Reportagem

A história “oculta” dos rastafári em Angola

Analtino Santos

Jornalista

Tubya dya Kongo dya Punguandongo é o actual líder da AMORA (Associação do Movimento da Ordem Rastafári de Angola). Ele faz parte da primeira geração de membros do movimento e era um dos mais próximos de Jah Isaac, o falecido fundador do movimento rastafári em Angola. Quando este morreu, teve a missão de sucedê-lo. Ele conta como foi o percurso inicial do Movimento Rasta em Angola.

04/10/2020  Última atualização 13H35
Edições Novembro © Fotografia por: Alexandre Hongolo “Ras Hongolo”, actual secretário-geral da AMORA

“Os primeiros anos foram difíceis, a sociedade estava aculturada e com gente muito alienada, assente numa educação colonial e religiosa, confusa, e não aceitava as questões africanas. Jah Isaac vem da Jamaica, traz a plenitude do Rastafarianismo e rompe com a crise do saber. O rasta começa a ser visto de forma diferente”. 

Tubya dya Kongo recordou um incidente com militares das antigas ST (Serviço de Tropas), que brutalizaram os companheiros Bongo e Ras Nkrumah: “Era à entrada da democracia. Bateram-nos e cortaram-lhes o cabelo com cacos. Nós fomos à TPA e fizemos uma manifestação para o Ecos & Factos. Penso que foi uma das primeiras manifestações”.

Na altura, chegou-se a cogitar que teriam sido instrumentalizados pela UNITA, mas eles, os rastas, negam qualquer ligação a este partido, pois a sua grande motivação para se manifestarem foi a brutalidade do sistema, representado pela Polícia e os militares.

 Faya insurge-se e lamenta o facto de aos indivíduos com dreadlocks que se apresentam para tratar o Bilhete de Identidade lhes ser exigido um documento a atestar que pertencem à Comunidade Rasta. “O universo é composto pela diversidade dentro da unidade. É triste exigirem uma legalização para um certo tipo de cabelo, é como se tivéssemos que tratar um documento para ‘legalizar’ o facto de termos 32 dentes na nossa boca”.

No tempo da guerra

Pupa Kanda, natural de Malanje, pertence ao primeiro grupo de rastas em Angola e vive actualmente no Brasil, onde está há 26 anos. Antes chamado Sansão, ou Man Sansas, residiu numa das ruas mais perigosas do Cazenga, nos arredores do mercado Asa Branca. Durante muito tempo a sua casa serviu de local de encontro dos membros da Comunidade Rasta. Ele foi um dos impulsionadores e protectores de muitos da segunda geração do movimento.

“Os primeiros momentos foram de terror e incerteza. Angola estava em guerra e os jovens eram reféns da lei do serviço militar obrigatório. Vi a minha infância e sonhos serem sequestrados e mortos. Ser rasta deu-me esperanças, nutriu-me de orgulho e certeza num amanhã melhor. Mas, na sua intolerância o Estado adestrou a Polícia e outros orgãos militares, permitindo a violação dos direitos de muitos cidadãos, tendo a violência como única saída para sanar os problemas da nação. Sofri vários abusos: cortes forçados de cabelo, porrada, impedimento de estudar ou trabalhar, etc., etc”.

Pupa Kanda acrescentou: “O sistema não entende o rasta e talvez isso aconteça por três motivos: primeiro, porque o rasta é uma das células principais do núcleo africano, é contrário às actuais formas de governação de muitos países africanos; segundo, as leis de alguns desses países são quase as mesmas que foram usadas pelo colono para reprimir e dizimar a nossa cultura”.

Pupa Kanda apesar de radicado no exterior está “directamente ligado” a acções do Movimento Rasta em Angola, trabalhando com grupos empenhados no resgate da cultura angolana e africana, nomeadamente, no ensino e aprendizagem das línguas nacionais. “Temos a luta contra o nutricídio como uma das nossas prioridades. Associei-me a um grupo que promove a cultura, o manejo e a restauração dos solos no Bengo, também contribuo com minhas pequenas experiências em estudos fisioterapêuticos sempre que vou a Angola.

E enquanto cidadão na diáspora, empresto a minha voz e conhecimento sobre questões raciais e a história de Angola por meio de palestras, debates, poesia e canto. Coordeno o projecto África Contada Por Nós, sou redutor de danos e actuo em ONG’s e lares de acolhimento”.  Pupa Kanda defende que apesar de os rastas, no início, terem sido sacrificados para que outros angolanos, hoje, conseguissem usar o penteado dreadlocks, isso não lhes dá o direito de monopolizar tal identidade.

“A meu ver, usar cartão ou uma declaração de pertença à Comunidade Rasta para tratar o BI ou proteger-se das instituições ignorantes abre caminho para que outros angolanos não tenham o direito de usar o mesmo penteado (dreadlocks). Deve-se criar um diálogo saudável para pôr fim a esses danos morais”.

“O sistema não entende”

oaquim Rafael “Ras Kanutula” pertence à primeira geração de rastas fora de Luanda. É mestre em Ensino de Inglês e licenciado em Ciências da Educação na especialidade de Linguística Inglesa pelo ISCED-Huíla. O professor universitário recordou os primeiros anos da Comunidade Rasta na Huíla. “Foram momentos vividos de luta, suor e sangue que culminaram com detenções, humilhações e julgamento, tendo sido eu um dos principais alvos no Lubango”.

Ras Kanutula é bastante crítico em relação ao actual estado de organização da Comunidade Rasta. Diz que não vê “avanços substanciais na perspectiva da militância rasta em Angola”. Na sua óptica, “o movimento estagnou há uma década e meia”.  E diz mais. “O sistema não entende o rasta. Sinto que o sistema percebe que o rasta não é coerente consigo mesmo, na abordagem dos seus reais objectivos em Angola.

Espero da sociedade angolana o reconhecimento da nossa identidade africana, com o homem rasta na vanguarda. Só isto poderá libertar-nos definitivamente das correntes da escravidão mental que emperra o desenvolvimento deste país em todos os sentidos”.  Ras Kanutula opinou, igualmente, sobre a exigência aos portadores de dreadlocks, por parte de alguns funcionários dos postos de identificação civil, de um suposto documento da Comunidade Rasta para tratar o B.I.: “Fico frustrado, uma vez que isso representa o fracasso daquilo que foi e é o meu contributo para a igualdade.

É absurdo que um ser humano tenha de ter um documento de uma parte do seu corpo (dreadlock) para a obtenção do BI que é um direito de todo o cidadão. A Comunidade Rasta é cúmplice de uma violação dos direitos humanos por parte do governo angolano”.  Isalino Augusto “Ras Nguimba Ngola” tem o 4º ano do curso de Gestão de Empresas. Está inscrito na Ordem dos Contabilistas e Peritos Contabilistas de Angola.

É ainda escritor membro da União dos Escritores Angolanos e fundista (meio-maratonista) vinculado ao Progresso Associação do Sambizanga. “Hoje há um certo avanço, sente-se mais abertura e compreensão do ser rasta. Devido à mundialização já há mais pessoas a perceberem quem é o homem rasta”.  Falando da sua experiência pessoal, revela que no início enfrentou entraves no local de trabalho, isto em 2005, quando foi forçado a cortar o cabelo, que então exibia despenteado. Devido à pressão, abandonou o emprego. Era na altura gerente de um Posto de Abastecimento de Combustíveis.

“O meu cabelo incomodava os que estavam acima do meu nível. No emprego a seguir, numa multinacional petrolífera, fui aceite com o cabelo despenteado. O director financeiro disse-me que queria apenas o meu trabalho. Trabalhei como controlador de custos durante alguns anos e hoje estou num escritório de contabilidade onde sou bem aceite pelos colegas e clientes”.

Quanto ao seu contributo na sociedade, Nguimba Ngola elucida que se pauta por ser um cidadão obediente às leis e por buscar uma conduta com vista a sã convivência e urbanidade. “Pelas actividades que exerço como escritor, contribuo para manter viva a memória colectiva dos nossos povos. Incentivo os mais jovens para o hábito da leitura e de práticas desportivas. Modestamente sirvo em silêncio, ajudando o meu povo a despertar para o bem e o progresso”.

Quanto à declaração de pertença à Comunidade Rasta exigida para obtenção do BI, Nguimba Ngola defende que é um absurdo. “É um absurdo exigir-se documento de filiação a qualquer organização cultural ou religiosa para o BI Existem pessoas com dreadlocks que não se encontram filiados em qualquer organização e não é necessário que assim seja”. O autor da obra poética “Mátria” contou ao Jornal de Angola alguns acontecimentos da sua vida pessoal que ajudam a compreender como funciona(va)m algumas instituições no país.

“Tive um incidente no SME, onde o meu passaporte ficou preso um mês, pois eu tinha de mostrar um documento da Cultura. E o meu filho teve de cortar o cabelo por imposição da escola”.  Abel Kanda é engenheiro industrial, mestre em Gestão de Qualidade e professor da Universidade Agostinho Neto. Como início de conversa, fez um olhar comparativo entre Angola e os países por onde estudou e viveu.

“A situação dos dreadlocks em Angola não é diferente da de outras paragens do mundo, quanto ao olhar interrogativo e especulativo das pessoas em dependência da informação que possuem sobre o dreadlocks e mesmo sobre a filosofia rasta em geral. Talvez por preconceitos ou mesmo por estarem alienadas ou aculturadas, as pessoas tinham dúvidas sobre as aptidões ou competências profissionais dos rastas”.

Abel Kanda afirma notar, actualmente, “uma tímida aceitação social dos rastas nas diferentes esferas, independentemente de observar poucos dreadlocks na minha área de actuação profissional”.  O académico realçou que à medida que a sociedade emergir para uma “identidade cultural nacional e africana, aceitará os dredlocks”. Sendo hoje responsável do Departamento de Ensino e Investigação Científica na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, Abel Kanda foi antes coordenador do curso de pós-graduação em Gestão de Empresa.

Ele defende uma sociedade mais inclusiva e que respeite as diferenças. Afirma-se, apesar de tudo, bastante respeitado pelos pares e estudantes. “Esforço-me profissionalmente para corresponder às expectativas”, disse. Ben Imhotep, residente actualmente em Espanha, pertence à primeira geração de rastafarianos angolanos. Era tratado por Peter Tosh. Oriundo do bairro Hoji-ya-Henda, era muito acarinhado por Jah Isaac.

Ele descreve assim os primeiros momentos do Movimento Rasta em Angola. “Não tinha ideia do fundo filosófico, cultural e social da AMORA. Desde o primeiro encontro conectei-me com a mensagem da AMORA porque necessitava de uma orientação a nível social, cultural, filosófica e até política. Fiquei surpreendido pelos comentários de Jah Isaac e de outros irmãos acerca do Rastafarianismo.

O espírito de comunidade, a busca pelo respeito próprio e do outro cativou-me. As menções bíblicas que apontavam para a nossa africanidade deixaram-me totalmente desconcertado e ao mesmo tempo foi como localizar-me num mapa cultural, social, etc.”  Respondendo se o sistema sócio-político angolano está preparado para encarar o rasta, Ben Imhotep é da seguinte opinião: “Devido à sua idiossincrasia e ao trauma colonial, creio que não está preparado para escutar o rasta de maneira aberta, porque este traz uma mensagem de fundo panafricanista.

E muitos africanos (angolanos) ainda se sentem incomodados com o panafricanismo, quer por ignorância quer por omissão”.  Como professor de violão eléctrico e acústico, Imhotep diz que sempre que vem a Angola a música é uma das suas preocupações. E frisa que os membros da Comunidade Rasta têm de se dotar de formação convencional, que pode ser adquirida de maneira formal ou informal.

“O uso da Bíblia sem uma correlação lógica está ofuscando uma realidade mais tangível. O meu olhar como rasta angolano está voltado para uma humanidade unida na diversidade. Como angolano-africano a nossa bandeira dentro desta diversidade é o panafricanismo”.

Polémico “documento do cabelo”

Alexandre Hongolo “Ras Hongolo”, actual secretário-geral da AMORA, pertence à segunda geração do Movimento Rasta. É mestre em Ciências Sociais e Humanas, na opção Sociologia e especialista em Desenvolvimento Social e Urbano, além de licenciado em Ciências da Educação na especialidade de Ensino da Sociologia. Foi professor universitário no Huambo e actualmente é docente da Escola Superior Politécnica de Malanje, onde também é chefe do Departamento de Investigação Científica e Pós-graduação.

“Tive os primeiros contactos em 1990, mas entrei definitivamente no Movimento Rastafári em 1993. Este período de três anos foi de avaliação. O rasta nas ruas tinha de ser cauteloso. Em 1993, o pior já tinha passado. Mas ainda me deparei com situações menos boas, os rastas ainda eram interpelados pela Polícia para apresentar o chamado ‘documento do cabelo’.

Era difícil. Éramos o único grupo social a quem era requerido este documento. No início, eu já sabia que iria enfrentar a discriminação e a exclusão, mesmo a partir da família, mas sobretudo ao longo do percurso escolar e profissional. Entre os sentimentos de medo e de resiliência, prevaleceu o segundo”.

Alexandre Hongolo conta que às vezes era necessário dar uma olhadela de longe para ver se havia ou não polícias na rua, e se houvesse tinha de mudar de direcção. “Controlavam-me os movimentos o medo por ser rasta e o medo da rusga para ir à vida militar. Os dois medos misturavam-se intensamente, porque a situação seria pior para um jovem apanhado com os dreadlocks na cabeça”.  O facto de ser membro da Associação do Movimento da Ordem Rastafari de Angola, segundo Ras Hongolo, lhe tem permitido contribuir para a inserção sócioprofissional e artística de muitos jovens.

Nessa perspectiva, considera-se um agente de mudança: “preocupo-me mais com o que eu tenho para dar ao meu país, do que com aquilo que o meu país tem para me dar”. Questionado se sentia que o sistema angolano passou a entender o rasta, Ras Hingolo respondeu não saber quem é, ou o que é o sistema. “Não sei se se trata de uma pessoa, de um conjunto de pessoas, de uma instituição ou de um conjunto de instituições.

Prefiro utilizar a palavra cidadão no plural Assim, penso que, hoje, muitos cidadãos angolanos entendem o rasta, mas não da mesma forma. Apesar da exclusão social, da estigmatização, da discriminação negativa ou positiva, Angola como um todo, e os angolanos como cidadãos, deram um exemplo de entendimento muito forte. Hoje, a Comunidade Rastafári tem uma associação legalmente reconhecida que a representa e pode vir a ter outras, conforme as mais diversas dimensões do Rastafarianismo, ainda quase totalmente desconhecidas em Angola”.

Paulo Carnoth Lion, da primeira geração de rastafarianos em Angola, reside presentemente no Reino Unido. Formado em Assistência Social, sempre que vem para Angola trabalha com jovens em projectos sociais. “Nos primeiros momentos, a grande dificuldade foi a separação dos amigos, familiares e da sociedade, que viam no rasta um ser degradante”, começou por dizer. “Muitos de nós tivemos problemas quando mudámos a nossa forma de nos alimentarmos, optando pelo vegetarianismo. Foi uma guerra.

As famílias encaravam como uma tremenda dificuldade fazer uma refeição separada da mais comum. Alguns familiares pensavam que o rasta foi à procura de feitiço, tamanho era o tabu à volta da dieta vegetariana”.  Paulo Carnoth lembra que existem “rastas sem dreadlocks e portadores de dreadlocks que não possuem a integridade de um rasta”.

Diogo de Sousa adoptou o nome Ras Ndyoko Mutu depois de aderir ao Movimento Rasta. Gestor de projectos, com formações em liderança e direitos humanos, deu a conhecer que durante uma viagem ao serviço da ONG estrangeira em que trabalhava, o avião do PAM ficou parado uma hora até que o problema com a sua identificação fosse resolvido. Tudo por ser rasta e angolano. “As ONG’s primavam pelo direito à diferença, sempre me relacionei melhor dentro delas do que nos ministérios.

Infelizmente os parceiros e funcionários do Estado só passaram a aceitar-me porque sabiam que os estrangeiros valorizavam o meu trabalho e respeitavam-me. Eu trabalhava em projectos de saúde, educação e direitos humanos e, quando saía do meu gabinete para reuniões nos ministérios enfrentava problemas de acesso, mesmo com a identificação e o contacto previamente feito. Os funcionários do Estado ficavam desconfortáveis por tratarem de projectos com um rasta nacional”.

Ras Ndyoko Mutu conta um incidente concreto, ocorrido ainda durante o período da guerra. “Foi no gabinete do governador do Bié. A secretária, de forma arrogante, impediu a minha entrada, alegando que o governador não podia atender-me e que chamaria os guardas para me retirarem. Quando disse que tinha audiência marcada e que vinha em representação de uma organização não governamental americana, ela solicitou-me, desnecessariamente, documentos para confirmar se, de facto, eu era o enviado e, então, depois de confirmar, pediu desculpas”.

Ras Ndyoko Mutu tem agido como mediador, sendo muitas vezes abordado por estudantes que são proibidos de frequentarem o sistema de ensino, quer público quer privado, segundo ele porque as escolas, “por uma suposta questão de ética, boa aparência e higiene”, exigem que os alunos se apresentem com o cabelo curto. “E quando aparece um rasta é um bicho de sete cabeças para o professor e a própria escola, que já têm um sistema montado”.

É assim que, nessas situações, Ras Ndyoko Mutu tem reunido com professores e directores de escola para ajudar os jovens rastas. Um outro sector onde tem feito advocacia é nos Postos de Identificação Civil.  Roots Mandela Shabazz faz parte da primeira geração de rastafarianos angolanos, residindo actualmente na Itália. O seu nome de registo é António Pedro Fernandes.

Contou ele ao Jornal de Angola que um ano depois de ser rasta foi apanhado na rusga e levado para fazer a recruta militar em Malanje, mesmo sendo um objector de consciência.  “Os meus colegas diziam que eu filosofava muito. Deste modo, passei a influenciar outros e consegui que alguns recrutas aderissem ou mudassem o seu ponto de vista em relação ao rasta”. Quando saiu da tropa, na sequência dos Acordos de Bicesse em 1991, Roots Mandela Shabazz, oriundo de uma família de Testemunhas de Jeová, foi expulso de casa.

“Não aceitavam os meus dreadlocks e o hábito de andar descalço”.  Shabazz emigrou para Portugal, onde encontrou uma comunidade rasta “estruturada culturalmente, mas pouco ligada ao lado espiritual do rastafarianismo”. Lidou com o grupo de reggae Kussondulola e artistas como Legalize e Prince Wadada. Reformulou um grupo de teatro com estudantes universitários e escreveu a peça “O Jacaré que paga imposto”, que encenou e dirigiu. Ainda em Angola, fez parte do grupo de dança “Originais Mestres da Bungula”.

Da segunda geração do Movimento Rasta, Gilberto Cinquenta Ndala, aliás Ras Tucah, fez a licenciatura em canto lírico no ISART e actualmente é professor de música. “O percurso inicial como rasta não foi fácil. Maus tratos, cortes de cabelo com cacos de garrafa, falta de oportunidade de emprego e de continuidade dos estudos... Hoje, o sistema tem, aos poucos, compreendido melhor o rasta. Ainda faltam muitas guerras para vencer, mas sabemos que nada nos será entregue de bandeja”.

Ras Tucah é contra a exigência de uma declaração de pertença à Comunidade Rasta para tratar o BI “Esta sempre foi a minha luta. A forma como o Ministério da Justiça age, solicitando aos portadores de dreadlocks um documento da Comunidade Rasta para tratar o BI é, de todo, errada e descabida, é uma autêntica violação dos direitos humanos”.

Reacção das instituições do Estado

O Ministério da Justiça e Direitos Humanos admite que, no passado, houve excesso de zelo de “alguns funcionários” da Identificação Civil e Criminal, que chegavam ao ponto de exigir aos portadores de dreadlocks uma declaração da Comunidade Rasta para tratar o Bilhete de Identidade.  Carlos Cavuquila, director nacional de Identificação Civil e Criminal, contactado pelo Jornal de Angola, disse que, para tratar o BI, “oficialmente nunca foi solicitada outra documentação além da exigida por lei” e pediu desculpas pelos transtornos causados a “qualquer cidadão nestas condições”.

Prometeu publicitar mais, internamente, este assunto. O Ministério da Educação, contactado para se pronunciar sobre as denúncias de discriminação aos portadores de dreadlocks nas escolas, deu um autêntico baile ao repórter do Jornal de Angola. Foram três os directores nacionais interpelados e cada um passou a bola para outro. Até que, finalmente, o director nacional da Acção Social Escolar, Dr. Torres, acedeu falar.

Remeteu a explicação ao regulamento interno das escolas. Questionado se o impedimento a quem usa dreadlocks não viola o direito à educação, afirmou que as escolas têm as suas regras internas e sugeriu que contactássemos outros sectores do Ministério da Educação “para um melhor esclarecimento”.
“Não tratamos de forma preconceituosa o rasta”, disse, por sua vez, o porta-voz da Polícia Nacional subcomissário Waldemar José.

O oficial frisou que não vê um quadro “onde a violência e os desrespeitos ao rasta sejam visíveis nos dias de hoje”. E acrescentou: “até tenho um amigo rasta”.  Segundo Waldemar José, “o rasta em Angola já não é perturbado”.

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