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Covid-19: Turismo parado levou moradores de Chã das Caldeiras a pegar em enxadas

O turismo foi a solução para muitas famílias locais lidarem com a seca em Cabo Verde, mas a pandemia teve um “impacto negativo muito forte” no sector, conforme disse um morador à Lusa, afirmando que muitos dos 27 guias da associação estão a passar por uma situação crítica.

04/10/2020  Última atualização 11H10
DR © Fotografia por: O turismo foi a solução para muitas famílias locais lidarem com a seca em Cabo Verde, mas ­ a pandemia teve um “impacto negativo muito forte” no secto

Tudo parou há seis meses em Chã das Caldeiras, junto ao vulcão da ilha cabo-verdiana do Fogo, por causa da pandemia da Covid-19, mas as últimas chuvas trouxeram esperança e todos pegaram nas enxadas para trabalhar na agricultura. 

O vaivém de carros, turistas a subir o vulcão, as várias línguas estrangeiras, flashes dos telemóveis e máquinas fotográficas e o negócio a fluir deram lugar ao silêncio e tranquilidade que há muito não se sentia em Chã das Caldeiras, aldeia do município de Santa Catarina, junto ao vulcão na ilha do Fogo.

“Estou praticamente a viver a minha infância, de há 25 ou 30 anos, em que o turismo era algo milagroso em Chã das Caldeiras”, descreveu João Pedro de Pina Silva, presidente da Associação de Guias de Turismo de Chã das Caldeiras, criada logo após a última erupção, que começou em 24 de Novembro de 2014 e terminou 77 dias depois, em 8 de Fevereiro do ano seguinte.

“Sente-se um vazio enorme, um deserto total em Chã das Caldeiras”, lamentou o também agricultor, de 38 anos, conhecido na aldeia por Alcindo, dizendo que uma das coisas boas depois da pandemia foi alguma “reaproximação” das pessoas, que têm concentrado as suas energias nos negócios à volta do turismo.

Alcindo é, juntamente com a mulher, também proprietário de uma das pensões para turistas na aldeia, construída após a erupção, mas que agora está de portas fechadas, continuando apenas a servir como moradia da família. O turismo foi a solução para muitas famílias locais lidarem com a seca em Cabo Verde, mas a pandemia teve um “impacto negativo muito forte” no sector, conforme disse Alcindo à Lusa, afirmando que muitos dos 27 guias da associação estão a passar por uma situação crítica.

Sem turistas, muitos guias pegaram na enxada e recebem outras “ajudinhas”, disse o presidente da associação, indicando que uma dessas ajudas veio da câmara Municipal de Santa Catarina, que garantiu cinco dias de trabalho em manutenção dos caminhos de acesso ao pico do Vulcão. “Os guias estão muito preocupados com a situação.

Estamos a falar muito do turismo interno, mas não consegue cobrir a demanda que tinham antes da pandemia”, salientou o também guia turístico e dono de parcelas de terreno onde cultiva um pouco de tudo, desde árvores de frutos e feijões. Em declarações à Lusa, Alcindo pediu mais apoios para os guias turísticos continuarem a arranjar os caminhos ou frequentar alguma formação, enquanto o turismo está parado, já que nem todos têm uma parcela de terreno para cultivar.

Chã das Caldeiras chega a quase 2.100 metros de altitude, enquanto o pico da ilha de Cabo Verde fica mais acima, a 2.829 metros, permanecendo activo, com uma caldeira de oito quilómetros de diâmetro. Há pouco mais de um mês, a ilha do Fogo registou os primeiros casos de Covid-19 e, segundo Alcindo, viveram-se “momentos de pânico” em Chã das Caldeiras, por causa de informações falsas que davam conta de casos na zona.

Mas, tal não se confirmou e as pessoas estão mais tranquilas, e seguindo as regras sanitárias. “É claro que todos têm medo”, afirmou a mesma fonte, para quem as pessoas tentam ultrapassar tudo isso concentrando-se nos trabalhos agrícolas, muitos feitos em família. “Mundialmente, todos têm esperança que isso acabe o mais depressa possível, para retomarmos todas as actividades de forma normal”, perspectivou.

Também natural de Chã das Caldeiras, Isabel Fernandes Montrond, mais conhecida por Bebé, começou a construir a sua casa em 2015, logo após a erupção vulcânica, que provocou a destruição total dos principais povoados da aldeia e de uma área agrícola significativa. A moradia ficou concluída em 2017 e Bebé aventurou-se para investir numa pensão, que abriu portas em Novembro do ano passado, com cinco quartos, todos com vista para o imponente vulcão, um dos locais mais visitados em Cabo Verde.

Após apenas cinco meses de funcionamento, Bebé já estava a tentar recuperar o dinheiro investido, mas a pandemia parou tudo na aldeia, que ainda está a reerguer-se das cinzas, tendo muitas casas em construção, em rochas, recorrendo à crosta da lava solidificada. Bebé recordou que em Março ainda tinha clientes estrangeiros, sobretudo franceses, ingleses e alemães, que estavam a enfrentar muitas dificuldades para regressar aos seus países, por causa do fecho das fronteiras.

“Chã ficou parada, sem nada. Mas graças às chuvas que caíram recentemente, podemos trabalhar na agricultura e esperamos que possa resolver alguma coisa”, disse à Lusa a empresária hoteleira. Bebé gostaria que o movimento de turistas voltasse à Chã das Caldeiras, mas a única garantia que tem é que este ano a ocupação vai ser a agricultura.

Já Antónia Dias é natural da zona de Patin, mas faz parte de uma das cercas de 200 famílias e 1.300 pessoas que moram em Chã das Caldeiras, ela há 25 anos, com o primeiro de três filhos a nascer um ano depois. A casa onde morava antes foi rodeada pelas lavas da erupção vulcânica e a família ocupou parte de uma pensão que foi parcialmente destruída na altura.

Desde Março que Antónia Dias não vê movimentação de turistas em Chã e disse também que a solução é trabalhar na agricultura, já que após três anos de seca, a chuva voltou a cair no país. “Depois das chuvas, estamos com mais coragem. Agora é pura enxada”, disse, referindo que os turistas que visitam a aldeia ajudam muito os locais, sobretudo com roupas.

“Temos saudades deles (os turistas)”, disse, entre risos a moradora de Chã das Caldeiras, conhecida pela plantação de videiras, para a produção do conhecido vinho Chã.

Salas de aula em Cabo Verde obrigadas a fechar depois de dois casos positivos

Todas as escolas cabo-verdianas estão obrigadas a definir planos de contingência, no âmbito da pandemia de Covid-19, estando previsto o encerramento das salas de aula onde forem confirmados dois casos da doença por 10 dias. As medidas constam de uma resolução do Conselho de Ministros com “medidas excepcionais” para o novo ano lectivo, que entrou quinta-feira em vigor, no dia do arranque oficial das aulas no arquipélago.

Entre outras medidas, e alertando que se trata de um ano escolar “atípico” e que define o ensino à distância como forma de “colmatar os efeitos da redução da carga horária lectiva presencial”, a resolução obriga todos os estabelecimentos a adoptarem um Plano de Contingência da Educação, prevendo um “espaço específico” para acolher eventuais casos com sintomas de Covid-19 “até ao contacto com as autoridades de saúde”.

“Quando numa sala de aula aparecem dois casos de Covid-19 confirmados, a mesma deve ser encerrada por 10 dias”, estabelece o plano. Devido à pandemia, as aulas presenciais em Cabo Verde foram suspensas em Março, no final do segundo período do ano lectivo anterior, e só agora são retomadas.

A ministra da Educação de Cabo Verde, Maritza Rosabal, afirmou que as primeiras semanas serão marcadas pela consolidação e aperfeiçoamento das novas regras e práticas adoptadas. “É por isso que as primeiras cinco semanas de funcionamento serão dedicadas à mitigação dos efeitos da pandemia”, afirmou a governante, em declarações à margem da visita que realizou, quinta-feira, a uma escola, secundária de Salineiro, no município de Ribeira Grande de Santiago, para marcar o arranque oficial do ano lectivo. Este ano lectivo arrancou com cerca de 132 mil alunos, com aulas presenciais em todo o país, excepto na capital, devido ao aumento dos casos.

Em declarações anteriores à Lusa, a directora nacional da Educação, Eleonora Sousa, explicou que, no rearranjo do novo ano lectivo, o Ministério da Educação decidiu dividir as turmas com número superior a 20 alunos, em que metade terá aulas durante um período, com interrupções de 30 minutos, para a entrada da outra metade.

As aulas serão de 25 minutos, com intervalos de cinco minutos, em que os alunos não mudam de sala, mas sim os professores, para diminuir a circulação dentro das escolas, disse, ainda, a responsável educativa, avançando que até ao 4.º ano de escolaridade os alunos terão cerca de duas horas de aulas presenciais por dia, ou seja, quatro aulas.

Para o segundo nível de ensino básico e secundário (5.º ano ao 12.º ano), os alunos vão ter mais horas, mas, metade da turma vai estar na escola às segundas, quartas e sextas-feiras, enquanto a outra metade vai ter aulas às terças, quintas e sábados, ainda segundo Eleonora Sousa. Contudo, as orientações deixam em aberto a possibilidade de cada concelho adequar os horários às suas especificidades, com um “grande número de escolas” que poderão funcionar normalmente.

“Porque ficam em localidades onde o número de alunos é reduzido e as salas permitem o funcionamento normal”, salientou a directora, referindo que, como complemento das aulas presenciais, haverá aulas à distância, transmitidas pela rádio, televisão e Internet. O ano lectivo arranca com cerca de 132 mil alunos nos diferentes níveis de ensino, praticamente o mesmo número do ano anterior, nomeadamente 20 mil alunos no pré-escolar, 80 mil no ensino básico (1.º ao 8.º ano) e os restantes no ensino secundário (9.º ao 12.º ano).

O Governo cabo-verdiano decidiu adiar o início das aulas presenciais na capital, Praia, para “depois de 31 de Outubro”, devido à evolução da pandemia de Covid-19, optando pelas aulas à distância.

Orçamento marcado por incertezas

Os donativos internacionais a Cabo Verde deverão cair para metade em 2021, segundo previsão da proposta do Orçamento do Estado para o próximo ano, após um máximo histórico superior a 77 milhões de Euros esperados em 2020. Segundo um documento de apoio à proposta orçamental para o próximo ano, fortemente marcada pelas consequências económicas da pandemia de Covid-19, que o Governo entregou quinta-feira, na Assembleia Nacional, são esperados donativos na ordem de 4.050 milhões de Escudos (36,6 milhões de Euros) em 2021, registo semelhante ao de há praticamente dez anos.

Trata-se, igualmente, de um valor que fica a menos de metade do angariado por Cabo Verde em 2020, que o Governo fixou em 8.559 milhões de Escudos (77,7 milhões de Euros). O Governo reconhece mesmo que, devido à pandemia de Covid-19 e à sua evolução ainda incerta, a proposta de Orçamento do Estado para 2021 fica marcada pela “incerteza” nas receitas próprias e pela “diminuição de donativos”.

A Lusa noticiou, este mês que os donativos a Cabo Verde aumentaram 13 por cento no primeiro semestre de 2020, para mais de 2.808 milhões de Escudos (25,5 milhões de Euros), essencialmente feitos em divisas, segundo um relatório do banco central. De acordo com dados compilados a partir do último relatório estatístico do Banco de Cabo Verde, o país recebeu de Janeiro a Junho, donativos em divisas no valor de 1.713 milhões de Escudos (15,5 milhões de Euros).

Nos primeiros seis meses de 2020, os donativos a Cabo Verde foram quase exclusivamente oriundos de financiamentos de governos parceiros do arquipélago e organizações supranacionais, embora o relatório não identifique quais. Cabo Verde recebeu ainda 381,9 milhões de Escudos (3,5 milhões de Euros) de donativos na forma de ajuda ao Orçamento.

Estes donativos e ajuda orçamental visam, essencialmente, apoiar programas de reforço de saúde primária e a educação, criação de emprego, formação profissional, apoio ao sector informal e a implementação do rendimento solidário às famílias, face aos impactos da Covid-19 no arquipélago. A proposta de Orçamento do Estado para 2021 ascende a 77.896 milhões de Escudos (706,4 milhões de Euros), o que corresponde a um aumento de 27,3 milhões de euros em relação ao Orçamento rectificativo ainda em vigor, elaborado devido à crise provocada pela pandemia.

 

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