Economia

Habitação: Especialistas analisam agravamento de créditos

A desvalorização da moeda tem contribuído para um aumento significativo da taxa de esforço dos clientes com crédito em moeda estrangeira e rendimentos em kwanzas e para o agravamento do risco de incumprimento de créditos habitação.

02/10/2020  Última atualização 17H02
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Essa posição foi defendida por dois economistas que comentaram há dias sobre a “conversão de créditos habitação concedidos a particulares em moeda estrangeira”, medida decidida pelo Banco Nacional de Angola.
A docente universitária, Euriteca André, mestre em Contabilidade, Fiscalidade e Finanças Empresariais, considera o instrutivo do BNA uma medida eficaz, tendo em conta à evolução da taxa de câmbio nos últimos anos, a redução de receitas em moeda estrangeira e o agravamento da desvalorização cambial fruto da pandemia de Covid-19.

“Esta medida vai favorecer, principalmente, os clientes particulares com créditos em moeda estrangeira para habitação própria que tenham rendimentos em kwanzas, pois, com a desvalorização da moeda nacional, os créditos em moeda estrangeira geram dívidas avultadas quando convertidos em kwanzas”, disse para acrescentar que os clientes têm a possibilidade de aceitar a conversão sem o incremento de comissões de reestruturação, de pagamento antecipado ou de conversão dos créditos.

Além disso, esclarece a académica, a medida também vai favorecer as instituições de crédito com clientes elegíveis para a mesma pelo facto de reduzir o número de créditos com a probabilidade de entrar em incumprimento pela falta de capacidade financeira dos seus clientes.
Por outro lado, os bancos vão poder comprar ao BNA o valor da moeda estrangeira vendido aos clientes para a conversão do crédito.
Euriteca André não aponta nenhuma desvantagem da medida do Banco Central, tendo se agarrado às principais vantagens, como sendo o alívio financeiro dos clientes abrangidos por essa medida, a redução do risco de incumprimento de crédito, a eliminação do impacto futuro das variações cambiais nesses créditos e a possibilidade de renegociação dos mesmos. Outra vantagem mencionada é que os bancos vão poder comprar ao BNA o valor da conversão do crédito para a cobertura de posição cambial. “A nível macro, essa medida vai contribuir para a dinamização da economia”, conclui.

Já o economista, mestre e doutorando em Ciências Económicas e Empresariais pela Universidade de Aveiro de Portugal, João Jungo, os bancos comerciais vêem as suas expectativas de lucros reduzidas, uma vez que não poderão beneficiar do montante relativo às correcções monetárias, sendo esta como uma das desvantagens da medida. A principal vantagem da medida, segundo o especialista, consiste na redução do custo do financiamento e, consequentemente, a mitigação do risco de crédito.

A conversão dos empréstimos em moeda estrangeira para moeda nacional permitirá a anulação do efeito das variações cambiais sobre os montantes da amortização da dívida, permitindo o pagamento apenas do valor das prestações em moeda nacional previamente estabelecido.
Para João Jungo, a decisão favorecerá o sistema financeiro angolano pela redução do risco de incumprimento de crédito e prevenção do risco sistémico. De modo similar, a medida poderá contribuir para a redução dos custos de financiamento para os mutuários, deduzindo nas transacções o efeito das variações cambiais, bem como poderá favorecer os bancos pelo facto dos seus clientes cumprirem com as obrigações embora em moeda nacional.

Instado a pronunciar-se se com a desvalorização do kwanza considera o instrutivo do BNA uma medida eficaz, o economista disse que as decisões económicas são tomadas com base nas expectativas e planificações.
Contudo, a forte desvalorização do kwanza influencia na capacidade financeira dos mutuários, impondo a necessidade de reestruturação das suas despesas, sendo que o pagamento das prestações obriga o incremento de mais kwanzas do que o previsto.
“É evidente que os mutuários terão maior dificuldade em cumprirem com as obrigações de crédito, por conseguinte, os empréstimos de grande dimensão podem constituir forte risco sistémico para o sector bancário e provocar efeitos negativos na economia. Portanto, considero o instrutivo do BNA uma medida eficaz”, sentencia o economista João Jungo.
Os clientes particulares com créditos em moeda estrangeira para habitação própria e que não detenham rendimentos ou recursos nessa moeda estão legalmente autorizados a efectivar a sua conversão.

Um instrutivo do BNA, publicado na semana passada sobre a “conversão de créditos habitação concedidos a particulares em moeda estrangeira” obriga os bancos comerciais a contactarem os clientes abrangidos pela referida orientação, no sentido de aferir se os mesmos pretendem converter os créditos em moeda estrangeira para a moeda nacional.
De acordo com o BNA, os bancos comerciais deverão considerar a conversão dos créditos em moeda estrangeira, independentemente do nível de imparidades (quando o valor real de um activo é menor do que o valor que está registado na contabilidade) registadas nessa moeda sobre cada crédito. Para tal, devem conservar o comprovativo escrito do contacto com o cliente, bem como da resposta deste.

Coeficiente das reservas

O Banco Nacional de Angola (BNA) decidiu aumentar, de 15% para 17%, o coeficiente de reservas obrigatórias em moeda estrangeira, uma decisão que pretende “adequar o nível de liquidez ao objectivo de inflação de curto e médio prazos”.
O banco central angolano decidiu também manter o coeficiente das reservas obrigatórias em moeda nacional em 22 por cento, eliminando a dedução de notas e moedas, refere uma nota divulgada ontem e no portal do BNA.
A nota dá conta de uma sessão ordinária, realizada terça-feira, que reuniu o Comité de Política Monetária (CPM) do banco central angolano e durante a qual foram analisados “os principais indicadores económicos, bem como os impactos das medidas de política tomadas anteriormente sobre os diferentes sectores da economia”.

No documento, o CPM assinala que decidiu também manter a taxa básica de juro, taxa BNA, em 15,5 por cento, a taxa de juro da facilidade permanente de cedência de liquidez em 15,5 por cento, a taxa de juro da facilidade permanente de absorção de liquidez, com maturidade de sete dias, em 7 por cento, a taxa de juro da facilidade permanente de absorção de liquidez, com maturidade ‘overnight’ em 0% e manter a taxa de custódia 0,1% sobre o excesso de liquidez dos bancos comerciais.
Da mesma forma, o organismo do BNA decidiu “manter ativa a janela da facilidade permanente de cedência de liquidez, com maturidade ‘overnight’, em até 100 mil milhões de kwanzas [cerca de 138 milhões de euros], renovável trimestralmente, de modo não cumulativo, ao longo do exercício económico de 2020”.

No documento, o CPM considera que é necessária prudência quanto ao “optimismo sobre a retoma da actividade económica”, alertando para as consequências de uma “possível segunda vaga de Covid-19 nas principais economias”.
Sobre o mercado cambial, o banco central angolano aponta que em Agosto os bancos comerciais “compraram mais divisas aos seus clientes que ao BNA”.

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