Opinião

O bispo e a ministra

Luciano Rocha

Jornalista

O arcebispo de Saurimo e a ministra da Cultura, Turismo e Ambiente fizeram, recentemente, afirmações merecedoras de reflexão para a construção de uma Angola melhor que muitos querem, mas poucos fazem por isso.

01/10/2020  Última atualização 00H05

O bispo D. Manuel Imbamba, em entrevista ao Jornal de Angola, assinada por Diogo Paixão, não se escudou em floreados de linguagem, para dizer o que pensa. Por exemplo, quando após elogiar a postura do Presidente da República por introduzir “um novo paradigma de governação”, referiu como entraves “muitos(...) colaboradores (de João Lourenço), que cresceram e absorveram os velhos e ruins hábitos que empobrecem o país e o cidadão”.
Na mesma linha de pensamento, como que a fazer eco do sentir da maioria dos angolanos, lembrou que “a corrupção continua a capitanear a lista dos males da nossa sociedade cultivada por cidadãos que denotam fraco sentido de amor à Pátria e aos concidadãos”.
O prelado insistiu na necessidade do Presidente João Lourenço ter à sua volta “quadros competentes por mérito” e que devia despartidarizar o emprego, a Função Pública e, sobretudo, as administrações e os respectivos administradores.
O bispo também deu opiniões, entre outros assuntos, igualmente importantes para o nosso crescimento como país verdadeiramente independente, sobre o ensino e a saúde que temos e não devíamos ter, além de criticar “a exaltação doentia da militância partidária em detrimento da cidadania responsável e participativa”.
A clarividência das respostas do arcebispo e cidadão Manuel Imbamba dão-nos, no mínimo - a mais não está obrigado - a hipótese de reflectirmos, pois, como lembrou na entrevista, “o grande mal somos nós mesmos”. No fundo, os que acintosamente não querem, os que querem, mas ainda não conseguiram e os que dizem querer, mas apenas o fazemos da boca para fora, acrescentamos de nossa lavra.
As opiniões da ministra Adjani Costa, expressas em comunicado enviado aos órgão de comunicação social, no âmbito do Dia Mundial do Turismo, também reflectem preocupações do cidadão comum, como, por exemplo, o facto indesmentível que, entre nós, o sector “carece da redefinição de uma estratégia clara, realista e congregadora” para que micro acções “gerem resultados macros, através de parcerias internas”.
A política sublinhou a importância - fora dos grandes centros urbanos - da “preservação do património cultural e natural como o leme para colocar o turismo ao serviço do desenvolvimento rural”. Ninguém, no perfeito juízo, ousa pôr em causa tal objectivo, mas, não resiste a perguntar: e nas outras zonas do país? Nas cidades não tem de haver o mesmo cuidado? Ou é por isso que, em Luanda, se assiste impunemente ao abate indiscriminado de árvores, algumas das quais seculares e símbolos de Angola e de África, como sucede presentemente, no Sequele, com os imbondeiros?
Como pode falar-se, sequer imaginar, em indústria de turismo, quando se consente, até incentiva pela inércia, que um santuário de imbondeiros, cuja área era, há quatro anos, igual à de 33 mil campos de futebol, esteja a ser dizimado para dar lugar a construções clandestinas e, pasme-se!, com os transgressores a terem, inclusive, uma “comissão de moradores” para lhes defender os interesses?
Como é possível comemorar-se o Dia do Turismo, do Ambiente, da Floresta, da Flora, do quer que seja, num país, no qual, em pleno século XXI, se decepam impunemente símbolos? Que, como recordou, no domingo, o Jornal de Angola, já existia, pelo menos, 200 anos antes de Cristo nascer e chega a durar quase três mil?
Do que nos vale perseguir caçadores furtivos se às portas da capital do país se abatem, às claras, sem qualquer estorvo, um dos emblemas maiores da nossa identidade? De que se está à espera para agir? Que são feitas das organizações políticas e de defesa do ambiente? Há responsáveis deste crime contra a Natureza, de lesa-pátria, que é urgente identificar e levar a tribunal. Ou estamos à espera que não sobre nenhuma destas árvores milenares para que batamos palmas na inauguração de mais um aglomerado de cimento armado e plástico, hino à impunidade? Leiam a entrevista do bispo e o comunicado da ministra.

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