, centro de saúde, mini-mercados e uma escola do ensino primário do I ciclo.
Maria Helena, 45 anos, é moradora e diz percorrer longas distâncias para levar as crianças à escola. “O aspecto que mais nos preocupa é a educação, porque aqui, na centralidade, ainda não foi construída uma escola primária”, referiu.
Domingos António, professor do ensino secundário no Andulo e um dos moradores da centralidade, disse que a falta de centros infantis, jardins de infância e centro de saúde cria problemas.
O munícipe disse igualmente que estas preocupações têm de ser resolvidas o mais rápido possível, devido ao número de pessoas que habita na centralidade.
O professor sublinhou que a centralidade, neste momento, já tem mais de mil habitantes. “E onde existe este número de habitantes não pode deixar de existir, pelo menos, um posto médico”, disse.
Antónia Silepo, outra moradora, disse, por seu lado, que a zona habitacional também carece de segurança. “Este problema e o da ausência de uma Comissão de Moradores faz com que qualquer indivíduo entre e retire o que encontrar”.
O município do Andulo fica a 130 quilómetros do Cuito, capital da província do Bié. Tem uma superfície de 10.700 quilómetros quadrados e uma população de 250 mil habitantes.

Qualidade das habitações

A qualidade do material usado na construção das centralidades do Cuito e do Andulo tem deixado reticentes moradores. Algumas moradias já apresentam rachas nas paredes e no tecto, infiltração de água na época das chuvas e cheiro nauseabundo das fossas em alguns períodos do dia.
O facto de não merecerem acabamentos, como mosaicos e azulejos, também leva moradores a questionarem o valor das casas e o tempo útil estabelecido pelo construtor.
“Estas casas foram construídas sem vigas, pilares e cabocos. Como pode um edifício sobreviver assim por mais de 25 anos, numa província onde o clima é húmido e com chuvas regulares?”, inquiriu o morador José Sebastião.
O nosso interlocutor argumentou ainda que algumas moradias da centralidade do Cuito foram concluídas em 2012 e entregues cinco anos depois, o que pode estar associado às rachaduras verificais a olho nú.
As moradias foram construídas com painéis pré-fabricados em BCA (betão celular autoclavado), material até então nunca utilizados na construção civil no país.
O facto de as infiltrações de água ocorrerem sempre em época chuvosa e as reparações serem sempre paliativas, nunca definitiva, deixa moradores preocupados, sobretudo quem está a pagar de forma resolúvel.
“Eu pago todos os meses 38 mil kwanzas. Sempre que chove, tenho de ligar para o apoio ao cliente da Kora-Angola e eles vêm. Quando eles deixarem de dar o apoio técnico, como ficamos”, questionou Adalberto Sumbo.
O Jornal de Angola contactou os serviços de apoio ao cliente da empresa construtora Kora Angola. Foi informado que o cliente pode, se quiser desistir da compra, recorrer ao Fundo Habitacional.
Entretanto, o cliente que adquiriu uma moradia na modalidade renda resolúvel não pode mudar para renda normal, independentemente de como se apresentar a residência. A troca de modalidade de pagamento só pode ser facilitada em caso de mudança da situação financeira do inquilino.

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