Reportagem

Avarias deixam zonas altas do Lobito e Catumbela sem água potável

Desesperados, alguns moradores das zonas altas do Lobito e da Catumbela recorrem aos camiões-cisternas privados para obterem a água, muitas vezes sem qualida-de para o consumo humano. Outros, mais ousados, construíram tanques subterrâneos para revenderem o líquido, sendo que um recipiente de 25 litros é comercializado ao preço de 50 kwanzas.

18/02/2020  Última atualização 08H50
Tonguinha Oliveira | Edições Novembro

Moradora da Vila Chinesa, Diamene Kassanje conta que, três vezes por semana, é obrigada a transportar baldes com água à cabeça, em companhia dos irmãos menores. “Há si-tuações difíceis de acreditar. Como é possível, em pleno século XXI, numa cidade co-mo o Lobito haver pessoas à procura de água para as ne-cessidades básicas. É demais”, lamentou.
A jovem universitária lembrou que a água, como fonte da vida, é um recurso natural essencial, seja como componente bioquímico de seres vivos ou meio de vida de vá-rias espécies vegetais e animais, bem como factor de produção de vários bens de consumo. “É responsabilidade do Executivo levar água às populações. É um direito”, sublinhou.
Com a escassez do precioso líquido, disse, surgem os oportunistas que vendem a água a preços especulativos. “Se a Empresa de Águas do Lobito soubesse investir seria ela a arrecadar estas re-ceitas”, afirmou.
Com as coisas a tomarem contornos alarmantes, os moradores das cidades do Lobito e da Catumbela são obrigados a percorrer cerca de cinco quilómetros para conseguir água para o consumo, em localidades circunvizinhas.
Maria do Rosário, há seis meses na centralidade do Lobito, lamenta ter de comprar, sempre que há falha da rede pública, água em bidões de 20 litros, ao preço de 250 kwanzas cada, acrescido de outros 200, para o moto-taxista que os transporta. “E esta água que consumimos dos bidões não tem qualidade, por isso temos registado doenças diarreicas agudas em crianças. É uma situação sofrível”, queixou-se.

Avaria dos equipamentos
O presidente do Conselho de Administração da Empresa de Águas e Saneamento do Lobito, Henriques Kalengue, justificou que as recorrentes avarias das bombas de captação de água bruta no rio Ca-
tumbela estão na base das constantes falhas no abastecimento do precioso líquido às zonas altas das cidades do Lobito e Catumbela.
Em declarações ao Jornal de Angola, Henriques Kalengue esclareceu que os equipamentos foram montados há cerca de 13 anos e, apesar das manutenções periódicas, os seus componentes não resistiram ao desgaste.
“A água é captada no rio Catumbela e enviada para a Estação de Tratamento do Luongo para depois ser distribuída. Nesse processo, os equipamentos, montados há 13 nos, são submetidos à enor-me pressão. Por isso, apesar das manutenções periódicas, os seus componentes não resistem ao desgaste”, explicou, reconhecendo a competência dos técnicos da Empresa de Águas e Saneamento do Lobito, que tudo têm feito para assegurar o abastecimento regular das zonas baixas dessas duas cidades.
Henriques Kalengue disse ser difícil adquirir as peças de reposição no mercado na-cional, na medida em que os importadores enfrentam dificuldades para a sua aquisição no exterior do país.
Devido às constantes avarias, disse, há uma redução dos níveis de água tratada que chega aos consumidores das zonas altas das duas cidades da província de Benguela. “A capacidade instalada na produção e distribuição de água já não corresponde a diferença entre o valor previsto e o valor realmente obtido. Por outro lado, houve um crescimento exponencial das cidades, com o surgimento de novos bairros que elevaram os níveis de consumo”, referiu.
Henriques Kalengue assegurou que existem estudos que apontam a região do Biópio como a melhor solução para abastecer as centralidades do Lobito, Lu-ongo e a Refinaria do Lobito. “A Refinaria do Lobito terá uma conduta própria de água bruta para dar tratamento aos processos de refinação”, destacou.
O gestor exortou os consumidores a denunciarem todos os actos de vandalismo que possam resultar numa redução da pressão necessária para a água chegar aos pontos mais altos e descer, por gravidade, para outros consumidores situados num nível inferior.

Investimento
O presidente do Conselho de Administração da Em-presa de Águas e Saneamento do Lobito revelou que são necessários 1,5 mil milhões de kwanzas para garantir um abastecimento regular às cidades do Lobito e da Catumbela.
“Com este investimento haverá capacidade de realizar trabalhos de modo eficaz e com o mínimo de desperdício. A produção de água passaria para níveis estimados em 122.500m3/dia e beneficiaria milhares de consumidores adicionados recen-
temente à rede de distribuição”, avançou.
A Empresa de Águas e Sa-neamento do Lobito tem uma capacidade instalada de 3.600 metros cúbicos de água por hora, o que perfaz um total de 86.400 metros cúbicos por dia, produzidos nas estações de tratamento do Luon-go e do Tchiule, para as cida-
des do Lobito e da Catumbela, onde se estima haver 750 mil consumidores.
Para a melhoria do sistema de captação, transporte e distribuição de água, foi aprovado, em 2012, a terceira fase do Programa de Águas de Benguela (PAB). Henriques Kalengue explicou que, apesar disso, o programa não foi executado devido às “anomalias” com a Linha de Crédito do Brasil. “Os ministérios das Finanças e da Energia e Águas procuram agora uma nova linha de crédito para a implementação do Programa”, afirmou, acrescentando que o arranque da empreitada pode ocorrer ainda este ano.
Os trabalhos passam pela extensão da Estação de Tratamento de Águas, rede de distribuição, ligações domiciliares e construção de novos tanques reservatórios, no sentido de garantir o abastecimento contínuo aos consumidores. “Com os reservatórios ficará salvaguardado a distribuição de água por um período de 24 horas. Este é o tempo que pensamos ser suficiente para reparar uma avaria”, disse.

Balombo e Bocoio
A Empresa de Águas e Sanea mento do Lobito também atende os municípios do Bocoio e do Balombo, onde estão a ser instalados sistemas modernos de captação, tratamento e distribuição de água.
“Ainda não conseguimos fornecer água 24/24 no Balombo. A população tem acesso a água durante oito horas por dia. As obras de construção do sistema de captação de água do Balombo já foram executadas a 80 porcento e os equipamentos de captação e distribuição já estão no local”, garantiu.
As obras, garantiu Henriques Kalengue, devem ser concluídas no primeiro semestre do ano em curso. “Desta forma, a vila do Balombo e comunidades circunvizinhas vão ter água 24/24”, assegurou.
Já na sede municipal do Bocoio, depois de várias paralisações por motivos técnicos, as obras reiniciaram e a previsão é que sejam concluídas até o final deste ano.

Mais de três mil milhões em dívida

O presidente do Conselho de Administração da Empresa de Águas e Saneamento do Lobito revelou que os consumidores têm uma divida avaliada em 3,3 mil milhões de kwanzas.
Henriques Kalengue frisou que, com uma dívida dessa dimensão, fica difícil ter uma empresa sustentável. “É muito dinheiro fora dos cofres da empresa. Entre os devedores estão consumidores domésticos, empresas, escolas, hospitais, quartéis militares e policiais. Com esses “kilapes” todos, é complicado ser uma em-presa sustentável”, desabafou.
As receitas que a empresa consegue arrecadar, explicou, servem apenas para pagar salários, reparar ou repor equipamentos. “O maior problema ainda é o preço de venda da água ao consumidor. É muito abaixo”, considera.
O gestor frisou que o aumento das receitas passa por ter mais consumidores efectivos, melhorias na cadeia de produção e distribuição e pela qualidade do atendimento ao público.
Henriques Kalengue defende um diálogo permanente com os consumidores, em que as multas e outras penalizações serão o último recurso. “O poder sancionatório tem de dar lugar ao poder da pedagogia e do diálogo”, disse.

Um desafio para a engenharia
O director-geral Adjunto para Área Científica do Instituto Superior Politécnico de Benguela, Amaro Ricardo, explicou que o abastecimento de água à zona alta do Lobito constitui um desafio para a engenharia, dada a litologia (formação dos solos) e ao mapa hipsométrico (variação drástica da altitude desde o nível do mar).
O núcleo urbano do Lobito, lembrou, encontra-se ao nível do mar, onde se estima viverem perto de 30 porcento da população, e a zona dos morros, a 350 metros acima do nível do mar, onde vivem os restantes 70 porcento, dos mais de 330 mil habitantes da cidade do Lobito”.
Para o docente universitário, o bombeamento de água para a zona Alta do Lobito, onde se registou a construção de novas centralidades, condomínios habitacionais, habitações unifamiliares e complexos industriais, não pode ser feito como ocorre actualmente e exige avultados investimentos por parte do Executivo.
Amaro Ricardo, que durante vários anos foi administrador municipal do Lobito, lembrou que a água que abastece a cidade é captada no rio Catumbela, tratada na Estação de Tratamento de Água (ETA) do Luongo e depois é aduzida ao Centro de Distribuição, localizado na Baixa da Cidade. “O Centro de Distribuição, situado na Baixa, abastece os consumidores da zona Alta. Ora, é fácil deduzir os custos que isso acarreta”, disse.

Programa de águas

Enquanto administrador municipal do Lobito, Amaro Ricardo acompanhou e participou activamente na discussão e elaboração do Pro-
grama de Águas de Benguela(PAB) e do arranque da construção da Refinaria do Lobito (Sonaref).
O projecto de Refinaria do Lobito, explicou, previa a construção de um sistema de água próprio, independente do Programa de Águas de Benguela. “Os estudos apontavam que este sistema captaria a água bruta na albufeira da Central Hídrica do Biópio, situada a 26 quilómetros da refinaria e a 12 da zona de expansão urbana e industrial dos Cabrais”, esclareceu.
Amaro Ricardo conta que, por orientação do então governador provincial de Benguela, general Armando da Cruz Neto, propuseram a Sonaref a inclusão de mais uma conduta de transporte de água bruta.
“A segunda conduta, por nós solicitada à título de responsabilidade social do projecto, seria construída e de-
dicada exclusivamente ao abastecimento de água bruta a uma futura Estação de Tratamento de Água (ETA) na zona dos Cabrais, para atender o crescimento urbano e industrial do Lobito”, explicou Amaro Ricardo.
O antigo administrador do Lobito acrescentou que nunca foi equacionada a captação de água bruta noutros pontos do rio Catumbela, nomeadamente na zona onde se encontra a central eléctrica da extinta Açucareira da Ca-tumbela, nem tão pouco no rio Cubal da Hanha, devido ao seu baixo caudal.

PIIM

Amaro Ricardo alerta que é preciso ter muito cuidado com a implementação do Plano Integrado de Intervenção dos Municípios (PIIM), na componente de produção e tratamento de água na região litoral da província de Benguela, designadamente Lobito, Catumbela, Benguela e Baía-Farta.
“Digo isto por duas razões: primeiro, estes quatro núcleos urbanos representam uma vastíssima área metropolitana e procuram enorme quantidade de água. Segundo, são abastecidos pelo Programa de Águas de Benguela, cujas estações de bombagem de Água bruta e de Tratamento de Água, se encontram localizadas no município da Catumbela”, afirmou.
Para Amaro Ricardo, com a implementação das autarquias, a produção e distribuição de água vai ser um desafio para os futuros autarcas. O professor universitário defende que as empresas de saneamento e distribuição de água devem ser geridas pelas autarquias.
“A experiência mundial indica que a venda de água é uma das maiores fontes de riqueza das câmaras municipais. Ou seja, podemos ver o assunto de outro prisma: se o fornecimento de um bem essencial à vida, como é a água, não for da responsabilidade directa do autarca, que poderes terá este ente pú-blico?”, questionou.
Com a nova divisão político-administrativa, a região onde se encontram a urbanização dos Cabrais e o futuro Pólo Industrial do Biópio é repartida entre os municípios do Lobito e da Catumbela. Amaro Ricardo defende que, tendo em conta essa realidade, o PIIM, no domínio do abastecimento de água para esta zona, deve ser pensado como um investimento intermunicipal. Ou seja, acres-
centa, os dois municípios teriam de partilhar o investimento e, caso não fosse possível, seria o Governo central ou os investidores privados a fazê-lo.
“O PIIM para o município do Lobito prevê a construção de uma conduta para a zona norte, estimada em 3,4 mi-lhões de dólares. Para os de-mais municípios litorâneos não prevê acções nesse domínio. Parece tratar-se de um investimento destinado a construção de uma conduta de transporte de água bruta, não contemplando as componentes de tratamento e de distribuição.
Por isso, olhando para o montante, não acredito que o PIIM venha a dar solução ao problema da escassez ou falta de água a zona Alta do Lobito e a região dos Cabrais, pelo menos no curto prazo”, conclui.

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