Sociedade

Moradores regressam ao edifício sem inspecção do Laboratório de Engenharia

Sem grandes garantias de segurança por parte de uma entidade, não obstante o medo e a falta de um outro lugar para morar, temporariamente, os moradores do prédio 27, bloco 2, regressam para os apartamentos, ainda no meio de destroços da recente explosão, provocada pelo vazamento de gás butano.

24/10/2020  Última atualização 20H36
Famílias regressaram aos seus aposentos, mas o receio que o edifício desabe continua a dominar o sentimento dos moradores © Fotografia por: DR
As  nove famílias regressaram aos seus aposentos, mas o receio que o edifício desabe continua a dominar o sentimento dos moradores, por suspeitas de o mesmo ter ficado comprometido devido a estragos provocados pelo impacto da explosão.
Os moradores disseram ao Jornal de Angola que foram demovidos pelo sofrimento, angústia, perigo, à exposição ao sol, à poeira, à chuva e à humilhação.

Os rostos dos moradores não manifestavam a contento com o que chamam de simples fiança dada pela CTCE, empresa chinesa responsável pela construção da Centralidade do Sequele, Cacuaco.
Alguns dias depois do incêndio, a única vítima, no caso o proprietário do apartamento, onde ocorreu o vazamento de gás, morreu numa unidade hospitalar, devido aos ferimentos graves, causados pela queimadura.

Vizinhos e familiares viram a esperança a esfumar-se com a morte, quando ainda aguardavam por alguma explicação sobre as causas da explosão. Sequer as preces enviadas ao Céu foram capazes de manter em vida o vizinho, que deixa filhos menores, que ainda precisariam, e muito, do calor e apoio do progenitor.
A notícia da morte do proprietário do apartamento apanhou os lesados a pernoitar ao relento, há uma semana.

Maura Gomes, residente no prédio 27, desde 2014, disse que intercedeu tanto pela vida do vizinho, porque, também, quis saber o que terá acontecido no dia da explosão.   "Nunca vi algo parecido acontecer”, tartamudeou.
"Tudo pareceu muito estranho naquele dia. Se fosse só mesmo vazamento de gás, os outros moradores da casa teriam sentido o cheiro”, supõe, para dizer que nem os vizinhos dos apartamentos ao lado sentiram o cheiro do gás.

Maura viu as janelas do seu apartamento a quebrar como se de uma bomba se tratasse. Edvaldo André, outro morador do edifício desde 2015, contou que sete apartamentos ficaram com as janelas estilhaçadas e o portão de ferro da entrada do edifício amolgado. Entretanto, no apartamento onde se deu o vazamento, apenas o dono da casa ficou ferido. "Até parece coisa do outro mundo ou um filme de terror”, diz Edvaldo, num tom que denuncia e suposições.

Por essa razão, Edvaldo André corrobora, com a opinião dos demais moradores, que o vizinho não devia ter morrido, para que explicasse o que realmente aconteceu naquela manhã. "Todos nós fomos afectados, temos de recomeçar as nossas vidas. Perdeu-se quase tudo dentro de casa”.
Para os moradores, restava apenas aguardar pelo apoio do Fundo de Fomento Habitacional, na qualidade de proprietário da Centralidade. Apesar de vários gritos de socorro, não houve ajuda alguma. A solução encontrada foi pedir ajuda à Administração Municipal de Cacuaco.

Edvaldo André explicou que, por terem passado várias noites ao relento, não tiveram outro remédio, senão voltar para casa, sem grandes garantias de segurança no edifício, em razão da explosão que arrancou portas e janelas.


Custos assumidos

O administrador do município de Cacuaco, Auzílio Jacob, disse, em entrevista ao Jornal de Angola, que, apesar de não ser responsabilidade da Administração, ainda assim, com algum esforço, desdobrou-se para que as famílias regressassem aos apartamentos.
Sem avançar o número dos custos, disse que dialogaram com a CTCE, empresa responsável pela construção, que se comprometeu em repor portas e janelas.

A reposição destes meios aconteceu na semana passada, explicou o administrador, dizendo que alguns apartamentos ainda aguardam pela conclusão dos trabalhos de reparação.
Na sua óptica, a responsabilidade de reposição das janelas e portas devia ser do Fundo de Fomento Habitacional e a CTCE, por serem os donos do edifício. "Os moradores estão lá em regime de renda resolúvel”, justificou, para avançar que, praticamente, aqueles moradores são inquilinos, e "caso não cumpram com os pagamentos, previstos nos contratos, podem ser desalojados pelo Fundo”.

Neste caso, disse, quando acontece situações que ultrapassam a responsabilidade do morador, o Fundo Habitacional, na qualidade de dono do edifício, tem de acudir a situação e não ficar indiferente.
No dia em que ocorreu o acidente, segundo Auzílio Jacob, surgiram no edifício alguns técnicos do Fundo. "De lá para cá nunca mais disseram nada, nem sequer acalmaram os moradores e muito menos contactaram a administração local, para saber os passos dados”.

"Assumimos os custos da reposição das portas e janelas, que não é nossa responsabilidade”, acentuou. Auzílio Jacob adiantou que recebeu garantias da CTCE, empresa construtora da Centralidade, que o edifício      continua seguro e que os moradores podiam regressar às suas casas, sem receios.

Garantia não pode ser da construtora

Por seu turno, o engenheiro Civil e membro da Ordem dos Engenheiros de Angola, Paulo Nóbrega, disse ao Jornal de Angola que a vistoria não devia ser feita pela empresa construtora do edifício.
Paulo Nóbrega salientou que a CTCE devia apenas acompanhar o trabalho, mas é responsabilidade do Laboratório Nacional de Engenheira aferir o estado do prédio, por ser a entidade competente para o efeito.

" O Laboratório Nacional de Engenharia deve fazer um relatório e apresentar à administração local, atestando se os moradores podem ou não regressar ao edifício ".
Segundo Paulo Nóbrega, uma explosão de gás pode ter contornos alarmantes, ao ponto de afectar o próprio edifício. Como disse, também pode não afectar nada, daí que é preciso que haja técnicos altamente qualificados para inspeccionar o edifício.
O engenheiro Civil defende ser necessário notificar-se o Laboratório Nacional de Engenharia, para se deslocar à Centralidade do Sequele.


  Fundo mantém-se em silêncio

O Jornal de Angola tentou contactar o Fundo Habitacional, mas sem sucesso. Foi, inclusive, enviada uma carta ao presidente do Conselho de Administração da referida Instituição, para se pronunciar sobre o assunto, mas até à data da conclusão desta reportagem não nos foi dada nenhuma resposta.

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