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União Europeia deve “definir uma estratégia nova e integrada para África”

De acordo com o espanhol que ocupa a vice-presidência da Comissão Europeia, “para que a frágil trégua na Líbia possa perdurar, precisamos de apoiar o embargo às armas”

10/02/2020  Última atualização 10H23
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O alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e vice-presidente da Comissão Europeia, Josep Borrel, é de opinião que, além da gestão de crises na vizinhança do continente, a União Europeia tem outas duas prioridades fundamentais, entre as quais uma relativa ao continente africano:
“Em primeiro lugar, definir uma estratégia nova e integrada para e com África, o nosso continente irmão. Precisamos de pensar em grande e utilizar as nossas políticas em matéria de comércio, inovação, alterações climáticas, ciberespaço, segurança, investimento e migração, para concretizar os nossos discursos de igualdade entre os parceiros”.
De acordo com o líder eu-ropeu, em segundo lugar, o empenho deve ser direccionado à concepção de “abordagens credíveis para lidar com os actuais intervenientes estratégicos a nível mundial: os Estados Unidos, a China e a Rússia. Se bem que de formas diferentes, todos os três estão a recorrer à táctica de vinculação de dossiês no âm-bito de uma mesma negociação e a políticas de força. A nossa resposta deve ser diferenciada e modulada, mas também lúcida e pronta a defender os valores e interesses da UE, bem como os princípios acordados a nível internacional”.
Num artigo publicado no jornal português “Diário de Notícias”, Josep Borel escreve não ter dúvidas de que as abordagens que coloca não serão fáceis de materializar, pois nem todos estes objectivos poderão ser alcançados este ano.
“Mas as batalhas políticas são vencidas ou perdidas consoante a forma como são configuradas no contexto em que se inserem. 2020 deverá ser o ano em que a Europa avançará resolutamente com uma abordagem geopolítica, deixando de ser um actor em busca da sua identidade”, garantiu.
Para o político, a Europa não se pode resignar, nem dispersar as suas forças. “Adop-tar uma atitude de resigna-
ção equivale a admitir que os problemas mundiais são demasiado numerosos ou distantes para que todos os europeus se sintam por eles afectados. Para construir uma cultura estratégica comum, é imprescindível que todos os europeus compreendam que as ameaças à segurança são indivisíveis”.
Josep Borrel escreve ser “absurdo pensar que a situação na Líbia e no Sahel é preocupação exclusiva dos países mediterrânicos, tal como é absurdo pensar que a segurança dos países bálticos diz apenas respeito à Europa Oriental. As convulsões geopolíticas que hoje presenciamos demonstram até que ponto é essencial que a União Europeia defina, o mais rapidamente possível, a sua posição num contexto que se caracteriza, cada vez mais, por políticas baseadas na força bruta”.
Na opinião de Borrel, o mundo enfrenta uma era dominada pela concorrência geoestratégica, em que certos dirigentes não hesitam em recorrer à força, nem em utilizar os instrumentos económicos e de outro tipo como armas.
“Nós, europeus, precisamos de ajustar os nossos esquemas mentais para lidar com o mundo tal como ele é, e não como esperávamos que fosse, a fim de evitar que nos tornemos os perdedores da concorrência entre os EUA e a China. Temos que reaprender a linguagem do poder e reconhecer o nosso próprio papel de intervenientes geoestratégicos de primeiro plano”.
Este desafio, na visão do dirigente europeu, é, igualmente, difícil, à primeira vista. Afinal, acredita, a Europa foi criada, justamente, para pôr termo às políticas baseadas no poder.
“O que nos permitiu, graças à dissociação entre o poder de coerção e o poder económico, o poder regulamentar e o poder persuasivo, promover a paz e o Estado de direito”. Acredita, por isso, que um modelo assente no multiculturalismo, na abertura e na reciprocidade constituía o melhor modelo, não só para a Europa, mas também para o resto do mundo.

“Realidade bem mais dura” quando actores mundiais não hesitam em recorrer à força

Josep Borrel admite que as coisas não se passaram como era de esperar. Afirma que a realidade é bem mais dura e que numerosos actores no palco mundial não hesitam em recorrer à força para fazerem valer os seus interesses. “Dia após dia, as ferramentas económicas, os fluxos de dados, as tecnologias e as políticas comerciais são, cada vez mais, utilizados para fins estratégicos”, avalia.
O espanhol pergunta-se que atitude poderá a Europa adoptar face à nova realidade? Prossegue referindo que muitos são os que dizem que a política externa da UE nunca será bem-sucedida, por a Europa ser demasiado fraca e estar demasiado fragmentada.
“É evidente que a incapacidade dos Estados-Membros para chegar a acordo quanto às grandes linhas de acção a adoptar põe em causa a nossa credibilidade colectiva. Por vezes, o único momento em que conseguimos estar de acordo é quando se trata de exprimir as nossas preocupações, unanimidade essa que se evapora quando se trata de chegar a acordo quanto às soluções a adoptar para lhes fazer face”, afirma.
Para esta autoridade europeia, a regra da unanimidade dificulta a obtenção de um consenso sobre questões fracturantes e o risco de paralisia está sempre presente. Diz que os Estados-Membros têm que to-mar consciência de que, ao vetarem determinadas decisões, estão a contribuir para fragilizar não só a Europa, como eles mesmos. Além disso, prossegue, “é absurdo afirmar que queremos reforçar o papel da Europa no mundo, se não estivermos dispostos a adoptar medidas concretas nesse sentido”.
Josep Borrel fala numa dispersão, para quem, consiste “em querermos intervir em todas as frentes e manifestar a nossa preocupação ou boa vontade, concedendo simultaneamente financiamento humanitário ou ajuda à reconstrução, como se os grandes poderes mundiais tivessem o direito de fazer estragos e a UE tivesse a obrigação de os reparar. Temos de ser bem claros quanto aos nossos objectivos políticos e ao leque de capacidades de que dispomos”.
O político é a favor de que a UE tire plenamente partido da sua política comercial e de investimento, do seu poder financeiro, da sua presença diplomática, da sua capacidade normativa e dos seus instrumentos de segurança e defesa, para que possa dispor de numerosos meios de influência.
“O problema da Europa não é a falta de poder, mas sim a falta de vontade política, para unir as suas forças, com vista a assegurar a coerência das suas acções e maximizar o seu impacto”, avalia. A diplomacia, na visão de Borrel, só poderá ser bem sucedida se for apoia-da por acções concretas.
“Para que a frágil trégua na Líbia possa perdurar, precisamos de apoiar o embargo às armas. Se queremos que o acordo nuclear com o Irão so-breviva, precisamos de garantir que este país será recompensado, se voltar a respeitar plenamente as disposições acor-
dadas; se queremos que os Balcãs Ocidentais optem pela via da reconciliação e da reforma, precisamos de lhes oferecer um processo de adesão à UE credível, que lhes proporcione benefícios crescentes; se queremos a paz entre israelitas e palestinianos, temos de defender uma solução negociada, aceite por todas as partes, com base no direito internacional; se queremos impedir a região do Sahel de resvalar para um estado de anarquia e de insegurança, temos que intensificar a nossa ajuda. Tudo isto são exemplos de situações em que os Estados-Membros têm de assumir as suas responsabilidades”, remata.
De 72 anos, Josep Borrell Fontelles é um político espanhol, que foi já ministro dos Assuntos Exteriores de Espanha e presidente do Parlamento Europeu, entre 20 de Julho de 2004 e 16 de Janeiro de 2007.